quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Vladimir Putin - Sobre a OME na Ucrânia (2022)


+ Vladimir Putin

Nunca quis uma guerra e nunca comecei.

O que estamos a fazer não é guerra.

Eu lancei uma operação militar para salvar o meu povo de fascistas neonazis que há anos matam pessoas pacíficas e inocentes, russos e não só russos na Ucrânia eu lancei uma operação militar para defender o meu país das bases da NATO.

Comecei uma operação militar para parar a nova ordem mundial porque esta ordem é contra a humanidade.

Se eu começasse uma guerra tudo pareceria diferente, estou a dizer-te!

A Rússia vai usar todas as armas, fundos, só se for atacada por um ataque nuclear e espero que o mundo não pague pela Ucrânia ou melhor pelo fascismo na Ucrânia.

Guerra nuclear significa o fim do mundo e eu não quero isso.

Zelensky convoca a NATO para uma guerra nuclear e espero que eles não cometam um erro tão grande porque colocam em risco a segurança do mundo. Suas armas nucleares mesmo que sejam dirigidas a nós, o mundo inteiro pagará porque as armas nucleares não caem num só lugar e 15 armas nucleares são suficientes para destruir a terra.

É impossível viver neste planeta. Eu não quero uma guerra, e como eu não tenho uma guerra, eu lancei uma operação militar!

Quero um mundo bondoso onde as pessoas possam ser pessoas, quero um mundo puro de pessoas de fé, quero um mundo sem fascismo.

Quero beber água limpa e respirar ar puro.

Se o que eu comecei na Ucrânia fosse uma guerra, não restaria nada da Ucrânia. Protegemos e preservamos os pacíficos, inocentes e civis. Guerra é quando civis, inocentes, paz não são protegidos, guerra é o que a NATO faz em todo o mundo. A Rússia na sua história sempre lutou para salvar vidas.

Muitas pessoas no mundo hoje culpam a Rússia e a mim simplesmente porque muitas pessoas não sabem nada, e a propaganda contra nós é bem enorme, mas eu sei que hoje amanhã ou um dia o mundo vai entender.

Muitos no mundo não sabem que há anos os fascistas ucranianos preparam uma guerra contra a Rússia e atrocidades contra os russos e outras nações, mesmo contra os seus. Durante anos e anos..

O que faria outro país, não sei, mas nós somos a Rússia, e sempre nos protegemos, ao nosso país e ao povo, até ao mundo e claro que já nos provamos muitas vezes na história do mundo.

Eles vão entender porque existe essa guerra e qual é o propósito, tudo tem seu tempo.

Claro que continuam a dizer que a Rússia vai perder, mas como é possível um cenário destes? Não temos oportunidades a perder quando se trata de nós mesmos e da nossa segurança.

Se eu não tivesse começado uma operação militar, a 3a Guerra Mundial teria começado.

Ucrânia, o governo ucraniano ameaça a nossa segurança, e nós temos o dever de nos defender. Se espera que reajamos quando ameaçam a Rússia, não conhece a Rússia.

Eu não quero uma guerra com a NATO UE e a Ucrânia vamos salvar o nosso país e o nosso povo isto não é uma guerra. Isto é a salvação.

Quando se trata de escalada, estamos prontos para as nossas respostas no caso de outras partes intervirem e começarem uma guerra contra nós, e a nossa resposta será relâmpago e destrutiva.

Quando o assunto é grandes, fortes, como as armas nucleares, saliento que a Rússia tem muitas armas fortes, mas espero que não as usemos para a estupidez da Europa e da NATO.

A guerra moderna contra a Rússia não pode ser ganha no campo de batalha. Seja nosso amigo e não existe melhor amigo do que a Rússia para um país e para uma pessoa.

E este é o comentário da mulher russa👇

"Por que estou chorando? "Porque estou feliz, feliz por salvar o nosso país e o nosso povo, e o que farias no meu lugar, problema é teu.

Sim, o que está a acontecer na Ucrânia é uma tragédia, mas a Rússia não tem culpa desta tragédia porque outros começaram uma guerra contra nós e nós nos defendemos.

E com minha alegria e honra, a Rússia sempre defendeu seus cidadãos, o País e os interesses nacionais. Nunca vamos parar de nos defender.

E não vou comentar essas palavras porque sei que a maioria dos russos pensa e considera da mesma forma...


quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Helder Moura - (560) A apropriação do ciclo do caranguejo

  •  hélder moura
  •  03.12.25

Estes ciclos biológicos há muito que são do conhecimento e prática dos nossos mandantes como forma de conservar o poder.

É preciso mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma, C. Malaparte.

A Polícia de Cincinnati afirma que até ao final deste ano, 90% de todas as ocorrências serão primeiro atendidas por um drone.

Não nos vamos espantar quando virmos os novos drones para ambientes interiores a percorrer as nossas casas.

Em 1935, o médico, geógrafo e cientista social brasileiro Josué de Castro, publica O Ciclo do Caranguejo, onde descreve a vida de extrema pobreza de famílias que vivem num mangue da cidade do Recife, em que não tendo mais nada para comer que caranguejos aí apanhados que lhes provocam diarreia que acaba servindo para alimentar outros caranguejos que por sua vez vão servir para alimentar as famílias, num ciclo de interdependência que constitui o ecossistema do mangue.

Estes ciclos biológicos há muito que são do conhecimento e pratica dos nossos mandantes como forma de conservar o poder. Veja-se, por exemplo, o que se passa na educação, nos serviços de saúde, nas polícias, etc.: não se dão condições aos serviços para funcionarem, incentiva-se a insatisfação, propõe-se então a solução desejada, deixam de mostrar as manifestações de insatisfação, o sistema continua a funcionar.

Como variante, Estes ciclos biológicos há muito que são do conhecimento e pratica dos nossos mandantes como forma de conservar o poder.. Por exemplo, convencem-nos que é uma poupança económica dotar as forças de polícia com armamento do exército, e nós acreditamos, esquecendo que a utilização de novos armamentos e proteções implica sempre a adoção das táticas que lhes vêm associadas.

Skydio é uma empresa americana fundada em 2014 que em poucos anos passou de uma relativa obscuridade para a maior fabricante de drones nos EUA. Os seus drones quadricópteros com IA, povoam hoje os céus das cidades americanas.

De acordo com uma pesquisa efetuada por Nate Bear, nos últimos 18 meses quase todas as grandes cidades americanas assinaram contratos com a Skydio, incluindo Boston, Chicago, Filadélfia, San Diego, Cleveland e Jacksonville. Atualmente, a empresa tem contratos com mais de 800 agências de segurança em todo o país.

Os seus drones têm estado a ser utilizados pelos departamentos de polícia municipais e outros organismos (como Universidades), para recolherem informações em protestos, ajuntamentos e outros.

 Em Atlanta, a empresa fez uma parceria com a Fundação da Polícia para instalar uma estação permanente de drones dentro do Centro de Formação de Segurança Pública de Atlanta. Detroit, gastou recentemente quase 300 mil dólares na aquisição de catorze drones, de acordo com um relatório de compras da cidade. A Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA também comprou trinta e três drones capazes de rastrearem e perseguirem automaticamente um alvo.

Um porta-voz da polícia de Nova Iorque, que foi uma das primeiras a adotar os drones Skydio, declarou recentemente a um site de notícias que o Departamento de Polícia de Nova Iorque (NYPD) realizou mais de 20.000 voos em menos de um ano com 41 drones, o que significa que os drones são lançados pela cidade 55 vezes por dia.

O sistema de IA por detrás destes drones é alimentado por chips da Nvidia que permitem a sua operação sem um operador humano. Possuem câmaras de imagem térmica e podem operar em locais onde o GPS não funciona. Também reconstroem edifícios e outras infraestruturas em 3D e podem voar a mais de 48 quilómetros por hora.

Antes de março deste ano, as regras da FAA determinavam que os drones só podiam ser utilizados pelas forças de segurança dos EUA se o operador mantivesse o drone à vista. Também não podiam ser usados ​​sobre ruas movimentadas da cidade.

Mas, uma isenção da FAA emitida nesse mês, veio permitir que a polícia e as agências de segurança operassem drones para além da linha de visão e sobre grandes multidões. Sem a necessidade de ver o drone, e com os drones livres para sobrevoarem as ruas da cidade, a polícia está cada vez mais a enviar drones em vez de polícias para atender ocorrências e para fins de investigação mais abrangentes. Cincinnati, por exemplo, afirma que até ao final deste ano, 90% de todas as ocorrências serão atendidas primeiro por um drone.

Esta ampla cobertura é possível devido à plataforma de acoplamento da Skydio. Estas plataformas estão posicionadas em locais estratégicos da cidade, permitindo que os drones sejam carregados, lançados e aterrem remotamente a muitos quilómetros de distância das sedes da polícia. Após o lançamento, todas as informações recolhidas durante os voos são guardadas num cartão SD interno e enviadas automaticamente para um software específico configurado para uso policial.

 Este software é desenvolvido pela Axon, um dos principais financiadores da Skydio, e permite, segundo um comunicado de imprensa da Axon, "o envio automático de fotografias e vídeos captados por drones para um sistema digital de gestão de provas".

Acontece que a Skydio é também um grande fornecedor do Departamento de Defesa, tendo assinado recentemente um contrato para fornecer drones de reconhecimento ao Exército dos EUA. Como fornecedor significativo tanto para as forças militares como para as forças de segurança civis, isto tem levantado algumas velhas questões (sempre atuais) sobre quais são ou serão as informações partilhadas entre os militares dos EUA e as agências de segurança interna através do sistema de gestão de provas digitais da Skydio-Axon.

Se nos lembrarmos que os conflitos são sempre os grandes laboratórios para o desenvolvimento das novas tecnologias de vigilância, onde elas são testadas, e se verificarmos que neste caso da Skydio ela captou centenas de milhões de dólares de capitalistas de risco israelo-americanos bem como de fundos de capital de risco com amplos investimentos em Israel, incluindo a empresa de Marc Andreessen, a Andreessen Horowitz, e que as Forças de Defesa de Israel (IDF) têm intensivamente usado os seus drones, não nos iremos espantar quando para o próximo ano virmos novos  drones para ambientes interiores a percorrer as casas das cidades americanas (e não só).

Tudo, evidentemente, a Bem da Nação.

https://otempoemquevivemosotempoemquevivemos.blogs.sapo.pt/

Raul Luis Cunha - Apelo a Greve Geral



*  Raul Luis Cunha

Caros Amigos,

Este texto é apresentado por força de estar anunciada uma próxima greve geral dos trabalhadores portugueses, a qual já está a ser criticada e mimoseada com os piores epítetos pelos saudosistas do anterior regime, malandragem e carpideiras do costume. Assim e porque a minha condição de militar reformado não me permite aderir, aqui manifesto deste modo a minha solidariedade com os grevistas porque creio que todos nós desejamos um Portugal melhor, porque também não queremos ter vergonha do nosso País e porque estou convicto que não queremos que nos afundem na barbárie e no fascismo.

