A decisão do
governo da AD de constituir uma comissão para comemorar os 50 anos do 25 de
Novembro configura mais um capítulo da operação de falsificação e de deturpação
da história, por parte daqueles que nunca se conformaram com a Revolução de
Abril. Na verdade, 50 anos depois aí temos muitos dos herdeiros do regime de
Salazar e Caetano, agora de forma aberta, a animarem as comemorações do 25 de
Novembro, os mesmo que foram objecto das benesses do fascismo, e que são hoje,
no Governo e fora dele, os protagonistas da defesa dos interesses do grande
capital.
A tentativa de
apagar da memória do povo o 25 de Abril e substituí-lo pelo 25 de Novembro está
bem patente nas afirmações do ministro da Defesa Nuno Melo, o homem forte das
comemorações, as quais foi decidido alongar o período das comemorações por mais
cinco meses, até Maio de 2026, para assegurar «que outras datas e
acontecimentos só possíveis porque houve o 25 de Novembro venham a ser
consideradas, como sejam a aprovação da Constituição da República e as eleições
legislativas que deram lugar à primeira legislatura em 25 de Abril de 1976».
Afirmações confirmadas na Resolução do próprio Governo.
Uma subtil mas
pura mentira, considerando que as primeiras eleições legislativas decorrem da
Assembleia Constituinte, realizadas em Abril de 1975, em pleno período
revolucionário, e foram fruto da Revolução de Abril. Eleições que a
contra-revolução quis adiar para impor uma solução referendária
anti-democrática, à laia da Constituição de 1933, elaborada a partir de cima e
sem a participação dos eleitos pelo povo. O objectivo em prolongar até Abril as
reaccionárias comemorações para assinalar as eleições de 1976 anunciadas como
as primeiras, é claro: identificar o processo revolucionário como um período
ditatorial. Exemplo de que o 25 de Novembro não pôs fim ao processo iniciado em
25 de Abril, como pretendiam as forças reaccionárias, foi a aprovação e a entrada
em vigor da Constituição da República, traduzindo, não apenas, o resultado dos
trabalhos da Assembleia Constituinte, mas o resultado da luta do povo português
e das forças revolucionárias.
Daí que a
Constituição da República ainda hoje, apesar de amputada por sucessivas
revisões constitucionais promovidas pelo PS e PSD, continue a manter conteúdos
profundamente progressistas, e por isso a ser o alvo preferencial da direita de
todos os matizes. Os partidos de direita perseguem o objectivo de rever a
Constituição da República, procurando retirar princípios e valores que esta
encerra e atentar contra os direitos nela inscritos, com o supremo objectivo de
consumar a reconfiguração do Estado ao serviço dos interesses do grande capital
nacional e estrangeiro.
O «verão
quente» de 1975, que antecedeu o 25 de Novembro, foi um período caracterizado
por uma profunda crise político-militar, com graves repercussões no plano
económico e social e que, no essencial, resultou da ruptura no campo
democrático, com os dirigentes socialistas a assumirem uma posição de reserva e
oposição à evolução do processo revolucionário e a liderarem um processo de
divisão, quer do movimento democrático quer do movimento popular e sindical em
que a acção provocatória do 1.º de Maio de 1975 é momento marcante. Mas também
pela cisão no MFA, entre o Grupo dos Nove e a Esquerda
militar, que conduziria à desagregação e paralisação das estruturas
superiores do Movimento das Forças Armadas (MFA). Um objectivo há muito
perseguido pelas forças de direita e da social-democracia, do Grupo dos
Nove, mas também de sectores esquerdistas agrupados em torno de Otelo
Saraiva de Carvalho, ao mesmo tempo que a Esquerda militar perdia
posições importantes nos centros de decisão político-militar.
Uma situação
que permitiu que se desenvolvesse um conjunto de acções contra-revolucionárias
na tentativa de inverter o curso da Revolução de Abril, nomeadamente recorrendo
ao terrorismo, de forma organizada, procurando semear a intranquilidade e o
pânico, isolar as forças de esquerda, desestabilizar a situação política e pôr
em causa a própria democracia. Uma acção terrorista que atingiu sobretudo o PCP
e os sindicatos, e de que é impossível desligar, como pretendem alguns, as
acções e iniciativas políticas que caracterizaram o chamado «verão quente» de
1975.
O balanço
destas acções é público e conhecido. Em Julho tiveram lugar 86 actos
terroristas, dos quais 33 assaltos, pilhagens e incêndios de Centros de
Trabalho do PCP e outras 23 tentativas repelidas. Acções acompanhadas do
lançamento de bombas, fogos postos e agressões. Em Agosto, mais de 153 acções,
das quais 82 assaltos e destruições de Centros de Trabalho (55 do PCP e 25 do
MDP/CDE), 39 incêndios, 15 bombas, 23 agressões.
