quinta-feira, 16 de novembro de 2023

João Miguel Tavares - Como destruir um grande clube de futebol

OPINIÃO

A proposta de alteração dos estatutos resultou das reuniões realizadas pelo conselho superior do clube. Ou seja, é o conselho  que as está a propor aos sócios.

* João Miguel Tavares
16 de Novembro de 2023

Aprende-se muito com as cenas de pancadaria na Assembleia Geral Extraordinária do Futebol Clube do Porto, porque estamos a assistir à lenta destruição da instituição que dominou o futebol português desde a década de 80. O mais curioso é isto: essa destruição acontece não por causa do ódio dos inimigos do FC Porto, mas por causa do excesso de amor dos seus sócios – os sócios do FCP gostam tanto de Jorge Nuno Pinto da Costa que se tornaram cegos a todas as barbaridades que a sua direcção tem vindo a cometer nos últimos anos, e à catástrofe que tem sido a gestão do clube.


Todos os grandes clubes portugueses têm enormes passivos, mas só o FC Porto se encontra em situação de falência técnica. Na diferença entre passivos e activos, o Benfica tem capitais próprios positivos no valor de 113 milhões de euros. O Sporting regressou a terreno positivo na época de 2022/23, com 8,9 milhões. O FC Porto está a anos-luz dos seus rivais: tem capitais negativos no valor de 176 milhões de euros. O resultado agravou-se em 64 milhões apenas na última época.

Em qualquer empresa, um CEO com estes números seria corrido de imediato. No FC Porto, decidiu avançar-se com uma mudança de estatutos que reforça ainda mais os poderes da actual direcção. Centro-me numa única medida, bem elucidativa da deriva para o abismo: a inacreditável possibilidade de os membros dos órgãos sociais do FC Porto passarem a realizar negócios com o próprio clube.

Até agora, esses negócios eram obviamente incompatíveis: um dirigente não pode realizar negócios com a empresa que dirige. Seria bar aberto para todos os abusos e para a transferência de dinheiro em proveito próprio ou da família. No entanto, se os novos estatutos do FC Porto forem aprovados, essa limitação cairá: o negócio passa a ser possível “quando seja do manifesto interesse do clube”, uma formulação de tal maneira subjectiva que praticamente tudo passará a ser permitido.

Mas o mais extraordinário – e o que me levou a escrever este texto – é isto: essa proposta de alteração dos estatutos resultou das reuniões realizadas pelo conselho superior do clube. Ou seja, é o conselho superior que as está a propor aos sócios. E o conselho superior do FC Porto não é um qualquer órgão obscuro – ele é composto por gente mui ilustre da cidade do Porto, e não só.

Na lista dos seus membros efectivos surge, em primeiro lugar, o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira. Em terceiro, Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia (agora condenado à perda de mandato por um crime de peculato). Em quarto lugar está o actual líder do PSD, Luís Montenegro. Em quinto lugar, o comentador Pedro Marques Lopes. Em oitavo, o ministro da Saúde, Manuel Pizarro. E lá para o meio da lista ainda encontramos o deputado do PS Tiago Barbosa Ribeiro.

Estas pessoas não têm com certeza nada que ver com a organização da assembleia geral, nem com a inconcebível utilização da claque dos Super Dragões para intimidar os desgraçados dos sócios que se opõem aos novos estatutos. Mas já que são políticos que andam por aí, e muitos deles vão iniciar em breve uma campanha eleitoral, deviam pronunciar-se publicamente sobre o caso. Será que pessoas como Rui Moreira, Manuel Pizarro ou Luís Montenegro propuseram mesmo aos sócios do FC Porto agravar o nepotismo e a endogamia do clube? Eu não sou sócio da casa, mas sou um eleitor português. Há por aí tantos microfones à disposição – digam-me lá, que quero muito saber.

O autor é colunista do PÚBLICO

Jornalista

https://www.publico.pt/2023/11/16/opiniao/opiniao/destruir-clube-futebol-2070376

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