Temos de fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para não comprometer o futuro de Portugal, porque o presente e o passado recente não podem ser mudados com novas leis iníquas, por mais que haja alguns para quem isso não esteja bem claro. E, embora os Militares de Abril antifascistas tenham escrito os capítulos mais importantes desse passado recente, temos agora de nos recusar a ficar reféns daqueles para quem a saudade do Estado Novo nunca acaba. Hoje, cinquenta e um anos após o 25 de Abril estamos quase a ficar reféns dos que verdadeiramente odeiam a nossa Pátria e que aproveitam as crises sociais, para semear o ódio e pregar mentiras e falácias – arruaceiros e vendidos que estão a exercer esse mister criminoso.

Temos presente todos aqueles que ainda defendem a nossa Pátria das falsidades com as sua ações – operários, comerciantes, agricultores, artistas, comentadores, intelectuais, escritores, cientistas, militares e jornalistas, que os neofascistas querem mandar para o exílio e/ou transformá-los em marginais no seu próprio País; fazemos parte da cultura viva deste país, somos a herança do século XXI. E ninguém tem o direito de nos dizer que não temos a razão e a justiça do nosso lado.

Nenhum de nós escolheu os seus antepassados, mas escolhemos quem fomos, somos e seremos. Os filhos e netos não são culpados nem obrigados a continuar as ações dos seus antepassados, mas todos somos extremamente responsáveis pelas nossas ações de hoje. Assim, é de assinalar e louvar todas as mães e pais que ensinaram os seus filhos a não dividir e odiar as pessoas com base na origem, religião, etnia, cor da pele ou orientação sexual. Quem assim fez concedeu aos seus filhos o melhor dos sentimentos – o respeito pelo próximo. Pelo menos, esses descendentes não vão aterrorizar, intimidar e agredir os seus pares só porque são diferentes deles.

Saudamos a todos os cidadãos deste país que não são culpados nem podem ser condicionados nos seus destinos e que sentem o que significa ser membro de uma qualquer minoria nacional; os cidadãos portugueses de raça negra ou ciganos que alguns desejam proibir de respirar. Este país tem tanto orgulho de Eusébio e Quaresma, como de vários outros atletas, artistas e cientistas portugueses de outras raças. Vós sois nossos amigos, vizinhos, colegas e parentes e nós não desistimos de vocês! Vós sois Portugal!

Alguns portugueses, de mau carácter, reclamam que as minorias nacionais e os migrantes ainda mais pobres não querem trabalhar e só vivem das ajudas do estado, mas a realidade é que a maioria deles fica com os empregos que aqueles rejeitam por serem menos dignos e que, graças a eles, as nossas ruas e casas são limpas, a comida e géneros nos são trazidos, nos transportam onde pedimos, etc. e assim contribuem para o nosso bem-estar e para o orçamento nacional.

Não são as minorias nacionais nem os migrantes que nos tornam pobres, mas sim os maus e venais políticos neoliberais e neofascistas e os criminosos empresários ao serviço dos grandes grupos económicos, numa busca incessante de prebendas, regalias e riquezas imerecidas. Veja-se a miserável lei que gerou a revolta de quase todos os trabalhadores e levou a esta greve geral. A nossa sociedade deveria responsabilizar esses políticos pois eles é que são os verdadeiros culpados pelas condições em que estamos a viver agora e que eles querem agravar. Deveriam ser penalizados fortemente em próximas eleições, já que em termos criminais conseguem ficar isentos, devido às muitas deficiências de um sistema judicial lento e tolhido pela prática malévola de alguns dos seus agentes. 

Nós apenas queremos viver em paz e liberdade em vez de conflitos, insegurança e agitação permanentes na sociedade: e a segurança no trabalho, o conforto, a paz e a liberdade não devem ser um privilégio para alguns escolhidos.

Não ficaremos calados enquanto houver desigualdades e injustiças a serem cometidas no nosso país pelos corruptos e criminosos neoliberais e neofascistas. Não ficaremos em silêncio enquanto houver a possibilidade de falar e escrever, e se não houver, iremos inventá-la. Não serão necessárias grandes frases e tiradas brilhantes para esse efeito, apenas uma pena afiada, honestidade e nada temer!

Para terminar, deixo-vos com o conhecido poema de Bertold Brecht, que nos adverte sobre o que acontece a quem fica em silêncio:

Primeiro levaram os negros.
mas não me importei com isso. Eu não era negro.
Em seguida levaram alguns operários.
mas não me importei com isso. Eu também não era operário.
Depois prenderam os miseráveis.
mas não me importei com isso. Porque eu não sou miserável.
Depois agarraram uns desempregados.
mas como tenho o meu emprego, também não me importei.
Agora estão a levar-me.
mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém, ninguém se importa comigo.

2025 12 03


2025 12 03https://www.facebook.com/rauliscunha/posts 

terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Tiago Franco, - UMA SAFRA DE FILHOS DA P*TA |

* Tiago Franco

O dia já estava destinado a ser mau e portanto, comecamos logo pelo título a mostrar a paciência que vai embrulhada na escrita. Já lá vão 5 dias desde que deu à costa a operação "safra justa", um esquema de escravatura levado a cabo no Alentejo (Beja), controlado por 10 GNRs e 1 PSP, num conjunto de herdades agrícolas que, aparentemente, não pertencem a ninguém. Há várias reflexões que me parecem interessantes tirar daqui. Algumas óbvias, outras nem tanto.

1 - Quem são os donos das herdades? Estão presos? 

2 - Percebem, através de casos como este (já nao é o primeiro), como o discurso de ódio contra imigrantes os deixa mais vulneráveis e sujeitos a estas redes de escravatura? 

3 - O Chega fez dos imigrantes o seu alvo favorito nos últimos 2 anos. As forças policiais são, entre os vários sectores profissionais, aquele em que o Chega tem melhor penetração de quadros. Conseguem perceber o sentimento de impunidade e libertação de consciência que isso assegura, no tratamento com imigrantes, de alguns elementos das forças de segurança?

4 - Tem sido tema dos debates presidenciais que 40% do trabalho no sector agrícola é garantido por mão de obra imigrante. Muita dela em regime de pura exploração. Sabendo que Portugal precisa de mão de obra e que o governo de extrema-direita vai dificultar a entrada de imigrantes, todos percebemos o que vai acontecer, não é? As redes clandestinas vão aumentar porque, havendo a necessidade económica de ter o trabalhador, certamente o tráfico se encarregará de o fazer chegar ao seu destino.

5 - Há alguém, entre os "portugueses de bem", que veja os imigrantes a serem tratados como escravos, odiados, enquanto pagam impostos (de uma forma geral) e aguentam a segurança social, e no fim, se sinta ligeiramente envergonhado? Há algum apoiante do Chega que veja um caso destes e perceba a quantidade de tangas que lhe dizem diariamente no tik-tok?

6 - Por fim, há algum jornalista que tenha o Cotrim por perto e lhe possa pedir para repetir aquela frase, icónica, de que "os empresários portugueses não pagam mal por desporto"? 

Não é por desporto, não. É mesmo por crueldade e uma ganância sem limites. Que absoluta vergonha que sinto a ler sobre casos de escravatura, no meu país, em pleno século XXI. Que puta de injustiça na forma de tratar outro ser humano.

Dito isto, quero apenas perceber duas coisas. O tempo que o ministério público demorará a formalizar uma acusação aos donos das herdades e, que reação oficial terá o Chega, o partido incitador do ódio contra os imigrantes.

Portugal torna-se, a cada dia que passa, um local menos recomendável. Isto sim, é que é uma vergonha.

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Ps - 1000 comentários depois, algumas centenas da ganadaria, resolvi dar aqui uma ajuda na compreensão de textos. Não está escrito em lado nenhum que o mau trato a imigrantes começou com o Chega ou que não havia abusos na agricultura antes de 2019. O que se tenta explicar (talvez eu deva começar a usar desenhos), é que o incitamento ao ódio que é todo o programa eleitoral do Chega, deixa imigrantes, já de si em situações problemáticas, ainda mais vulneráveis. Há hoje em dia uma espécie de carta branca na sociedade para se odiar imigrantes ou ser racista sem complexos.

2025 12 02

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João Costa - Três Joanas Gorjão Henriques para cada Ventura



* João Costa

Professor universitário, ex-ministro da Educação

Não precisamos de nenhum Salazar, mas precisamos de muitos jornalistas como a Joana Gorjão Henriques. Que sai da espuma dos dias para investigar e mostrar o que não vemos nas bolhas do privilégio em que estamos. Que sabe onde estão os imigrantes todos os dias. São os que cuidam de nós
Tive a oportunidade de ver esta semana o documentário Racismo. Uma descolonização em cursode Joana Gorjão Henriques e Mariana Godet. Recomendo vivamente a todos os que procuram perceber o fenómeno do racismo em Portugal. Aprendi, espantei-me sem me surpreender e comovi-me. Sobretudo, vi novas portas abertas para percebermos o racismo num país em que ele sempre existiu, mas que agora o encontra legitimado no discurso político.

Este documentário mostra a realidade dos últimos anos do colonialismo português, como era a relação entre brancos e negros, tendo eu encontrado o seu máximo valor nas entrevistas feitas a quem cresceu em África e percebeu, mais tarde, a banalização da discriminação que não via em criança.

Os negros era menos pessoas e ninguém achava estranho. Os negros viviam em condições sub-humanas e isso não era questionado. Na casa dos patrões, mas sem direito a cama. A cuidar das crianças dos brancos, mas sem poderem ter as suas. Eram vistos como seres menores, que serviam para servir. As mulheres podiam ser usadas, apenas porque eram negras, podendo ser violadas de formas que não se admitiam possíveis nem legítimas fossem elas brancas.

Impressiona ouvir o relato de uma das entrevistadas, que tem hoje a consciência de que, ao vir a Portugal, advogava valores certos, mas ao regressar a África assumia de novo a normalidade do mal. Porque lá era simplesmente assim.