Neste quadro, o
25 de Novembro de 1975 foi o corolário de um longo período de instabilidade, em
que o agravamento da crise político-militar e a ofensiva contra-revolucionária
decorrem em paralelo, nomeadamente com a queda do V Governo Provisório e o afastamento
do general Vasco Gonçalves, também das estruturas superiores das Forças Armadas
e do MFA. O afastamento de Vasco Gonçalves era um objectivo há muito
perseguido, como nos retrata António Avelãs Nunes no seu livro O
Novembro que Abril não merecia: «A pedido do grupo de Melo Antunes,
Carlucci pressionava Costa Gomes no sentido de demitir o V Governo Provisório,
substituindo o Primeiro-Ministro e afastando os comunistas do novo Governo, e
instava os embaixadores da França, RU, e RFA para que também eles pressionassem
Costa Gomes (“temos agora de nos interrogar de que lado está Costa Gomes ou, em
qualquer caso, se ainda vale a pena preservá-lo”)».
Este longo
processo que antecedeu o 25 de Novembro foi também marcado por várias
tentativas e acções contra-revolucionárias, em que se destacam o golpe Palma
Carlos, o 28 de Setembro e o 11 de Março, através das quais os seus autores e
cúmplices as procuraram sempre justificar como sendo respostas a tentativas ou
golpes do PCP. O 25 de Novembro não foi excepção.
Das várias
provocações montadas neste período com o objectivo de responsabilizar os
comunistas e o movimento operário e contra eles atear a ira popular, o assalto
à Embaixada de Espanha é profundamente ilustrativo, enquanto o terrorismo
bombista ganhava também um lugar de destaque, com a activa participação de
militares e políticos, bem como de organizações como o MDLP-Movimento
Democrático de Libertação de Portugal, inspirado e chefiado por Spínola, e o
ELP-Exército de Libertação de Portugal, entre outras organizações terroristas e
contra-revolucionárias que actuavam a partir do estrangeiro, nomeadamente do
Brasil e de Espanha.
O 25 de
Novembro foi sustentado numa grande aliança contra-revolucionária, internamente
muito fragmentada e que contou com o importante contributo de Mário Soares,
principal promotor de uma vergonhosa campanha anti-comunista, realizada na base
da mentira e de processos de intenções irreais, do PS e do Grupo dos
Nove, onde participavam fascistas declarados e outros reaccionários
radicais, cujo objectivo era a instauração de uma nova ditadura, que tomasse
violentas medidas de repressão, nomeadamente, a ilegalização e destruição do
PCP.
A verdade é
que, após o golpe do 25 de Novembro, a rápida tomada de consciência dos
militares democratas dos riscos que a democracia corria, nomeadamente aqueles
que tendo combatido a Esquerda militar não se identificavam
com a direita reaccionária, conduziu à criação de uma nova linha de defesa da
democracia, designadamente no seio das Forças Armadas, e impediu que o 25 de
Novembro liquidasse a revolução portuguesa e as suas conquistas. Importa, a
propósito, relembrar o papel do esquerdismo e de forças como o
MRPP, a AOC ou o PCP(m-l) que se aliaram ao PSD e ao CDS, e acabaram por se
revelar agentes da direita e da extrema-direita, sem esquecer que destes
partidos emergiu um número infindável de figuras, de que Durão Barroso será o
expoente máximo pelos elevados cargos que exerceu no plano nacional e
internacional, mas que se estende por um número infinito de políticos,
jornalistas, «comentadores» e «analistas», que hoje se albergam no bloco
central de interesses e continuam, «coerentemente», anticomunistas e ferozes
defensores do grande capital, que havia sido derrotado no 25 de Abril e no 11
de Março.
O 25 de
Novembro, ao contrário do que muitos dos seus protagonistas disseram e
escreveram e alguns continuam a insinuar, não foi um golpe promovido pelo PCP,
pela Esquerda militar ou pela «ala gonçalvista» do MFA, mas
sim um golpe militar contra-revolucionário, fruto de uma cuidada e longa
preparação, no quadro de um tumultuoso processo de rearrumação de forças no
plano político e militar.
Álvaro Cunhal,
no livro A Verdade e a Mentira na Revolução de Abril (A
contra-revolução confessa-se), explica que, «como a orientação e acção do
PCP e os acontecimentos provassem que não tinha havido nem golpe nem tentativa
de golpe do PCP, inventou-se a tese do "recuo" – a
história de que o PCP, vendo que o seu golpe militar, já desencadeado, iria
falhar, recuou e desistiu do golpe. Essa tese do "recuo do PCP" é
condimentada com uma insultuosa afirmação de Mário Soares: que o PCP teria
lançado o golpe, mas, vendo que ia ser derrotado, deixou no terreno os
esquerdistas "abandonados pelo PC" à sua sorte e à repressão (Maria
João Avillez, Soares. Ditadura e Revolução). Falsidade e calúnia
retomada por Freitas do Amaral (O Antigo Regime e a Revolução).
