* Ricardo Araújo Pereira
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No Watergate americano, o fundamental era a informação que saía de uma garganta; em Portugal, é a informação que entra noutras
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"A História repete-se, primeiro como tragédia, depois como farsa". Aqui está mais uma frase de Marx que demonstra o modo como, em certos aspectos, o seu pensamento está desactualizado ou incompleto. Marx não soube perceber (mas quem o censura?) que, quando se repete em Portugal, a História volta na forma de um espectáculo que está vários furos acima da farsa - quer em termos de ridículo, quer quanto à riqueza do enredo. O recente caso do Watergate português merece, por isso, ser analisado mais do ponto de vista humorístico que do ponto de vista político. Felizmente, há muito para dizer.
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A primeira grande diferença entre a complexa história de espionagem americana e a nossa soberba comédia talvez seja o facto de, nos Estados Unidos, as escutas existirem mesmo. Parecendo que não, numa história de escutas, isso faz alguma diferença. Em Portugal, até ver, as escutas são imaginárias, o que confere à história este carácter encantadoramente rocambolesco - e muito português: os americanos agem, colocam escutas, espiam mesmo; os portugueses imaginam que estão a ser escutados, fantasiam sobre espionagem, convidam os jornais a efabularem com eles. Nos Estados Unidos, o presidente mandou colocar escutas na sede dos seus adversários políticos e foi apanhado. Demitiu-se. Em Portugal, a fazer fé na imprensa, o presidente mandou publicar uma suspeita acerca de escutas colocadas na sua residência oficial e foi apanhado. Demitiu o assessor de imprensa. Faz sentido. Nos Estados Unidos era a sério. Cá, era a fingir. Não estava a valer.
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Outra diferença importante: nos Estados Unidos, o Garganta Funda era o informador dos repórteres; em Portugal, a profundidade gutural é uma qualidade dos jornalistas, característica aliás fundamental para a capacidade de engolir uma história tão frágil como absurda. No Watergate americano, o fundamental era a informação que saía de uma garganta; em Portugal, é a informação que entra noutras. Nos Estados Unidos, a investigação jornalística foi publicada em livro e ganhou o prémio Pulitzer. Em Portugal, a investigação jornalística não chegou a existir e a única coisa publicada foi um triste e-mail, cheio de erros ortográficos, o que o torna francamente indigno de participar nesta comédia. Não há razão para que os espectáculos cómicos sejam menos bem escritos que os outros. E, quando se colabora com um elemento ligado à Presidência da República para publicar uma história amalucada, deve vigiar-se o português. Se o Presidente leva a sério a defesa da língua portuguesa e o prestígio da CPLP, deve pugnar para que as tentativas de conspiração que o envolvem sejam, ao menos, ortograficamente irrepreensíveis.
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No Watergate americano, o fundamental era a informação que saía de uma garganta; em Portugal, é a informação que entra noutras
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"A História repete-se, primeiro como tragédia, depois como farsa". Aqui está mais uma frase de Marx que demonstra o modo como, em certos aspectos, o seu pensamento está desactualizado ou incompleto. Marx não soube perceber (mas quem o censura?) que, quando se repete em Portugal, a História volta na forma de um espectáculo que está vários furos acima da farsa - quer em termos de ridículo, quer quanto à riqueza do enredo. O recente caso do Watergate português merece, por isso, ser analisado mais do ponto de vista humorístico que do ponto de vista político. Felizmente, há muito para dizer.
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A primeira grande diferença entre a complexa história de espionagem americana e a nossa soberba comédia talvez seja o facto de, nos Estados Unidos, as escutas existirem mesmo. Parecendo que não, numa história de escutas, isso faz alguma diferença. Em Portugal, até ver, as escutas são imaginárias, o que confere à história este carácter encantadoramente rocambolesco - e muito português: os americanos agem, colocam escutas, espiam mesmo; os portugueses imaginam que estão a ser escutados, fantasiam sobre espionagem, convidam os jornais a efabularem com eles. Nos Estados Unidos, o presidente mandou colocar escutas na sede dos seus adversários políticos e foi apanhado. Demitiu-se. Em Portugal, a fazer fé na imprensa, o presidente mandou publicar uma suspeita acerca de escutas colocadas na sua residência oficial e foi apanhado. Demitiu o assessor de imprensa. Faz sentido. Nos Estados Unidos era a sério. Cá, era a fingir. Não estava a valer.
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Outra diferença importante: nos Estados Unidos, o Garganta Funda era o informador dos repórteres; em Portugal, a profundidade gutural é uma qualidade dos jornalistas, característica aliás fundamental para a capacidade de engolir uma história tão frágil como absurda. No Watergate americano, o fundamental era a informação que saía de uma garganta; em Portugal, é a informação que entra noutras. Nos Estados Unidos, a investigação jornalística foi publicada em livro e ganhou o prémio Pulitzer. Em Portugal, a investigação jornalística não chegou a existir e a única coisa publicada foi um triste e-mail, cheio de erros ortográficos, o que o torna francamente indigno de participar nesta comédia. Não há razão para que os espectáculos cómicos sejam menos bem escritos que os outros. E, quando se colabora com um elemento ligado à Presidência da República para publicar uma história amalucada, deve vigiar-se o português. Se o Presidente leva a sério a defesa da língua portuguesa e o prestígio da CPLP, deve pugnar para que as tentativas de conspiração que o envolvem sejam, ao menos, ortograficamente irrepreensíveis.
Ricardo Araújo Pereira
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Enviado por Flor do Deserto (hi5)
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