Este é um documentário sobre a banalização do mal. Não há culpas nos que cresceram assim e só muito mais tarde perceberam que esse “assim” não tinha razão de ser e era iníquo. Há, porém, muitas culpas em quem fomentou e alimentou este regime para lá de todos os tempos em que o colonialismo já tinha sido identificado como inaceitável por todo o mundo. As colónias alimentavam os vícios de uma metrópole em que a ditadura se prolongava, alimentada pela exploração de partes do mundo, com o dinheiro de formas não oficiais de escravatura e com esquemas de corrupção escondidos para sustentar o status quo político e social. O mal banaliza-se quando nem sequer é questionado, como este documentário tão bem mostra. O outro estava lá para servir e os seus direitos não existiam. Os poucos direitos que conseguiam ter eram vistos como um favor daqueles que eram servidos. Não questionar a igualdade de direitos, porque se considera que o outro é diferente, é viver na bolha da indiferença.

Joana Gorjão Henriques e Mariana Godet instam-nos a refletir sobre este passado para percebermos o presente assustador para que nos precipitam. São demasiados assuntos não resolvidos e feridas que não sararam. A fuga dos brancos, deixando para trás o que era seu, foi associada, explícita ou implicitamente, a uma apropriação dos seus direitos por aqueles que se habituaram a ver como não os tendo. Muitos dos que chegaram e foram alvo de ódio canalizaram a sua frustração para aqueles que ficaram nos seus lugares e que não eram vistos como iguais. O ressentimento veio nas malas e nunca foi desempacotado. Há uma aceitação da superioridade de uns sobre os outros, que nunca foi superada, ainda que tenha ficado em modo mais ou menos latente durante algumas décadas.

Cresci a ver racismo por todo o lado. Sobretudo entre os utilizadores frequentes da adversativa. “Não sou racista, mas…”. O que não era racista, mas não gostava que a filha namorasse com um negro. O que não era racista, mas achava que eles não “falavam bem” O que não era racista, mas preferia não morar no mesmo prédio que os outros. Estes “mas” não foram suficientemente observados nem escrutinados e vivemos demasiado tempo na ilusão de que não havia um problema estrutural a tratar no nosso país. Joana Gorjão Henriques e Mariana Godet desmontam bem as narrativas que ainda invadem a forma como aprendemos história de Portugal. Onde está o colonialismo fofinho português nos relatos da escravatura recente do trabalho não pago, nas fotos que se tiram com o direito a tocar no peito das mulheres negras ou no recrutamento de trabalhadores forçados a deixar as suas famílias? Entender que tudo não passou de uma narrativa montada, e ainda alimentada, é fundamental para percebermos o recrudescimento da violência racial. Convencemo-nos que éramos bons, por isso não podemos acreditar que ainda hoje podemos viver a herança dos sentimentos maus fomentados.

Hoje interessa à extrema-direita alimentar o ressentimento e o ódio. Encontrar novos e velhos culpados por tudo o que nos corre mal. Oportunistas e cobardes, atacam os que já são mais vulneráveis. André Ventura quer expulsar os imigrantes, mas fica atrapalhado quando se lhe pergunta por que motivo não fala sobre os milionários extrativistas. Não fala porque não lhe convém, porque sabe que é mais fácil construir em cima de ódios reprimidos. O Chega pede três Salazares para “pôr ordem” em Portugal. Mente sobre o passado para iludir sobre o presente e reza para que ninguém veja estes documentários, que mostram os discursos sinistros e enganadores do próprio Salazar, a negar as evidências, corrupto, a mentir sobre o que se passava em África.

Não precisamos de nenhum Salazar, mas precisamos de muitos jornalistas como a Joana Gorjão Henriques. Que sai da espuma dos dias para investigar e mostrar o que não vemos nas bolhas do privilégio em que estamos. Que sabe onde estão os imigrantes todos os dias. São os que cuidam de nós. Os que já se foram embora quando chegamos aos nossos locais de trabalho e fizeram tudo o que nenhum português quer fazer. Andam nos transportes em sentido contrário e não têm direito de ver os seus filhos acordar, porque ainda não chegaram a casa. Para cada entrevista a André Ventura, façam duas entrevistas às vítimas do seu racismo. Hoje como ontem, começa-se a encolher os ombros a cada disparate dito pelos amigos do Chega, como se fosse apenas mais um. O problema é que, de cada vez que encolhemos os ombros, voltamos a banalizar este ódio pela cor da pele do outro.

Para cada Ventura, três Joanas, porque três Venturas não valem um terço de Joana. Para pôr ordem neste mal, para nos lembrar que é pela informação e pelo conhecimento que vamos. Levem documentários como este às escolas e ajudem os mais jovens a perceber a diferença entre a profundidade da investigação e a boçalidade irresponsável dos tik-tok da extrema-direita.
 2025 12 02

https://expresso.pt/opiniao/2025-12-02-tres-joanas-gorjao-henriques-para-cada-ventura-60cb83a5

Rui Pereira - O CANTO DA SEREIA LIBERAL E OS PUXADORES DE CARROÇA


Publicação de Rui Pereira


2025 12 01

Quando a 18 de novembro deste ano (2025) Miguel Maya, presidente do BPI, reivindicou maior liberdade para despedir, alegou que “há muita gente nas empresas que não puxa a carroça" [1]. Outros banqueiros disseram coisas parecidas, num seminário promovido pela sua imprensa, Jornal de Negócios, sob o título, “A Banca do Futuro”.

Pela mesma altura em que o banqueiro tratava os trabalhadores como bestas de carga, e igualmente embalado pelo extremismo da direitização da vida política do país, o candidato “liberal” a PR, João Cotrim de Figueiredo, em diálogo na CNN com os comentadores residentes da estação, Pedro Costa e Francisco Rodrigues dos Santos, defendeu, por exemplo e sem se rir, que uma maior liberdade de despedimentos produz uma melhoria do nível salarial.

Já em debate com o candidato comunista, António Filipe, o “liberal” Cotrim de Figueiredo meteu a viola no saco e, escandalizando os mais hardcore defensores da selvajaria neoliberal em Portugal, recuou em toda a sua linha habitual de argumentação “liberal”. Quem duvidar volte atrás, como eu fiz, e veja a emissão, incluída a reação de Miguel Pinheiro (ex- O Diabo e hoje diretor executivo do “Observador) que, sobressaltado de indignação, sublinhou como o Papa liberal “concordou com o PCP”, rematando com um eloquente “quero lá saber do Cotrim de Figueiredo”, entre outros mimos com que lhe atribuiu uma copiosa “derrota” no debate com Filipe.

Tem e não tem razão, Miguel Pinheiro. Tem razão, Miguel Pinheiro, do seu ponto de vista de propagandista cujo salário lhe é pago pelos seus patrões liberais, independentemente de “O Observador” dar lucro ou prejuízo, porque o seu negócio é outro. Não tem razão Miguel Pinheiro do ponto de vista de quem tem de, árdua e mentirosamente, ganhar os votos que asseguram eleitoralmente o sistema que permite aos patrões de Miguel Pinheiro pagarem-lhe o ordenado, como é o caso, entre outros, de João Cotrim de Figueiredo.

O motivo é simples. É que tanto nos nossos dias como historicamente, o liberalismo podia inspirar qualquer história do tipo “A Bela e o Monstro”, sendo a primeira a doutrina e o segundo a sua prática. Profundamente antidemocrático (ver de Benjamin Constant “A liberdade dos antigos comparada à dos modernos”, de 1819, ou o Alexandre Herculano, que bem se proclamava “liberal dos quatro costados e antidemocrata" [2]), o liberalismo nunca passou de uma cobertura lírico-doutrinária para sustentar, ocultando-as, as novas e tremendas modalidades de exploração do trabalho pelo capital industrial primeiro e industrial-tecno-financeiro por fim.

Da “mão invisível” de Adam Smith, na Teoria dos Sentimentos Morais (de 1759) à regra de não intervenção estatal na fixação dos salários, de David Ricardo, passando pelo John Locke do Relatório para a Comissão do Comércio de 1699 em que prescrevia que “os vagabundos válidos de 14 a 50 anos apanhados a pedir deveriam ser condenados a servir três anos na Frota, para os que vivem nos condados junto ao mar, ou a trabalhar três anos na workhouse, para os restantes” e que “os pedintes com menos de 14 anos deviam ser chicoteados e colocados numa escola de trabalho” [3], todos estes dispensam o mal-amado liberal e melhor-esquecido reverendo Malthus, para quem “um homem que nasceu num mundo já partilhado, se não pode obter dos seus pais a subsistência que justamente lhes pode pedir, e se a sociedade não tem necessidade do seu trabalho, não tem nenhum direito de reclamar a mais pequena porção de alimento e, de facto, está a mais. No grande banquete da natureza não há lugar vago para ele. […] o rumor de que há alimentos para todos que chegarem enche a sala de numerosos reclamantes. A ordem e a harmonia da festa são perturbadas, a abundância que aí reinava transforma-se em escassez e a felicidade dos convivas é destruída pelo espectáculo da miséria e do embaraço que reinam em toda a sala”[4].

Em “A Grande Transformação”, Karl Polanyi descreveu esta guinada histórica como uma “mutação antropológica” em que a humanidade inscreveu pela primeira vez na sua história a (livre) hipótese da morte por inanição. Esse é o grande feito do capital que o liberalismo pretende ocultar, com a sua teologia genérica de uma "liberdade" em abstrato, que sempre que procura concretizar se vê tansformada num bem de consumo. E, para o conseguir, não pode investir com o seu argumentário de plástico contra a solidez de um candidato de origem comunista, bem preparado, como António Filipe. Sei que Cotrim lamenta, caro Miguel Pinheiro. “Mas, da próxima vá lá você ou peça a algum banqueiro para o fazer por si”, pensará o liberal Cotrim com os seus botões, entre muitas outras cogitações que decerto não deixará de fazer.

[1] Para as declarações de Maya: https://www.tsf.pt/.../banca-defende-reforma-da.../18021216

[2] Citado em Sottomayor Cardia (1998) Cinco Tipos de Democracia Institucional (p. 314). In Revista da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, n.° 12, Lisboa, Edições Colibri (pp. 309-316)

[3] Beaud, Michel (1992], História do Capitalismo de 1500 aos nossos dias. Teorema p. 42

[4] Beaud, id. p. 105.

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segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

Presidenciais 2026 - Entrevista a André Ventura

Ventura assume que falhar segunda volta das eleições presidenciais "é mau e é uma derrota"

Líder do Chega assume que, para 18 de janeiro, objetivo é "ganhar" ou garantir passagem à segunda volta. "Não há como mascarar a realidade se isso [não passar à segunda volta] acontecer", assume.

* Agência Lusa, Texto

O candidato presidencial André Ventura admite que não passar a uma segunda volta das eleições de janeiro será uma derrota e que, se lá chegar, será uma batalha difícil, porque estarão “todos contra” si.

“Eu estou a levar esta eleição em duas etapas. Há uma meta que é o dia 18 [de janeiro], nessa meta nós queremos vencer ou passar à segunda volta das eleições. Portanto, isto significa ou primeiro ou segundo lugar, e acho que estamos bem encaminhados para isso”, afirmou.

