segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Joana Ricarte - Prémio Nobel da Paz para António Costa, já!


A “verdadeira resolução da guerra” Israel-Hamas pela queda do Governo é um exemplo premente de como estamos a produzir e consumir informação numa perspectiva episódica, reativa e alarmista.


* Joana Ricarte

13 de Novembro de 2023, 

Primeiramente, faz-se necessário atribuir autoria ao título deste artigo. Roubei-o a um comentário feito pelo meu grande amigo e colega Daniel Pinéu numa publicação minha na rede social X (antigo Twitter). Eu estava a comentar que bastou uma crise governativa em Portugal, seguida da dissolução da AR e chamada antecipada de eleições pelo Presidente da República, para que a guerra de Israel contra o Hamas e a Faixa de Gaza praticamente deixasse de existir nos noticiários nacionais.

Como consumidora de informação de noticiários portugueses, penso que esta mudança de ventos é exemplificativa de um paradigma de produção e consumo de informação que precisamos rever como sociedade. Estivemos a esmiuçar 30 dias de guerra ao detalhe. Analisámos, opinámos, espalhámos informação e até desinformação.

Eu ouvi de tudo. Ouvi que era injusto que palestinianos pudessem ir viver para Israel enquanto os israelitas não podem viver em Gaza (errado e absurdo, quem quer viver numa prisão a céu aberto voluntariamente?). Ouvi que, embora quiséssemos, em casos de guerra, não podemos esperar reduzir as "casualidades civis” para “perto de zero” (quando a respeitada organização Defense for Children International estimou que a cada 10 minutos (!!) uma criança perdeu a sua vida em Gaza no último mês e pouco). Ouvi que deslocamento forçado de populações em guerra para a indigência, num contexto agreste sem água, eletricidade e comida, é normalíssimo, que isso não pode ser uma violação do direito internacional humanitário e que o Egipto que abra a fronteira e receba este povo todo (afinal, eles que são árabes que se entendam, não é?). Ouvi que o Hamas não é uma organização terrorista, porque vale tudo na luta de resistência anticolonial. Ouvi até que os civis judeus que, se não quisessem ser chacinados com suas crianças e bebés ao colo, não deviam ter ido viver para ao pé de uma zona cerceada e estrangulada social, económica, política e culturalmente (embora eu ainda tenha de facto dificuldade em compreender como é que um festival de música se lembrou de ir comemorar a paz e a “liberdade eterna” ao pé de uma prisão a céu aberto, sem considerar a falta de respeito e humanidade que isto significa). Pouco cuidado vi em garantir que tanta informação incorreta fosse colocada no plano óbvio da opinião-em-jeito-de-bitaites-de-bar, e em esclarecer a diferença entre achismo e evidência histórica/política.

Durante este mês, que terminou precisamente no dia em que nos chegou a informação acerca do escândalo permeando altas instâncias do Governo português e que levaram ao pedido imediato de demissão do primeiro-ministro, os espectadores foram bombardeados com imagens e breaking news, discussões sobre a terceira guerra mundial e a potencialidade/eventual probabilidade de utilização de armamento nuclear ao pé da Europa, conversas de claque que ignoram (todos) os seres humanos (ainda) envolvidos nestes massacres, representações estereotipadas de um “outro” muito distante e de imensa ansiedade relacionada com a normalização da guerra – transmitida em direto, já agora, em substituição de outra.

Toda esta situação deveria nos levar a refletir sobre como queremos informar e que tipo de comunicação é eficaz para construir sociedades e democracias resilientes, desconstruir simplificações e estereótipos incongruentes e diminuir o risco de radicalização, polarização e extremismos. A "verdadeira resolução da guerra" pela queda do Governo é um exemplo premente de como estamos a produzir e consumir informação numa perspectiva episódica, reativa e alarmista. Os produtores de informação devem se perguntar que tipo de sentimentos pretendem/estão a suscitar nas suas audiências. Queremos com a informação detalhada e baseada em grandes crises que as pessoas se tornem mais conscientes, mais humanas, mais solidárias e mais empáticas? Ou estamos inconscientemente a reproduzir um paradigma de medo, ansiedade e ameaça – os últimos claramente mobilizados de forma hábil pelos movimentos políticos de espectro extremista?

Em tempos de eleições antecipadas, mais do que nunca precisamos nos perguntar: estamos com o nosso trabalho a contribuir para a democracia, a construção de sociedades inclusivas e informadas e a resiliência democrática ou, pelo contrário, estamos contribuindo para o fortalecimento do campo de florescimento de narrativas fáceis, instrumentalizáveis e extremistas? Sugiro a reflexão.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

Professora e investigadora na Universidade de Coimbra

https://www.publico.pt/2023/11/13/opiniao/opiniao/premio-nobel-paz-antonio-costa-ja-2069906

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