Explique-se.
Esta invencionice, como argumento, deturpa dois factos reais: Um,
as orientações dadas pela Direcção do PCP na noite de 24 para 25 a algumas das
suas organizações para não se deixarem arrastar em atitudes ou na participação
em aventuras esquerdistas de confronto militar (casos do Forte de Almada e do
RAL1). Outro, uma conversa telefónica na mesma noite de 24 para 25
entre o Presidente da República Costa Gomes e o secretário-geral do PCP, Álvaro
Cunhal, em que este, tendo tomado a iniciativa do contacto, nos termos
habituais da ligação institucional com a Presidência da República, comunicou ao
Presidente, desmentindo especulações em curso, que o PCP não estava envolvido
em qualquer iniciativa de confronto militar e insistia em apontar a necessidade
de uma solução política».
O PCP teve uma
acção incansável no sentido de evitar o confronto, expressa em intervenções do
seu secretário-geral, comunicados da sua Comissão Política e em variados
documentos incluindo no próprio jornal Avante!, apontando uma saída
política para a crise, propondo e concretizando encontros com todos os
sectores, do PS (que recusou) aos agrupamentos esquerdistas, da Esquerda
militar ao Grupo dos Nove e a militares esquerdistas
ligados ao COPCON, embora sem resultados práticos.
Uma proposta
que não obteve respostas, até porque o PS e os seus aliados tinham prosseguido
as encenações e provocações com o objectivo de atingir e responsabilizar o PCP:
primeiro, o caso do jornal República com os trabalhadores a
tomarem posição contra a direcção do jornal e a orientação política por este
seguida, tendo os dirigentes socialistas e os responsáveis do República, como
então afirmou o PCP, «elementos mais do que suficientes para saberem que é uma
calúnia tão torpe como absurda o atribuírem a responsabilidade da posição dos
trabalhadores do jornal ao PCP»; depois, as manifestações no Patriarcado,
resultado de algumas justas reivindicações profissionais do trabalhadores
da Rádio Renascença não terem encontrado, por parte da
hierarquia da Igreja, qualquer perspectiva de solução, com os comunistas a
condenarem «todos os actos e atitudes que representam uma ofensa aos
sentimentos religiosos do nosso povo». Na altura, o PCP sublinhou ainda «que
sempre tem defendido e continua a defender a liberdade religiosa» sem, contudo,
deixar de registar com preocupação uma nota pastoral dos Bispos, considerando-a
uma «clara intromissão negativa na actual situação política, o que só poderá
agudizar as dificuldades existentes».
Os
acontecimentos do 25 de Novembro, porventura, nunca teriam acontecido se os
golpistas liderados por Spínola não tivessem sido derrotados em 11 de Março,
uma derrota que originou a imediata tomada de decisões históricas como a
institucionalização do Movimento das Forças Armadas (MFA), a extinção da Junta
de Salvação Nacional e do Conselho de Estado, a criação do Conselho da
Revolução, a nacionalização da banca, dos seguros e de empresas como a TAP, a
CP, a CIDLA, a SACOR, e ainda o aumento do Salário Mínimo Nacional para quatro
mil escudos. A democracia portuguesa escolhe o rumo do socialismo.
Após a derrota
do golpe de 11 de Março, em «meados de Julho» de 1975, como nos relata o
insuspeito historiador José Freire Antunes (antigo deputado e dirigente do
PPD/PSD) no livro O segredo do 25 de Novembro, o então major
Ramalho Eanes, usando o nome de «João Silva», faz um contacto telefónico com o
tenente-coronel Tomé Pinto, que se encontrava na 2.ª repartição do Estado-Maior
do Exército. Era o pontapé de saída para a constituição do «Grupo Militar» que haveria
de promover o golpe do 25 de Novembro.
Curiosamente, o
mesmo Tomé Pinto, agora tenente-general na reforma, foi escolhido por
Nuno Melo para presidir à comissão das comemorações dos 50
anos do 25 de Novembro.
O golpe do 25
de Novembro significou a criação de uma nova situação política, uma viragem à
direita na vida nacional, mas os mais ambiciosos objectivos
contra-revolucionários foram derrotados. A força e a dinâmica do movimento
operário e popular e a intervenção esclarecida do PCP foram factores
determinantes para a contenção do golpe. Em lugar de reprimido e ilegalizado, o
PCP continuou no Governo e a reforçar a sua influência social e política. A
aprovação da Constituição e a sua entrada em vigor constituiu um factor de
primeiro plano para travar os planos golpistas. Será com a formação do primeiro
governo constitucional do PS sozinho, mas de facto aliado à direita, que se
virá a institucionalizar o processo contra-revolucionário.
Revolução de Abril, Edição Nº 399 - Nov/Dez 2025
https://omilitante.pcp.pt/pt/399/447/2218/Os-revanchistas-de-Novembro-de-1975.htm?
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