Em entrevista à agência Lusa no âmbito das eleições presidenciais de 18 de janeiro, o candidato a Belém admitiu que, se não conseguir cumprir o objetivo de passar a uma eventual segunda volta, “é mau e é uma derrota”.

“Se não estiver [na segunda volta], é sinal de que o Chega e eu próprio não atingimos nesta eleição o objetivo. Não há como mascarar a realidade se isso acontecer, porque é praticamente impossível ter um valor próximo das legislativas e não ir à segunda volta”, disse, referindo que “não atingir um valor próximo significaria que houve um voto de não acompanhamento por parte do eleitorado”.

“É uma derrota, só em partidos estalinistas ou leninistas é que as derrotas se tornam vitórias. Há momentos que são de derrota e há momentos que são menos bons na vida política. Saber assumi-lo é também um ato de grandeza democrática”, sustentou André Ventura.

O candidato a Presidente da República e líder do Chega indicou que o partido “continuará o seu caminho” e ele próprio fará “a avaliação que tiver que fazer disso”.

“Saberei ler os sinais que o eleitorado transmitir, mas evidentemente que se não for à segunda volta não foi um resultado positivo. Mas estou mesmo convencido que isso não vai acontecer, estou mesmo convencido que vamos ter uma segunda volta e que eu estarei nessa segunda volta”, salientou.

Ventura considerou que essa será a “batalha mais difícil, talvez da [sua] vida toda”, porque acredita que “se vão juntar todos” contra si, que “o sistema todo vai se juntar contra a candidatura”.

“Eu acredito que seja possível ganhá-la, mas vai ser uma luta muito difícil para mim e para o país”, admitiu.

“Seja quem for o adversário, mesmo que o adversário fosse, ou venha a ser, António José Seguro, tenho praticamente a certeza de que o PSD vai recomendar o voto em António José Seguro, porque sabe que eu sou uma ameaça ao ‘statu quo’ e uma ameaça ao domínio das instituições por estes dois partidos”, disse, antecipando que pode acontecer o mesmo com Gouveia e Melo ou até António Filipe.

O candidato mostrou-se também curioso sobre o que fará o PS caso venha a disputar uma segunda volta com Luís Marques Mendes: “Não que eu queira o apoio do PS, o mais distante disso possível, mas é curioso verificar se o PS vai entrar na segunda volta dizendo para se votar em Marques Mendes”.

André Ventura disse também não ter um adversário preferencial para a segunda volta, mas está convencido de que será Henrique Gouveia e Melo, e assumiu-se como “o adversário mais difícil na primeira volta”, mas “o mais fácil” de derrotar numa segunda.

Ventura dissolve Parlamento se houver “suspeita de corrupção grave” envolvendo primeiro-ministro

O candidato presidencial André Ventura dissolvia o parlamento e convocava eleições antecipadas perante um caso de “suspeita de corrupção grave” sem explicação convincente, envolvendo um primeiro-ministro, mesmo que o Governo fosse suportado por uma maioria absoluta.

“Para ser o mais claro e não estar aqui com reservas mentais, se um primeiro-ministro, por muita estabilidade que tivesse, inclusive se tivesse uma maioria absoluta, for suspeito de corrupção, não conseguir explicar essas suspeitas, e a informação que for dada ao Presidente da República é de que estas suspeitas são sérias, fundamentadas, fundadas e com indícios fortes, então eu acho que, nesse caso, com uma suspeita de corrupção grave, nós devemos dissolver a Assembleia da República e chamar o país a votos”, afirma o candidato a Belém em entrevista à agência Lusa.

Ventura admite que, perante novas eleições, o país poderia renovar a confiança no mesmo primeiro-ministro, criando “um drama institucional para um Presidente da República”.

“Eu tenho um perfil ativo, enérgico, e é assim que eu espero ser até ao final da minha vida. E, portanto, se tivesse que agir num caso de corrupção, agiria. Mas serei o mais ponderado possível para garantir que não lanço o país na instabilidade”, assegura.

O também líder do Chega refere-se a um cenário abstrato, apesar de o seu ponto de partida ser o caso da antiga empresa do primeiro-ministro, Luís Montenegro, que este passou aos filhos depois de uma polémica mediática que levou o Ministério Público a abrir um inquérito preliminar ainda sem resultado conhecido.

André Ventura considera que, no caso Spinumviva, acima de tudo “tem faltado a este primeiro-ministro” explicações.

“O caso Spinumviva tem características graves devido às suspeitas, não estou a dizer que elas são reais ou não, mas às suspeitas, enfim, de recebimento do indivíduo de dinheiro, etc. Isso é grave. Se eu fosse Presidente da República e o processo vier a desenvolver-se nos termos em que venha a desenvolver-se e o Ministério Público entender que deve avançar para um inquérito, o que significa que o primeiro-ministro será constituído arguido, acho que era importante, e é o que eu direi ao primeiro-ministro, que dê explicações não só em sede de justiça, mas também ao país”, precisou, acrescentando: “Eu avaliarei a sustentabilidade dessas declarações do ponto de vista da sua razoabilidade e da credibilidade que elas mereçam”.

“Não sou eu o juiz, evidentemente, mas é o Presidente da República, em funções naquele momento, que tem que dar uma palavra ou de confiança ou de entender que as instituições estão em causa e que não deve continuar”, sustenta.

“Eu tenho muitas críticas ao primeiro-ministro atual, mas consigo ter uma conversa com o primeiro-ministro. Acho que conseguiria dizer ao primeiro-ministro ‘isto são suspeitas graves, o que o primeiro-ministro tem que fazer é explicá-las e dar uma explicação sobre elas’ e exigir-lhe que fizesse isso”, acrescenta.

Ventura considera que “seria possível” levar o primeiro-ministro e evitar “um cenário de deterioração permanente”.

Caso se chegasse “a um ponto, enfim, que o primeiro-ministro fosse, tal como outros atores políticos, acusado, aí até há trâmites legais que são próprios, mas se as suspeitas fossem condensadas, evidentes e notórias, então eu acho que nem era preciso dizer ao primeiro-ministro para sair, eu acho que sairia pelo seu próprio pé”.

“Se eu for Presidente da República, espero que nunca aconteça e também não vejo nenhum motivo para isso, e houvesse uma acusação contra mim de corrupção, de desvio de dinheiro público, de enriquecimento ilícito, eu próprio, chegando ao momento de ver que havia coisas fundadas e reais, não tinha outra forma senão ir-me embora e sair”, conclui André Ventura.

Durante a entrevista, o candidato questionou a forma de nomeações para as instituições do Estado e empresas públicas, que considerou deverem ser repensadas, inclusivamente o caso do procurador-geral da República, apesar da consideração que disse ter para com o atual titular, Amadeu Guerra.

“Mas quando temos um sistema que nomeia o procurador-geral da República e é este procurador-geral da República, depois, que vai investigar quem o nomeou, é sempre um sistema frágil e é sempre um sistema que gera dúvidas de independência e de imparcialidade”, sustenta, alegando que o mesmo se passa com os titulares dos tribunais superiores e do Tribunal Constitucional.

“Faz sentido que o tribunal que controla os partidos políticos, e eu agora estou à vontade porque até somos o segundo maior partido, podíamos ter interesse em manter isto como está, derive destes próprios partidos políticos. Não seria de pensar isto como um todo, do ponto de vista de garantir a independência e a imparcialidade destas pessoas? Poderia ser o Presidente?”, questiona, concluindo: “Acho que temos que repensar um sistema que dê garantias de menor interferência política.

Ventura quer revisão constitucional para tornar Presidente um “ator político decisivo”

André Ventura defende uma revisão constitucional que reforce os poderes do Presidente da República, transformando-o num “ator político decisivo”, e promete “conduzir o país politicamente” a partir do Palácio Belém, designadamente com propostas concretas para a Justiça.

“A Constituição tem que consagrar um presidente que tem que ser mais do que um moderador. O presidente tem que ser um ator político decisivo, porque tem uma legitimidade política decisiva” que lhe advém de ser eleito diretamente com mais de 50% dos votos, justifica André Ventura, em entrevista à agência Lusa no âmbito da campanha para as eleições de 18 de janeiro.

O também líder do Chega considera que, no sistema atual, o “poder real” do Presidente da República “é o poder de veto, o poder de promulgar ou não promulgar, e esse poder, se não for utilizado, ou se não tiver capacidade e extensão de ser utilizado, nos casos mais dramáticos da vida nacional, acaba por ter pouca expressão”, tornando o chefe de Estado numa “espécie só de reduto de influência”.

“Se queremos levar a sério o cargo de presidente e justificar o salário que lhe pagamos, e o que gastamos com a presidência da República, então o presidente também tem que ter poderes concretos e reais”, sustenta.

Ventura entende que o presidente “não deve estar a ser um bloqueio, nem uma marioneta, nem uma muleta do Governo”, mas “deve ter os poderes mais especificados do ponto de vista do controlo, do escrutínio, da fiscalização” para que se saiba claramente “em que águas se move”, alegando que “isso hoje não é absolutamente claro”.

A partir de Belém, o também líder do Chega admite que não pode fazer propostas de revisão da lei fundamental, mas pode influenciá-lo.

“Se for Presidente da República, não terei o poder de fazer leis no parlamento, isso é uma evidência. Mas estou convencido de que não há nenhuma outra figura com tanta legitimidade e capacidade de influenciar o parlamento, até num processo de revisão constitucional, como o Presidente da República”, advogou.

Entre críticas a Marques Mendes e a “conversas de chacha” de Marcelo Rebelo de Sousa, André Ventura defende que seria importante eleger, pela primeira vez, um chefe de Estado “fora deste sistema partidário PS-PSD”, que nos 50 anos de vida democrática tem feito pactos na Saúde, Finanças, banca, “em tudo o que é setor público ou com influência pública”. Seria “uma garantia de independência e de luta contra o sistema”.

Mais do que romper com o sistema, o deputado e líder do Chega considera que “talvez a independência aqui até seja mais relevante”, aproveitando para atacar o seu adversário e ex-líder do PSD, Luís Marques Mendes, por “estar sempre a falar de independência”, mas ser “a linha direta, o apoio de Luís Montenegro, que é primeiro-ministro”.

“Ora, os portugueses gostam e querem um presidente que fiscalize a ação do governo, não um presidente que seja ou um pau-mandado, ou alguém condicionado pelo governo”, argumenta, acrescentando: “se é um presidente que tem conluio com o governo, isso não é bom para a democracia, é mau. E por isso eu percebo esta ansiedade [de Marques Mendes], automaticamente, em tentar desligar-se do Governo agora”.

Do mesmo modo, pretende combater a ideia de que o presidente é “uma espécie de senador reformado”.

