segunda-feira, 9 de setembro de 2024

Domingos Lopes - EPPUR SI MUOVE

* Domingos Lopes

Esta frase é atribuída a Galileu Galilei – E, contudo, move-se – referindo-se ao facto de a Terra girar em torno do sol, o que renegaria, face à Inquisição, para salvar a vida, em 1633, e não esturricar na santa fogueira. O Vaticano admitiu o erro em 1983.

E, contudo, o mundo continua a mover-se. A derrota do comunismo com a implosão da URSS criou do lado capitalista a convicção que os ponteiros da História ficariam um sobre o outro para todo o sempre e a torrente neoliberal seria imparável. Tudo se passaria dentro do novo mundo dominado pela potência vencedora, os EUA. Sob a sua batuta aconteceram as invasões do Afeganistão e do Iraque, os bombardeamentos da Sérvia, a independência do Kosovo, a intervenção na Líbia, o golpe de Estado de 2014 na Ucrânia liderado por Victoria Nuland e que queria que a U.E. se fod—e…

Epurr, no fundo dos fundos, onde se amassam as grandes energias que moldam o mundo, continuavam os movimentos contraditórios de tudo quanto vive. Quando o poder se concentra, logos outros poderes se movimentam por múltiplas razões como é da mais elementar experiência.

A hegemonia dos anos 90 do século passado enfrentava os primeiros sinais de desgaste tanto interno, como no quadro global deste novo mundo, logo nos fins dessa década.

No plano interno, o Ocidente triunfante enfrentava o empobrecimento de camadas da população cada vez mais amplas. Caía o nível de vida. Sucumbia em significativos setores das sociedades a esperança como parte integrante da vida. O futuro iria ser pior que o passado. Medrou a extrema-direita que está no governo ou partilha acordos em quase toda a Europa e ameaça seriamente nos EUA.

Por outro lado, a compressão desta nova ordem gerou aproximações inesperadas há décadas. A grande maioria dos países do Sul e que são a imensa maioria da população mundial, pelas mais diversas razões sentiu o chamamento dos que se organizaram em tornos dos BRICS.

A seta do tempo está a pôr em causa esta nova velha ordem. A China, a Rússia, a India, o Brasil, a África do Sul, o Irão, a Arábia Saudita (quem diria) juntam-se neste terreno para se afirmarem (cada um à sua maneira) que fazem parte do mundo e querem participar no estabelecimento de regras de segurança e cooperação que permitam que todos respirem sem asfixias das organizações internacionais de um mundo inclinado para um lado.

O próprio capitalismo derrotou os propósitos hegemónicos dos EUA, na medida em que as sanções não funcionaram devido ao facto de ser mais forte a pulsão para comprar mais barato do que as sanções impostas pelo Ocidente sem o peso de outrora. A invasão da Ucrânia pela Rússia, segundo os experts ocidentais, seria derrotada no plano económico. E não foi porque ainda há quem se oriente pelos princípios capitalistas originais. Só os serventuários preferiram comprar mais caro e estagnar as suas economias. Tenha-se presente que os EUA com as sanções passaram a ser o primeiro exportador de gás liquefeito a nível mundial. A U.E. paga agora cerca de cinco vezes mais do que pagava.

Nestes embates, agora à superfície, surge o que opõe Israel/EUA/U.E. à luta contra a ocupação israelita dos territórios palestinianos definidos na Resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU. A fórmula de que Israel tem direito a defender-se ,perde todo o sentido quando Netanyahu destrói Gaza ao milímetro com ódio tribal e ordena a execução no Irão do chefe das negociações por parte do Hamas, após a China ter conseguido unir 14 organizações palestinianas. Ordenar o assassínio do negociador, num país terceiro, é uma ação de puro terror. Revela a incapacidade de ganhar a guerra que trava vai fazer um ano em outubro. E também que com Netanyahu não há paz.

Este movimento do mundo traz à tona a natureza das coisas tal como elas são; de um lado Israel com o Ocidente, do outro lado, os palestinianos com a imensa maioria do Mundo.

Epurr, o mundo vai continuar a girar e a mudar o que se torna imperioso mudar. Sucederá o que tiver de suceder, como diria o cego Tirésias na tragédia de Édipo de Sófocles. Netanyahu pode arrasar Gaza, mas o mundo não lhe perdoará, muito menos os palestinianos. Netanyahu sempre que se levantar, verá sangue por todo o lado, já não escapará à sorte que engendrou.

 9 de Agosto de 2024

https://www.publico.pt/2024/08/08/opiniao/opiniao/eppur-muove-2100127#google_vignette
https://ochocalho.com/2024/08/09/eppur-si-muove-2/ 

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