segunda-feira, 11 de março de 2024

O desprezível governo PS ou as acrobacias do Costa

quarta-feira, 8 de julho de 2020


Foto de Garry Winogrand (1928-1984)

Como é do conhecimento comum, o PS é catapultado para o governo quando a direita tout court já não consegue governar e/ou quando é necessário aplicar medidas, geralmente medidas de fundo, de carácter estrutural e inevitavelmente impopulares, devido a sua ainda maior base social de apoio; em 2015, tratava-se também da própria sobrevivência do PS, cujo espectro de desaparecimento a breve prazo era anunciado pelo afundamento dos congéneres europeus. Foi graças ao apoio dos dois partidos ditos de “esquerda”, BE e PCP/PEV, que o PS formou governo, ganhou umas eleições legislativa e se mantém ainda no poder, para legislar a favor de Bruxelas e da burguesia nacional.

A recente aprovação do Orçamento Suplementar, com a abstenção activa do PSD, relembrando que o Bloco Central não morreu, apenas se mantém adormecido, assim como do BE e do PAN, mostra que o prazo de validade do governo e do próprio PS ainda não chegou ao fim. Mostra, por outro lado, que o voto contra do PCP não passa de uma habilidade para manter o seu eleitorado, enquanto por detrás do pano mantém o diálogo, ou seja, a colaboração e o apoio activo à política do PS. Ao mesmo tempo, os partidos da ultra-direita marcam o ponto “anti-sistema”, quanto muito anti-regime democracia burguesa, porque este Orçamento, como todos os outros, dá com as duas mãos aos patrões o que rouba com a mão esquerda aos trabalhadores; aqueles poderão ter achado que o bolo que lhes calha é ainda insuficiente, como verberou o chefe da CIP.

Costa, depois de se manifestar satisfeito com o resultado da votação, tem a desfaçatez, como já nos habituou, de afirmar que “este não é um momento para a austeridade”, como o aumento de mais de 100 mil desempregados, em menos de um ano e segundo números oficiais, ou os 1 milhão e 400 mil trabalhadores a receber dois terços do salário durante 4 meses, não seja já por si uma austeridade, e bem grande. O PS, no governo, teve a habilidade de manter a austeridade em banho-maria sem nunca ter acabado com ela, e por uma simples razão, é que não há outra solução para vencer a crise do capitalismo senão apertar a tarracha da exploração; a habilidade consistiu em manter a paz social enquanto as coisas corriam bem, senão seria a revolta de quem trabalha. Agora, com o agudizar da crise, o PS mostra o que sempre defendeu: o grande capital e, em particular, os bancos.

A forma que o governo PS-marca-Costa encontrou para resolver os problemas da TAP e da Efacec, um pouco à semelhança da que foi arranjada para o Novo Banco, mostra mais uma vez, e de forma indisfarçável, que a sua missão é encontrar meios de o capital nunca deixar de se rentabilizar, isto é, sejam sempre garantidos os lucros dos patrões. Na TAP, o Estado entra com os 1200 milhões de euros, com o despedimento de trabalhadores cujo número irá ultrapassar os 3 mil, contando com os que já foram dispensados pelo lay-off, aliás, o que tem sido uma prática habitual neste tipo de reestruturação das empresas; na Efacec, o Estado nacionaliza a parte pertencente a uma empresária cleptocrata (seria um escândalo se o não fizesse) para depois a entregar a outros capitalistas, não importando se são nacionais ou estrangeiros, desde que entrem com o dinheiro e entreguem discretamente a devida comissão a quem por parte do governo intermediou o negócio. Sérgios Monteiros há muitos! 

Tem sido sempre assim, seja em governos PSD ou em governos PS, privatização=corrupção.

O caminho correcto, de um ponto de vista dos interesses dos trabalhadores, dos das empresas em causa e do povo trabalhador português em geral, seria o da nacionalização, sem indemnização, porque os lucros arrecadados pelos accionistas privados para além de ilegítimos já foram mais que suficientes, e sob inteiro controlo dos trabalhadores. Quanto à transportadora aérea nacional, tudo se prepara para ser entregue, mais dia menos dia, à alemã Lufthansa, depois de ser limpa das rotas que dão prejuízo, incluindo as que têm início no Porto, o que tem arreliado a cacicagem do Norte que gostaria andar de avião à custa do Orçamento do Estado, e de outros custos considerados supérfluos, nomeadamente os referentes aos salários dos trabalhadores. Será tempo do governo considerar que o futuro está no transporte ferroviário, que será o transporte por excelência por toda a Eurásia, de mercadorias e de passageiros, por mais económico, seguro e menos poluidor. É tempo de se apostar numa rede ferroviária eficiente e de qualidade, quer interna, inter-regional e suburbana, quer externa, com ligação à Europa e de bitola europeia, para acabar com o constrangimento da bitola espanhola, e fazer com que a economia nacional deixe de ser um prolongamento da economia espanhola (foi interessante ouvir o Costa falar portunhol em Elvas enquanto o seu homólogo falava em castelhano).