“Eu não vou ser o Presidente da união fácil, de palavra certa e barata, confortável em todos os momentos. Nós não podemos tapar as clivagens, a polarização, os problemas com conversa de atleta”, disse.

Ventura promete travar uma batalha para convencer a opinião pública de que não é “nem uma jarra de enfeitar”, nem que irá estar “a dizer aquelas coisas banais, politicamente corretas”.

“Se votarem em mim no dia 18 de janeiro, vai haver uma mudança no estilo de Presidente da República”, assegura.

A partir de Belém, terá como prioridades a Justiça, as comunidades e os jovens, não se limitando a alertar que são precisas reformas, mas indicando ele próprio um caminho.

“Quero dar um sinal à reforma da justiça que ela tem que ser feita. E tem que ser feita em que sentido? Temos que garantir o fim destas penas suspensas que existem para muitos crimes, garantindo que as pessoas ficam presas em casos de abusos sexuais de menores, violência doméstica, que é um flagelo que temos em Portugal, o chamado crime contra o património, considerado às vezes pequeno crime, mas que é esse pequeno crime que vai gerando a insegurança nas pessoas”, aponta.

Segundo o candidato, todos os presidentes defendem reformas da Justiça, mas nunca dizem qual. “Eu ao menos digo qual é. É limitar recursos, porque nós temos recursos que nunca mais acabam, e temos que garantir que a pessoa tem direitos e que têm direito a uma justiça que funcione, imparcial, mas não pode ter direito a fazer mil recursos garantindo que as decisões nunca são efetivadas”, concretiza, numa alusão implícita ao processo Marquês.

“Acho que é preciso uma reforma da justiça e o presidente tem que ser o principal protagonista dela do ponto de vista político”, sublinha.

Segundo André Ventura, isso “não é governar, é conduzir o país politicamente”. “Eu estaria a ser um mau presidente e defraudaria completamente as expectativas das pessoas se lhes desse uma entrevista um dia ou dois depois de ser eleito Presidente da República e a minha conversa passasse a ser que temos que agregar vontades, temos que nos juntar todos, pensar a justiça a médio prazo e a longo prazo”, argumenta.

No decorrer da entrevista, quando abordava questões relacionadas com o processo Marquês, que envolve o ex-primeiro-ministro José Sócrates, Ventura reitera críticas à imprensa portuguesa, sem apontar casos concretos, sobretudo ao que chamou o ativismo de muitos jornalistas.

“E acho que também os jornalistas, em grande parte, não são bons. E acho que temos um ativismo muito grande no jornalismo, é a minha opinião. Mas eu seria o último a condicionar a liberdade da imprensa. Mais, digo-lhe outra coisa. Podia ser o órgão de comunicação, não é o caso da Lusa, mas podia ser o órgão de comunicação que eu menos gostasse, eu tudo faria para garantir que ele não é nem censurado, nem silenciado, nem ameaçado com questões económicas ou de natureza societária”, disse.

https://observador.pt/2025/11/30/ventura-assume-que-falhar-segunda-volta-das-eleicoes-presidenciais-e-mau-e-e-uma-derrota/

Prabhat Patnaik - A propósito da "civilização ocidental"


Prabhat Patnaik [*]

De acordo com uma reportagem publicada no Times of India (23 de novembro), os Estados Unidos pediram aos países europeus que restringissem a imigração a fim de preservar a "civilização ocidental". Muitos no Terceiro Mundo considerariam o termo "civilização ocidental" ridículo, especialmente se for usado no sentido de denotar algo precioso e que vale a pena preservar. As atrocidades cometidas pelos países imperialistas ocidentais contra povos de todo o mundo ao longo dos últimos séculos foram tão horrendas que usar o termo "civilização" para encobrir tal comportamento parece grotesco. Desde o colonialismo britânico, que provocou fomes na Índia que mataram milhões na sua tentativa voraz de extrair receitas de camponeses infelizes, até à brutalidade indescritível do rei Leopoldo da Bélgica contra o povo do que antes se chamava Congo, passando pelos campos de extermínio alemães na Namíbia que liquidaram tribos inteiras, é uma história de crueldade horrível infligida a pessoas inocentes sem outra razão senão a pura ganância. Não é surpreendente, neste contexto, que Gandhi, quando questionado por um jornalista sobre o que achava da "civilização ocidental", tenha respondido ironicamente:   "seria uma ideia muito boa".

Mas vamos ignorar toda essa crueldade e concentrar-nos apenas no avanço material alcançado pelo Ocidente. Este progresso material foi alcançado com base numa relação de exploração que os países imperialistas ocidentais desenvolveram em relação ao Terceiro Mundo, uma relação que deixou este último num estado tal que os seus habitantes hoje estão desesperados para dele escapar. A prosperidade ocidental não é um estado separado e independente alcançado apenas através da diligência ocidental; foi alcançada através de um processo de dizimação das economias dos países de onde os imigrantes estão a fugir. O que é ainda mais impressionante é que o imperialismo ocidental não quer apenas impedir o afluxo de imigrantes; quer impedir, mesmo através de intervenção armada, qualquer mudança na estrutura social dos países de origem dos imigrantes que possa levar a um desenvolvimento que impeça esse afluxo de imigrantes.

O meu argumento pode, naturalmente, ser descartado como exagero. Afinal, as economias ocidentais têm sido caracterizadas pela introdução de inovações notáveis que aumentaram drasticamente a produtividade do trabalho, o que, por sua vez, possibilitou um aumento dos salários reais e dos rendimentos reais das populações ocidentais. É essa capacidade de inovação que distingue o Ocidente e que falta ao Terceiro Mundo; ela constitui a differentia specifica entre as duas partes do mundo, a causa fundamental dos seus desempenhos económicos divergentes, devido aos quais os migrantes procuram mudar-se de uma parte para outra.

No entanto, há duas coisas a serem observadas sobre as inovações. Primeiro, as inovações são normalmente introduzidas quando se espera que o mercado para o produto que resultaria da inovação se expanda, razão pela qual as inovações não são introduzidas durante as depressões. Segundo, as inovações por si só não aumentam os salários reais; elas só o fazem quando há uma escassez no mercado de trabalho que surge por razões independentes. Durante um longo período da história, a expectativa de expansão do mercado para os produtos ocidentais foi gerada pela conquista dos mercados do Terceiro Mundo. A Revolução Industrial na Grã-Bretanha, que deu início à era do capitalismo industrial, não poderia ter sido sustentada se não houvesse mercados coloniais onde a produção artesanal local pudesse ser substituída pelos novos produtos fabricados por máquinas. O outro lado da inovação ocidental foi, portanto, a desindustrialização das economias coloniais, que criou enormes reservas de mão-de-obra nessas regiões.

Mesmo nos países onde foram introduzidas inovações, também foram criadas reservas de mão-de-obra devido ao progresso tecnológico, mas essas reservas foram reduzidas devido à migração em grande escala de mão-de-obra para regiões temperadas de colonização no estrangeiro, como o Canadá, os Estados Unidos, a Austrália, a Nova Zelândia e a África do Sul, onde massacraram e deslocaram as tribos locais das terras que ocupavam e cultivavam. Dentro dos países inovadores, portanto, a escassez foi introduzida no mercado de trabalho por meio dessa emigração em grande escala, devido à qual os salários reais puderam aumentar juntamente com as inovações que aumentaram a produtividade do trabalho. As reservas de mão-de-obra criadas nas colónias e semicolónias, no entanto, não puderam migrar para as regiões temperadas; elas foram mantidas confinadas às regiões tropicais e subtropicais, presas num síndrome de baixos salários, por meio de leis de imigração restritivas que perduram até hoje. Se o capital da metrópole pudesse ter fluído a fim de aproveitar os seus baixos salários para produzir bens para o mercado mundial com as novas tecnologias, então a diferença salarial poderia ter desaparecido. Mas isso não aconteceu. Apesar dos seus baixos salários, o capital das regiões temperadas não entrou nessas economias, exceto nos setores produtores de commodities primárias; e os bens manufaturados produzidos por produtores locais, utilizando essa mão-de-obra mal remunerada e adotando as novas tecnologias, não puderam entrar nos mercados das regiões temperadas devido às altas tarifas. Em suma, a inovação ocidental produziu prosperidade material na metrópole, porque foi complementada por uma estrutura segmentada da economia mundial.

Isso não é tudo. A difusão do capitalismo verificou-se dentro dessa estrutura segmentada:   juntamente com a mão-de-obra da Europa que migrou para as regiões temperadas, como a América do Norte, Austrália, Nova Zelândia e África do Sul, o capital da Europa também começou a ser investido nessas novas terras como complemento à migração de mão-de-obra. No entanto, este capital foi extraído das colónias e semicolónias tropicais e subtropicais através da apreensão gratuita das suas receitas cambiais proveniente do resto do mundo, que constituíam grande parte do seu excedente económico, um processo que ficou conhecido como a "drenagem" do excedente.

A difusão do capitalismo durante o "longo século XIX" da Grã-Bretanha para a Europa Continental, Canadá e Estados Unidos assumiu a forma de manutenção de mercados britânicos abertos para os bens dessas regiões e de, em simultâneo, exportações de capital para elas; ou seja, a Grã-Bretanha tinha tanto um défice na conta corrente como na conta de capital em relação a essas regiões. O défice total, somando as contas correntes e de capital, da Grã-Bretanha em relação a essas três regiões mais proeminentes em 1910 era de 120 milhões de libras. Metade desse montante, de acordo com as estimativas do historiador económico S.B.Saul, foi liquidado às custas da Índia, através da apropriação pela Grã-Bretanha de todo o excedente de exportação da Índia em relação ao resto do mundo, e também do pagamento pela Índia das importações desindustrializantes da Grã-Bretanha que excediam as commodities primárias que vendia à Grã-Bretanha. Se considerarmos apenas a Europa Continental e os EUA, o défice total da Grã-Bretanha era de 95 milhões de libras, dos quais quase dois terços foram liquidados desta maneira às custas da Índia.

Assim, todo o desenvolvimento do capitalismo ocorreu historicamente através da criação de um mundo segmentado. A inovação que supostamente está na base da prosperidade material do Ocidente também ocorreu através dessa segmentação. Portanto, não é a inovação que explica por que o Ocidente se tornou próspero enquanto o Terceiro Mundo estagnou e entrou em declínio, mas sim esse facto da segmentação. Afinal, mesmo teorias como a de Joseph Schumpeter, que enfatizam as inovações como a causa da prosperidade material, mostram que todos os trabalhadores se beneficiam das inovações. Mas se apenas alguns trabalhadores são os beneficiários (além dos capitalistas, é claro), enquanto outros pertencentes a uma região diferente são excluídos desses benefícios, então a causa dessa divergência deve estar em outro lugar, não no fato de a inovação estar confinada a apenas uma região. A essência dessa segmentação era a exclusão deliberada de uma região do processo de desenvolvimento material, através da imposição de barreiras tarifárias contra os seus produtos, da proibição de impor barreiras tarifárias próprias contra os produtos da região metropolitana e da aquisição gratuita por parte desta última de uma parte do excedente económico produzido.

