UMA QUISSAMA
(A CARLOS D'ALMEIDA)
Em manhã fria, nevada,
n'essas manhãs de cacimbo
em que uma alma penada
não se lembra de ir ao limbo;
eu vi formosa, correcta,
não sendo europeia dama
a mais sedutora preta
das regiões da Quissama.
Mal quinze anos contava
e no seu todo brilhava
o ar mais doce e gentil!
Tinha das mulheres lindas
as graças belas, inAindas,
d'encantos, encantos mil!...
Nos lábios — posto que escuros
viam-se-lhe risos puros
em borbotões assomar...
Tinha nos olhos divinos
revérberos cristalinos
... e fulgores... de matar!...
Radiava-lhe na fronte
como em límpido horizonte
radia mimosa luz —
da virgem casta a candura
que soe dar a formosura
a graça que brota a Alux!...
Embora azeitados panos,
lhe cobrisse os lácteos pomos
denunciavam os arcanos
de dois torneados gomos...
Da cintura a palmo e meio,
bem tecidinho, redondo,
descia-lhe em doce enleio
um envoltório de hondo.*
Viam-se-lhe a descoberto
— com arte bem modeladas —
(e que eu mirava de perto)
umas formas cinzeladas.
*Hondo, 4ibra d´embondeiro
de que os quissamas fazem vestuário
IDEAL
Nos meus sonhos de rapaz,
de várias cores douradas,
em que os entes adorados
nada pareciam ter
de terreno e mundanal,
eu, um diferente ideal
julgava achar na mulher!
Nas áureas regiões do belo
onde, louco, divaguei
desse ideal em procura,
nada de estranho encontrei!
Em vão pedi à poesia
a sua melhor Aicção:
era tudo fantasia,
era tudo uma ilusão!...
Simples e doida quimera
que afaga e nos doira a mente,
eis a incoercível imagem,
que embora, às vezes perfeita,
muita vez vemos luzente
e pouco depois desfeita!...
JOAQUIM DIAS CORDEIRO DA MATA Icolo e Bengo, 1857 – Barra do Cuanza, 1894. Poeta e ficcionista. Nunca frequentou escola alguma de nível secundário, mas tornou-se um auto-didacta em vários ramos da cultura. Entre as suas obras de carácter literário destacam-se “Delírios (1889)” (poesia) e “Filoso4ia popular em provérbios angolenses”. Estudou a cultura do povo Kimbundu, tendo publicado um dicionário kimbundu-português.
Cultura | 16 a 29 de Abril de 2012
http://imgs.sapo.pt/jornalcultura/content/files/cultura_ii.pdf
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