O caminho de ferro é fundamental para o desenvolvimento económico de um país e em Portugal nos últimos trinta anos não se fez outra coisa senão destruir as linhas existentes, acabar com as composições, deixou de se investir na manutenção do que existia e muito menos na inovação e na modernização, o aumento dos casos de infectados pelo coronavírus, o aparecimento de novos surtos em Lisboa, é a expressão da falta de qualidade dos nossos transportes ferroviários, e também rodoviários. Estes últimos foram entregues a privados, nacionais e estrangeiros, permitindo o surgimento de novos ricos, como é o caso Humberto Pedrosa (Grupo Barraqueiro/Fertagus), cuja fortuna pessoal começou no tempo do cavaquismo e nunca deixou de aumentar à custa do Estado e durante os governos do PS; foi no governo de PS/Guterres que lhe foi entregue a concessão da exploração do Eixo Ferroviário Norte-Sul da Região de Lisboa por 30 anos. É nesta lógica que temos de ver a solução para a TAP e a contínua degradação do transporte ferroviário.

Ouvir dizer ao ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, que a solução encontrada para a TAP foi a melhor para o país ou que os transportes públicos não são uma das origens do aumento da propagação da covid-19 é ouvir um mentiroso, tal como a ministra da Saúde, que não passa de uma chica-esperta e incompetente e cuja continuação no cargo é já posta em causa pelo dirigente do PS e presidente da Câmara de Lisboa, que vê a coisa mal parada quanto ao turismo neste Verão; e que há muito aqui temos reivindicado a sua demissão, bem como da incompetente Graças Freitas. Mas, diga-se em abono da verdade, ouvir aquelas duas araras a debitar mentiras e atoardas não difere muito de ouvir um primeiro-ministro, em programa humorístico, conduzido pelo novel bobo da corte oficial, afirmar que os antibióticos curam viroses. Aliás, ouvir isto ou ouvir um Trump que a covid-19 se pode tratar com injecções de lixívia não haverá grande diferença, estamos perante duas pessoas ignorantes e muito pouco humildes.

Esta gente não consegue esconder a sua verdadeira natureza, pessoas arrogantes que desprezam o povo, e por vezes, quando se distraem e baixam a guarda, mostram o que na realidade são e o que as faz mover, como diz o povo, a boca foge-lhes para a verdade. Foi revoltante ouvir a uma directora geral da saúde, na habitual homilia diária, tratar os assistentes operacionais, profissionais de saúde insubstituíveis e sem os quais o SNS simplesmente pararia, por “AO's”; o mesmo desprezo, a mesma insanidade, se assistiu quanto às recomendações para a noite de S. João depois de esta ter já passado. Os assistentes operacionais na saúde não são doutores, não têm protagonismo político, são tratados como gente de segunda, exactamente como os trabalhadores que são obrigados todos os dias a utilizar transportes públicos sobrelotados para irem trabalhar em fábricas e empresas, sem condições mínimas de higiene e sem dispor do mais elementar equipamento de protecção. Assim se percebe que os últimos focos da pandemia ocorram em empresas ou nos próprios serviços da administração pública: Sonae/Continente, Pingo Doce, DHL, conserveira Gencoal, S.A em Vila do Conde, Câmara Municipal Lisboa. Só para citar os últimos casos em empresas, porque em lares da terceira idade, a saga do coronavírus continua, espalhando-se agora pelas creches, ou seja, em áreas de protecção social que foram entregues aos privados, cujo móbil é o lucro, pelo Estado/governos que se demitiu das suas responsabilidades e entendeu malbaratar o dinheiro do contribuinte.

Caso curioso, nem as empresas onde ocorreram os surtos foram fechadas pelas autoridades e nem a concentração de convidados na embaixada dos EUA em Lisboa, para comemorar o dia da independência, foi impedida de se realizar pela PSP, apesar de esta estar presente, ao contrário de outras concentrações em festas por parte de pessoas do povo; nem ninguém foi preso, como aconteceu com um elemento do povo em Casal de Cambra, no concelho de Sintra, tendo estado preso durante dois meses por alegadamente ter apedrejado a polícia. E com a agravante é que para a festa dos americanos foram convidados políticos, que tiveram a protecção da PSP; pelos vistos, aqui já não há perigo de contaminação. Ou como vivemos num país com dois pesos e duas medidas e como a repressão é somente para ser exercida sobre os trabalhadores. Patrões, capitalistas, agentes do imperialismo, políticos vendidos, polícias corruptos (“Forças de segurança lideram suspeitas de corrupção na administração central”, título dos jornais) são imunes ao vírus, impunes perante a justiça e livres da repressão do Estado.

O Costa é um habilidoso, gosta de acrobacias no circo, dá ao povo pouco pão e muito circo, mantém-se no poder porque conta com a colaboração de todos os partidos com o traseiro acomodado nos cadeirões de S. Bento, tem todos os órgãos de comunicação ao seu serviço, mas não conseguirá levar a mentira e a prestidigitação por tempo indefinido, tudo tem um fim. E quando os trabalhadores se encontrarem numa situação sem saída à vista, o que forçosamente acontecerá com o agravamento da crise a breve trecho (PIB a encolher mais de 7% no final do ano, desemprego a disparar para o dobro em relação a 2019,dívida pública a ultrapassar os 135% do PIB), irão abrir os olhos, tomar consciência e seguir o caminho da emancipação. A velha toupeira é incansável no seu trabalho e, enquanto isso, sair do euro e da União Europeia não é apenas uma simples reivindicação, é uma necessidade para evitar o desastre e o suicídio colectivo.

Postado por O BÁRBARO às 14:22 
https://cronicasdobarbaro.blogspot.com/2020/07/o-desprezivel-governo-ps-ou-as.html

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