Os dias do colonialismo acabaram; além disso, o capital da metrópole agora está disposto a fluir para o Terceiro Mundo para produzir bens para o mercado mundial usando mão-de-obra local mal remunerada e novas tecnologias. Por que, então, a pobreza do Terceiro Mundo continua a permanecer nesta nova situação? Voltamos aqui à proposição de que as inovações, como tais, não aumentam os salários reais; teorias como a de Schumpeter, que afirmam o contrário, assumindo uma tendência espontânea do capitalismo para esgotar as reservas de mão-de-obra e avançar para o pleno emprego, estão simplesmente erradas. O progresso tecnológico no Terceiro Mundo através da disseminação de inovações, seja sob a égide do capital metropolitano ou do capital local, que tende tipicamente a economizar mão-de-obra, não reduz, portanto, o tamanho relativo de suas reservas de mão-de-obra e, consequentemente, a magnitude relativa da pobreza. A mão-de-obra do Terceiro Mundo não tem como migrar para as regiões temperadas.

Dois fatores irão agravar esta situação nos próximos tempos:   um são as tarifas de Trump que procuram exportar o desemprego dos EUA para o resto do mundo, especialmente para o Terceiro Mundo; e o outro é a introdução da Inteligência Artificial no quadro do capitalismo.

30/Novembro/2025

[*] Economista, indiano, ver Wikipedia

O original encontra-se em peoplesdemocracy.in/2025/1130_pd/apropos-“western-civilisation”

sábado, 29 de novembro de 2025

António Guerreiro - Dos debates aos comentários

* António Guerreiro~

Os debates na televisão entre os vários candidatos à Presidência da República seguem um modelo que se aproxima do stand-up. Mesmo que os candidatos nada façam para cumprirem os protocolos e as exigências desta forma de espectáculo, eles são coercivamente enquadrados nele e avaliados pelo grau de competência demonstrado na performance por um júri que representa o papel da opinião pública e encena uma versão abreviada daquilo que desde o Iluminismo se chama “espaço público”. O júri é composto por um conjunto de pessoas designadas como “comentadores” cuja tarefa é encerrar o espectáculo com os seus juízos críticos e apreciações quantificadas.

Neste modelo de debate procura-se um ganhador e um perdedor. E ganha sempre quem revela mais destreza na eloquência, quem consegue ter alguma habilidade para argumentar e um certo sentido da dialéctica (qualidades, aliás, cada vez mais escassas) naquele ambiente muito pouco favorável a tais realizações. Ali, muito embora pareça que se trata de política, a despolitização é a regra.

O júri cumpre um papel essencial: é ele que, em última instância, dá sentido às performances. Sem ele, o espectáculo da contenda ficaria incompleto e seria muito mais desinteressante. É preciso sublinhar o clash, promovê-lo, encontrar no discurso político um sentido agónico. As polarizações que caracterizam o ambiente político em que vivemos, os tropismos que fazem emergir os extremos, têm os seus utensílios retóricos reconhecidos e valorizados. São eles os mais valorizados e a eles recorrem com frequência os participantes nestes debates porque têm uma eficácia táctica. Esses instrumentos tácticos dominam os debates e asseguram a vitória a quem melhor se servir deles. E a táctica é o que os comentadores observam com mais facilidade, logo, o que garante nota alta.

Na época em que a crítica literária e da arte tinha adquirido uma enorme pujança, impôs-se a ideia de que os juízos sobre a poesia têm mais valor do que a própria poesia (e poesia vale aqui pela arte em geral). Hegel, nas suas lições de Estética, explica porquê: porque a obra de arte deixou de satisfazer as necessidades “espirituais” que nela tinham encontrado as épocas precedentes; e, por isso, na sua “suprema destinação”, a arte chegou ao seu fim. Assim é hoje com a política e o debate político: manifestações de um final de festa.

Em tempos de despolitização, o que tem algum valor e suscita o interesse da audiência são os juízos sobre os debates e as performances dos seus protagonistas. Os comentadores mostram, mesmo se não têm consciência disso, o estado de exasperação do discurso político. São convocados por um vazio que lhes coube em jeito de missão preencher. E são afectados pelo demónio da reversibilidade: eles comentam o discurso dos candidatos ou estes calculam o seu discurso para resultar num comentário? Quando a noção de época correspondia a um tempo histórico muito mais longo e a um “espírito” que a autonomizava e lhe conferia sedimentação, instituiu-se a ideia de que há períodos de decadência; e a proliferação do comentário seria a marca mais conspícua desses períodos (refiro-me, evidentemente, a um género de comentários cuja manifestação é uma literatura e uma filosofia secundárias). O barroco trans-histórico e os finais de século serviram com alguma verosimilhança essa ideia de decadência.

A desvalorização da linguagem política é o sintoma de uma doença, um mal-estar da democracia.

O conceito de pós-democracia, como sabemos, fez o seu caminho com alguma indefinição, mas, ainda assim, de maneira útil. Já estamos habituados a que, sempre que o prefixo “pós” se impõe como declinação de algo novo, mas que resulta de uma profunda inflexão do antigo, a certa altura se comece a pensar em modo “des”. É o que já está a acontecer com a democracia: a pós-democracia já começa a ser um conceito pouco útil e já há quem coloque a hipótese da “des-democracia” (devemo-la às análises da autoria da norte-americana Wendy Brown, professora de Ciência Política na Universidade da Califórnia).

A desdemocracia já se manifesta de outra maneira que não é a de um mal-estar da democracia: não é um mal infligido por causas exteriores, mas uma doença interna que decorre do seu desenvolvimento interior. A ascensão de sentimentos fascistas e o desejo autoritário, isto é, de uma ordem governada por uma personalidade autoritária (fazendo coincidir a política com uma psicologia), configuram uma desdemocracia em curso, uma democracia que se está a desfazer a partir do seu interior, num processo de degenerescência que faz nascer o desejo autoritário.

in Público, 28/11/2025

https://www.publico.pt/2025/11/28/culturaipsilon/cronica/debates-comentarios-2155997

25 de Novembro: entrevista a Vasco Louerenço

"Os sobrinhos dos 'falcões' da extrema-direita acham que podem alcançar agora o que não conseguiram alcançar no 25 de Novembro"

Tiago Palma

25 nov,2025

ENTREVISTA A VASCO LOURENÇO || Foi um dos homens que ajudaram a travar a insubordinação de 1975 e que, meio século depois, recusa vê-la promovida a “segundo 25 de Abril”, que também fez. Vasco Lourenço regressa ao dia em que os paraquedistas ocuparam bases, os comandos subiram à Ajuda e a extrema-direita sonhou com um novo 28 de Maio — para explicar porque é que, na sua leitura, quem hoje celebra o 25 de Novembro está, afinal, a comemorar a própria derrota


Cinquenta anos depois, o 25 de Novembro continua a ser um dia em disputa: a direita política tenta elevá-lo a feriado, a esquerda desconfia de qualquer tentativa de o colocar ao lado do 25 de Abril e, pelo meio, sobrevivem memórias de soldados, paraquedistas, comandos, reuniões em Belém e plenários intermináveis em quartéis à volta de Lisboa.

Vasco Lourenço, um dos Capitães de Abril e rosto do chamado Grupo dos Nove — os vencedores de então, em novembro de 1975 —, lembra esse dia como quem fala de uma ferida que não chegou a romper o corpo todo mas deixou cicatriz. “No essencial, foi uma insubordinação militar. Mas, da forma como aconteceu, nós tivemos a perceção de que estávamos perante uma tentativa de golpe de Estado. E respondemos como se fosse um golpe.” Meio século depois, o coronel é taxativo numa linha que o aproxima de muitos dos “derrotados”: “Equiparar o 25 de Novembro ao 25 de Abril é uma injúria ao 25 de Abril". 

Para se perceber o que está em causa é preciso voltar a 1975, ao tempo do PREC, das greves em cadeia, dos parlamentos cercados, das ocupações de terras no Alentejo, dos atentados bombistas da extrema-direita e de uma revolução que ainda não sabia bem onde parar. Nas ruas pesavam o PCP e a extrema-esquerda, nas sombras operavam redes terroristas como o MDLP, nos bastidores moviam-se as embaixadas em plena Guerra Fria e, dentro das Forças Armadas, o MFA (Movimento das Forças Armadas) estava rachado entre quem queria prolongar o ímpeto revolucionário e quem defendia a entrega da democracia aos partidos.

O 25 de Novembro nasce dessa divisão: para uns, um golpe falhado; para outros, uma “clarificação de poderes” entre fações militares. Para quase todos, o episódio que fecha o ciclo revolucionário e estabiliza o sistema saído de Abril.

É neste contexto dividido, outrora divido, que entra a voz de Vasco Lourenço, hoje com 83 anos e para quem o 25 de Novembro começa na crise dos paraquedistas: uma decisão “criminosa” do chefe do Estado-Maior da Força Aérea, que extingue a força paraquedista, deita milhares de militares no limbo e desencadeia uma cadeia de desconfianças, equívocos e manobras partidárias que acaba com bases ocupadas, oficiais presos e quartéis sob cerco.

Otelo Saraiva de Carvalho, na versão de Vasco Lourenço, não estava a preparar um golpe comunista — estava a tentar proteger os seus homens, é traído no caminho e apanhado no olho do furacão. Do outro lado, o Grupo dos Nove, com Eanes à cabeça, reage a uma insubordinação que interpreta como golpe iminente. Entre uns e outros há ainda os “falcões” da direita militar e civil, “que queriam sangue, queriam um novo 28 de Maio, queriam caminhar para uma ditadura” e que chegaram a pressionar para bombardear unidades militares pelo ar. “Não era só um banho de sangue, era o início de uma guerra civil”, considera Vasco Lourenço.

Por isso, quando hoje se fala sobre vencedores e vencidos, o coronel devolve a resposta para fora dos rótulos fáceis. A extrema-esquerda sai do “comboio” institucional, o PCP perde peso mas mantém-se no sistema, a extrema-direita não consegue ilegalizar comunistas nem transformar o contragolpe em contrarrevolução e fica com uma derrota que tenta reescrever meio século depois. “Eles aparecem com o chapéu de vencedores mas foram vencidos porque não atingiram aquilo que queriam”, diz Vasco Lourenco. O que sobra, na sua síntese, é outra coisa: “O vencedor do 25 de Novembro é o 25 de Abril”. O programa do MFA cumpre-se, a Constituição é aprovada, a democracia consolida-se — e é precisamente essa memória que está outra vez em disputa num tempo em que, nas palavras de Vasco Lourenço, “os netos e sobrinhos dos ‘falcões’” regressam ao Parlamento, reivindicam o 25 de Novembro e tentam fazer dele um aríete contra o próprio espírito de Abril.

Lembra-se daquele dia, do 25 de Novembro de 1975?

Perfeitamente. Coincidentemente, foi o dia em que eu mudei para a casa onde ainda hoje vivo. [Risos] Eu vivia numa casa no Estoril, aluguei essa casa nova e fui viver para lá, para a casa onde ainda hoje vivo. Mas o dia foi de tal maneira intenso que, em Belém [no Palácio de Belém], a certa altura, eu disse qualquer coisa como 'epá, lá se vai a minha mudança de casa'. E houve alguém que respondeu 'pá, a gente vai ajudar-te'. Não foi preciso. A minha mulher ficou encarregada da mudança e desenrascou-se. Portanto, de facto, é um dia marcante, um dia muito marcante. Um dia que recordo intensamente, que vivi por dentro e que foi fundamental para a construção do 25 de Abril.

 

Se tivesse de explicar hoje à maioria da população — que já não tem tão presente o que foi o 25 de Novembro — diria que foi uma tentativa de golpe de Estado? Ou sobretudo uma insubordinação militar que ganhou dimensão e que o coronel e outros camaradas conseguiram travar? O que é que foi, exatamente, o 25 de Novembro?

Se me coloca a questão assim, eu diria que, no essencial, foi uma insubordinação militar. Mas, face à forma como foi feita e à perceção que nós tivemos, do lado em que estávamos, a sensação era a de que estávamos perante uma tentativa de golpe de Estado. E, portanto, nós respondemos como se tivéssemos pela frente uma tentativa de golpe de Estado. Felizmente, resolveu-se — faço sempre questão de o sublinhar — mais politicamente do que militarmente, ainda que a existência da força militar tivesse uma importância fundamental. Agora, o objetivo de quem tomou a iniciativa e deu início às ações no 25 de Novembro, na minha leitura, não era o de fazer um golpe de Estado. Era o de alterar a correlação de forças dentro do Conselho da Revolução [órgão político-militar criado após o 25 de Abril]. Mas a forma como tudo se fez — quando prenderam comandantes de unidades e, inclusivamente, um membro do Conselho da Revolução, que era o general Freire, da Força Aérea —, para nós aquilo era um golpe militar. É como digo: depois dos jogos é fácil acertar no Totobola, antes dos jogos é que é difícil. Portanto, quando olhámos para o que tínhamos pela frente, vimos uma tentativa de golpe de Estado. Hoje, analisando com o recuo do tempo, chego à conclusão de que não houve tentativa de golpe de Estado nenhuma.

 

Este episódio é marcante também porque, a seguir ao 25 de Novembro, vem a consolidação do 25 de Abril. Mas, como em quase todos os momentos da História, há vencedores e vencidos — não sei se “derrotados” é uma palavra demasiado dura. O Vasco Lourenço fez parte dos vencedores, unanimemente considerados vencedores, o Grupo dos Nove [ala moderada do MFA], de onde saem figuras que depois marcam a democracia portuguesa, como o general Ramalho Eanes. Otelo Saraiva de Carvalho é um dos vencidos? O coronel já disse que Otelo, mais do que derrotado, foi traído. Porquê?

Vamos lá ver. O Otelo estava numa onda de extremismo também, de radicalização. Ele é confrontado com a decisão do Conselho da Revolução em ser substituído no comando da Região Militar de Lisboa por mim. Porque ele acumulava as duas funções: o COPCON [Comando Operacional do Continente, força militar criada após o 25 de Abril] e a Região Militar de Lisboa. E é substituído apenas no comando da Região Militar de Lisboa. Mas há uma ação que eu considero - apesar de ser feita, teoricamente, do 'nosso' lado - criminosa: a ação do chefe do Estado-Maior da Força Aérea, o general Morais e Silva, que era do meu curso na Academia Militar. Ele extingue a Força Paraquedista, deixa os paraquedistas entregues a cinco oficiais e aos sargentos e leva para Cortegaça [base da Força Aérea na zona de Ovar] 123 oficiais. E, ao mesmo tempo, extingue por despacho a Força Paraquedista. Não tinha poder para o fazer — tinha de ser o Conselho da Revolução —, mas o que é facto é que o fez e começou a pôr as coisas em marcha nesse sentido. Os paraquedistas ficaram aflitos, muitos deles com o espectro do desemprego. Eram cerca de 1500 a 2000, eu já não sei dizer exatamente quantos eram, mas era muita gente. O comandante dos paraquedistas vai pedir ao Otelo proteção, para ver se se encontrava uma solução para eles não serem dissolvidos. E o Otelo prometeu que ia fazer isso e faz, de facto, uma proposta ao Conselho da Revolução, ao Presidente da República e ao chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, que era o general Costa Gomes, no sentido de a Força Paraquedista, em vez de ser extinta, ser atribuída ao COPCON.

 

Uma solução pacífica, portanto.

Sim, era uma solução relativamente pacífica. Tinha a oposição do Morais e Silva e dos seus apaniguados, mas a generalidade do Conselho da Revolução, a começar no Presidente da República — e comigo incluído —, concordava com isso. Só que se levanta um problema que vem complicar tudo. O COPCON não tinha autonomia administrativa. Não tinha meios para assegurar salários, subsistência, alimentação, etc.. E então qual era a solução possível? Os paraquedistas eram colocados na Região Militar de Lisboa e a Região Militar de Lisboa atribuía-os, operacionalmente, ao COPCON. Mas era a Região Militar de Lisboa que ficava com eles administrativamente. E isso era pacífico. Só que, entretanto, o que estava na ordem do dia era a substituição do Otelo no comando da Região Militar de Lisboa por mim e essa questão foi posta de lado, 'depois tratamos disso'.

 

Mas a tensão foi aumentando.

A questão é que o PCP, nessa luta de provocações permanentes de um lado e do outro - e de querer ganhar peso no Conselho da Revolução, de alterar a correlação de forças -, convence os paraquedistas. O PCP tinha uma estrutura clandestina forte dentro dos sargentos paraquedistas - e não só -, mas neste caso específico dos paraquedistas - de que, se o Vasco Lourenço for nomeado para comandar a Região Militar de Lisboa, ele não vai aceitar essa solução. E vocês ficam tramados, ficam mesmo dissolvidos. O que era falso. O que era falso! E isso leva os paraquedistas a revoltarem-se. A certa altura, convencem o Otelo de que os paraquedistas precisam de mandar equipas de informação, de esclarecimento, às unidades da Força Aérea para defenderem a 'justa luta', como se dizia, contra o chefe do Estado-Maior da Força Aérea. E o Otelo dá-lhes luz verde para isso, para irem fazer sessões de esclarecimento. Inclusivamente, quando lhes dá luz verde, comenta com dois oficiais, dois capitães da Força Aérea que estão com ele, 'oxalá isto não seja o motivo para os ‘Nove’ nos caírem em cima, porque o Vasco Lourenço está farto de me alertar para eu não me meter em aventuras dessas, porque, se nós tentarmos algum golpe, ele tem condições para nos cair em cima, para nos responder, portanto vão lá fazer as sessões de esclarecimento mas façam de maneira que isso não dê essa justificação'.

 

Só que transformaram as sessões de esclarecimento em ocupações, não é? Na Base Aérea de Tancos, na Base Aérea de Monte Real, na Base Aérea do Montijo. E no Comando da 1.ª Região Aérea, em Monsanto. Quatro...

O problema foi esse: elas transformaram-se noutra coisa. E nós, a partir daí, reagimos como se tivéssemos pela frente uma tentativa de golpe de Estado. O Otelo, ao mesmo tempo que diz 'pronto, vão lá fazer os esclarecimentos', vai para casa. Portanto, ele nunca sabe da transformação em ações de força. Vai para casa e, portanto, os paraquedistas — que vão convencidos de que vão fazer sessões de esclarecimento e que não têm noção da manobra interna dos agentes que planeiam isto — ficam convencidos de que o Otelo os abandonou e que os traiu. Quando, no fim, o Otelo é que é traído por quem transforma a ida de equipas de esclarecimento em equipas de ação de força.

 

Ali bem perto do Palácio de Belém, onde muitos de vocês foram chamados pelo Presidente da República, cá mais em cima, na Calçada da Ajuda, acabam por morrer três pessoas: o tenente José Coimbra e o furriel Joaquim Pires, dos Comandos, e o aspirante miliciano José Bagagem. Normalmente fala-se pouco das vítimas destes episódios. Porque é que a violência escalou ali e acabou por não escalar noutros sítios?

Porque, entretanto, as unidades que se sublevaram, que tomaram algumas ações, recuaram todas e todas aceitaram ficar à ordem do Costa Gomes. Todas. Menos a unidade de Lanceiros 2 [Regimento de Lanceiros 2, unidade de cavalaria do Exército], da Polícia Militar. Essa unidade não está metida em golpe nenhum. Eles não perceberam o que é que se estava a passar. E, como a unidade era, enfim, uma balbúrdia — como eu dizia —, ninguém comandava ninguém, eram plenários atrás de plenários, eles não obedeceram à ordem que eu lhes transmiti pelo telefone — ao Campos Andrade, que era o comandante — para se apresentarem em Belém. Era só atravessar a Calçada e apresentarem-se em Belém, ao Costa Gomes. Eles não o fizeram e permitiram que os 'falcões', que estavam a querer sangue, conseguissem sangue.

 

Quando fala de “falcões” está a falar da extrema-direita?

Sim. Porque nós tínhamos depois duas frentes. Tínhamos a frente contra a esquerda, que se resolveu politicamente, como eu disse, e tínhamos, debaixo do nosso chapéu-de-chuva, aparentemente ligados umbilicalmente ao Grupo dos Nove, um grupo que queria sangue, queria um novo 28 de Maio [golpe militar que levou à ditadura em 1926]. E tentou, por exemplo, fazer bombardear, pela Força Aérea, três unidades. E o Eanes [então comandante operacional] conseguiu evitar.

 

E aí seria um banho de sangue.

Não era só um banho de sangue, era o início de uma guerra civil. Se isso começasse, tínhamos a guerra civil à porta.

 

Mas voltemos às mortes na Ajuda.

Foram três minutos.

 

Três minutos?

Se, três minutos antes, o Campos Andrade me tivesse dito 'pronto, vamos aí entregar-nos', não havia nenhuma morte. Mas, quando ele me disse isso, a força dos Comandos já tinha avançado. Tinham combinado, comigo e com o Eanes, que a partir das oito da noite estavam autorizados a avançar com uma força. Mas a força já tinha avançado e, depois, por razões e por formas que eu não explico — não quero entrar em pormenores —, houve transmissões do Eanes para o Jaime Neves [comandante do Regimento de Comandos] que não funcionaram em determinada altura, mas afinal funcionaram muito bem. O que é facto é que não foi possível evitar esse confronto. E o confronto dá-se, morrem — não se sabe bem como — três militares. A ideia que há é que os dois comandos são mortos por atiradores que estavam em Cavalaria 7 [Regimento de Cavalaria 7, unidade estacionada junto a Belém], que era a unidade que estava do lado da Presidência, mesmo ao lado da Presidência. Portanto, daí, os esquerdistas atiram sobre eles. E também há a ideia de que terão sido atiradores civis, que estavam nos prédios ali, que atiraram sobre eles. É uma das dúvidas que ficam: quem é que atirou? Porque não foi a Polícia Militar que atirou contra os Comandos para matar os dois comandos. E há uma bala perdida que mata um oficial de Administração Militar que estava dentro do Regimento de Polícia Militar. Porque aquilo era, de facto, uma balbúrdia, todos os dias ia para lá gente que não pertencia à unidade.

 

Era um aspirante miliciano que pertencia a Queluz.

Sim, sim. Há três mortos, portanto. E depois nós conseguimos — como eu digo, o tal milagre funcionou —... As comunicações do Eanes com o Jaime Neves funcionaram e eu, por telefone, com o Campos Andrade, e o Eanes com o Jaime Neves, conseguimos parar o fogo de um lado e do outro. E pronto, houve essa situação.

 

E, quando a Ajuda cai, quando Lanceiros 2 cai, caiu a tentativa de insubordinação, de “golpe”? Era o último reduto?

Não. A tentativa de insubordinação já tinha caído. Como eu digo, Lanceiros não estava em qualquer tentativa sequer de insubordinação; estavam naquela de 'nós obedecemos ao Presidente da República'. Então, se obedecem ao Presidente da República, apresentem-se aqui. A ordem do Presidente da República — e fui eu que a transmiti ao Campos Andrade — era essa: apresentem-se aqui. E eu estou, desde a meia-noite até às oito e tal da manhã, a chatear o Campos Andrade. E ele é sempre 'mais um plenário, mais um plenário', porque aquilo era uma balbúrdia, ninguém decidia. E pronto, não obedeceram e deram origem a isso.

O coronel Vasco Lourenço tentou, ao longo do tempo, trazer clareza sobre o que foi o 25 de Novembro. Tal como Ramalho Eanes e outras figuras que o viveram por dentro também o fizeram. Mas a verdade é que o 25 de Novembro, 50 anos passados, parece hoje ainda mais politizado. Parece haver uma ala política, no Parlamento, mais à direita do que à esquerda, que tenta transformar o 25 de Novembro em algo talvez maior do que aquilo que ele foi. Ou seja, é importante na consolidação da democracia, mas não é equiparável ao 25 de Abril. É assim?

O que é que se passou? Passou-se, como eu lhe disse, que os 'falcões' — foi assim que eu os designei e continuo a designar — queriam sangue e queriam avançar para um regime de supressão de liberdades. Por exemplo, queriam ilegalizar o PCP, queriam claramente um novo 28 de Maio, queriam caminhar para uma ditadura. Isso é confirmado, inclusivamente, no ano passado numa entrevista que o Pacheco de Amorim [deputado do Chega, antigo quadro do MDLP, movimento bombista de extrema-direita] deu e em que revela que, no dia 29, tem uma conversa telefónica com o Jaime Neves e que o Jaime Neves lhe diz 'conseguimos alguma coisa, não conseguimos tudo aquilo que queríamos mas conseguimos alguma coisa'. Portanto, a extrema-direita queria mais disto, do 25 de Novembro. Mas a imagem que sai dali, a principal imagem, é que os grandes derrotados são o Partido Comunista e a extrema-esquerda. A extrema-esquerda, de facto, é totalmente derrotada, naquela altura sai do “comboio”, sai do processo institucional. O PCP é um vencido aparente mas não deixa de ser também um vencedor, porque se mantém no sistema, não é ilegalizado, mantém-se no Governo, inclusivamente, mantém-se na Assembleia Constituinte [assembleia eleita em 1975 para redigir a Constituição] e a Constituição é aprovada. Mas a imagem que muita gente tentou transmitir é a de que o 25 de Novembro se tinha limitado a correr com o PCP e com a extrema-esquerda.

 

Não é totalmente verdade.

Em parte é. Parou as tentativas do PCP de radicalização. Isso é verdade. Mas só isso. E isso foi o que ficou. Mas, ao mesmo tempo, o que é facto é que parou também a tentativa da extrema-direita, dos 'falcões', de radicalização. Depois, é evidente que a situação política foi derrapando, ou deslizando, lentamente para a direita. Estamos na situação em que estamos hoje. E, então, o que a extrema-direita quer é dizer agora que eles foram os vencedores do 25 de Novembro. Não foram. Eles foram vencidos! Eles aparecem com o chapéu de vencedores mas foram vencidos porque não atingiram aquilo que queriam. E, portanto, o que eu digo — eu, como um dos militares que estiveram envolvidos e que todos os anos, no 25 de Novembro, assumem essa condição — é que o 25 de Novembro foi o que faltou ao 5 de Outubro [de 1910, aquando da proclamação da República] para que não houvesse o 28 de Maio. O 25 de Novembro é aquilo que consegue fazer com que o 25 de Abril seja cumprido no seu essencial. No sentido de 'refundar' tudo: tudo continuou, é aprovada a Constituição, como estava previsto, e entrámos num regime democrático. Mas eles hoje parecem esquecer e querem apresentar-se como vencedores. A narrativa que querem impor é 'a única coisa que se fez no 25 de Novembro foi parar a esquerda'. Não é verdade. E eu pergunto: mas vocês querem comemorar o quê? A vossa derrota? Vocês foram derrotados. E depois há situações absolutamente fantoches, como a nomeação de uma comissão para fazer comemorações que já estão a ser feitas, organizadas pelas comemorações oficiais dos 50 anos do 25 de Abril. Epá, é isso que eu contesto. Porque acho que, de facto, o 25 de Novembro deve ser assinalado, mas o 25 de Novembro tem a particularidade de ser o último acontecimento em que se tentou, claramente, derrubar o 25 de Abril. As outras duas tentativas foram, claramente, da direita: o 28 de Setembro [de 1974, uma crise política em torno de uma manifestação da “maioria silenciosa” convocada por António de Spínola] e o 11 de Março [de 1975, a tentativa de golpe chefiada por Spínola também]. O 25 de Novembro é a última e, aparentemente, quem ataca é só a esquerda, mas a extrema-direita também atacou — e também foi vencida. Não se deu tanto por isso mas aconteceu.

 

Coronel Vasco Lourenço, uma pergunta muito simples. Toda a gente o conhece como um Capitão de Abril, uma figura fundamental da nossa democracia em 1974 e depois em 1975. Para si, quando alguém diz “o 25 de Novembro é igual ao 25 de Abril e tem de ser equiparado” — quando pedem feriado para este dia, por exemplo —, essa posição faz sentido?

Acho que é uma injúria ao 25 de Abril. Mas repare: o problema é que esses que dizem isso, logo no dia 25 de Abril de 1974 começaram a conspirar contra o 25 de Abril. E nós tivemos várias fases de conspiração desses contra o 25 de Abril. Em termos concretos, as fases principais foram o 28 de Setembro e o 11 de Março. O 25 de Novembro acaba com determinada bagunça, acaba com muita confusão, acaba com as tentativas de implantação, no terreno, de um 'poder popular', de uma 'democracia popular', acaba com aqueles que, também no terreno, queriam que aqui se instalasse um regime tipo socialismo ortodoxo. Mas acaba também com a ideia de que os setores à direita podem atingir os seus objetivos.

 

O vencedor do 25 de Novembro é o 25 de Abril, é isso?

Sim, é o 25 de Abril que sai reforçado. O programa que o MFA tinha apresentado a 25 de Abril é cumprido, há finalmente condições para isso. Agora, as democracias são isto: há sempre deslizes, a coisa vai deslizando e continua a deslizar hoje. Eu lembro-me de uma frase que se dizia na altura, quando a situação estava a deslizar, 'nós fomos capazes de fazer frente ao Vasco Gonçalves [general e primeiro-ministro entre 1974 e 1975, figura da ala esquerda do MFA, associado ao “gonçalvismo” e politicamente próximo do PCP] em determinada situação e agora não estamos a ser capazes de fazer frente a este deslizar suave para a direita?' Mas a democracia é isto. Hoje chegamos a um ponto em que há, formalmente, democracia — ainda se vota —, mas está no poder gente que parece querer soluções não democráticas, apesar de lá ter chegado democraticamente.

 

São os netos dos “falcões”?

[Risos] Sim, sim. Sim. São os netos e são os sobrinhos. O Nuno Melo [líder do CDS-PP e atual ministro da Defesa] acho que é sobrinho de um cónego, o cónego Melo [Eduardo Melo Peixoto, padre bracarense ligado à mobilização anticomunista no Minho e frequentemente associado às redes bombistas de extrema-direita ELP/MDLP], que foi um 'falcão' civil mas foi um 'falcão'. Aliás, nos 30 anos do 25 de Abril, deu uma entrevista em que disse que estava preparado um golpe deles para o dia 30 de novembro e, portanto, o 25 de Novembro antecipou-se [risos]. Mas nós temos o Pacheco de Amorim, que foi um dos dirigentes do MDLP [Movimento Democrático de Libertação de Portugal, rede terrorista/bombista de extrema-direita responsável por centenas de atentados no PREC]. Portanto, não são só os netos e os sobrinhos, há alguns próprios 'falcões' que estão no terreno, no poder, e estão a tentar…

 

Insubordinar-se.

Insubordinar-se. E alcançar aquilo que não conseguiram alcançar na altura. Os 'falcões' e os sobrinhos dos 'falcões' da extrema-direita acham que podem alcançar agora o que não conseguiram alcançar no 25 de Novembro. Acham agora que há condições para isso, pronto. No que me diz respeito, faço-lhes frente.

 

https://cnnportugal.iol.pt/25-de-novembro/vasco-lourenco/os-sobrinhos-dos-falcoes-da-extrema-direita-acham-que-podem-alcancar-agora-o-que-nao-conseguiram-alcancar-no-25-de-novembro/20251125/69247264d34e3caad84ba133?