domingo, 31 de maio de 2009

Traduzir-se - Ferreira Gullar

Assunto: ...IDAS E VINDAS DA ALMA...
Data: 31/Mai 13:04

QUEM OLHA PARA MIM NÃO DIZ....NÃO VÊ O QUE VAI CÁ DENTRO....SE EU PRÓPRIA POR VEZES NÃO ME ENTENDO! SOU MULTIFACETADA - AO MESMO TEMPO TRAVO UMA GUERRA; CANTO UMA CANÇÃO; QUERO QUE O MUNDO DESAPAREÇA; SORRIO AO OUVIR UM GORJEIO DE PÁSSARO; QUERIA ESTAR SÓ, NESTE MUNDO, MAS TAMBÉM POSSO SENTIR A FALTA DE TI, NEM QUE SEJA A VOZ DISTANTE...CREIO, DESCREIO DOS HOMENS E DO FUTURO.... TUDO SE PASSA AO MESMO TEMPO, MINHA ALMA É UM MAR EM TEMPESTADE, E EU VOU TENTANDO EQUILIBRAR O BARCO PARA NÃO AFUNDAR DE VEZ....O LEME É MEU CORAÇÃO...EM ANEXO, UM BEIJO!

.

Distribuído por Moranguinho Pereira (hi5)

.

.

TRADUZIR-SE

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
alomoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
_ que é uma questão
de vida ou morte _
será arte?

FERREIRA GULLAR

.

Frente a frente - Eugénio de Andrade

Nada podeis contra o amor,
contra a cor da folhagem,
contra a carícia da espuma,
contra a luz, nada podeis.

Podeis dar-nos a morte,
a mais vil, isso podeis
E é tão pouco!

EUGÉNIO DE ANDRADE
.
.
From Paula Moranguinho Pereira (hi5)
.
.

Imprensa on line, imprensa escrita e Blogs


DIGESTIVOS >>> Imprensa

Quarta-feira, 20/5/2009
Imprensa
Julio Daio Borges




Digestivo nº 416 >>> Amazon convida blogueiros para o Kindle
.
Enquanto a Economist desfere um novo golpe sobre os jornais, o New York Times estuda fechar seu site e Murdoch ameaça acabar com a festa do conteúdo aberto da News Corp, a Amazon tenta fazer uma média com o novo Kindle DX (supostamente concebido para vender assinaturas de jornal) enquanto acena com mais uma possibilidade de remuneração para os blogueiros (seus leitores pagariam assinaturas mensais, como as de um jornal). No Brasil, jornalistas de papel oscilam entre perder a cabeça (e atacar a nova mídia por causa de sua própria falência) e tentar entender o que está realmente acontecendo (porque também não adianta mais fingir que nada está acontecendo). Especialistas, assim como a Economist, afirmam que o Kindle DX não vai ressuscitar os jornais, da mesma forma que o iPod (e o iTunes) não ressuscitaram as gravadoras. Também alertam que a crise dos jornais não vai passar quando esta crise econômica acabar – a crise dos jornais é anterior e não pode ser revertida com subsídios governamentais (afinal, como a própria Economist reconhece, jornais sustentados pelo governo são, como bem sabemos no Brasil, uma contradição em termos). Os blogueiros – que não precisam inventar nenhum modelo de negócio, porque nunca precisaram de um para subsistir – estão numa posição favorável, com a ascensão do Twitter (um microblog, que ultrapassou New York Times e Wall Street Journal em abril), e, agora, com esse aceno da Amazon. Estima-se que os blogueiros vão receber 0,6 dólares, ou aproximadamente 1,2 reais, por leitor-assinante. Leitor-blogueiro: multiplique sua audiência e veja se compensa... (O Kindle já aceita blogueiros de fora dos EUA, embora, para receber o pagamento, seja um pouco mais complicado...)
.
>>> Kindle Publishing for Blogs




Digestivo nº 414 >>> Um golpe na economia da colaboração
.
Um dos assuntos preferidos da internet, nos últimos tempos, tem sido a crise dos jornais, seus muitos prejuízos, sua obsolescência programada e, fatalmente, seu desaparecimento. Foi, portanto, inesperado o recente golpe de Farhad Manjoo, colunista da Slate, sobre um dos pilares do jornalismo na internet, o “conteúdo colaborativo”. Manjoo começa revelando que, embora estejamos cansados de ouvir sobre o mau desempenho das empresas jornalísticas tradicionais, um dos maiores prejuízos do nosso tempo é causado, justamente, pelo YouTube, site de compartilhamento de vídeos. Neste ano – calcula um relatório do banco Credit Suisse –, estão estimadas perdas ao redor de 470 milhões de dólares para o Google (que arrematou o YouTube em 2006). Assim o Boston Globe, por exemplo, cujas perdas ficarão em “apenas” 89 milhões de dólares em 2009, revela-se, subitamente, cinco vezes mais “lucrativo” que o YouTube. Manjoo prossegue no seu raciocínio: assim como os jornais têm de pagar caro para derrubar árvores e fazê-las circular em forma de notícia, o YouTube tem de pagar caríssimo por uma conexão pantagruélica de internet, para estocar e entregar seus vídeos – em suma, ambos correm atrás de anunciantes fugidios que banquem seus custos proibitivos de armazenamento e logística. Em citação a Benjamin Wayne – presidente de um dos concorrentes do YouTube –, Manjoo igualmente afirma que nem o Google, com suas receitas mirabolantes, tem como sustentar uma empresa que perde quase meio-bilhão de dólares/ano. Farhad Manjoo, para piorar, considera que o YouTube é só a ponta do iceberg da economia do “conteúdo gerado pelo usuário” (locomotiva da famosa Web 2.0). Por mais que as práticas colaborativas tenham revolucionado ambientes como o da política nos Estados Unidos e áreas do conhecimento como o enciclopedismo, sites como a Wikipedia e Twitter não geram ainda ganhos proporcionais ao barulho que fazem. A justificativa de Manjoo para essa contradição é simples: anunciantes não se sentem à vontade em veicular seus produtos e marcas ao lado de textos, fotos e vídeos “artesanais” ou “caseiros”; sendo que os maiores sucessos de audiência, pelo menos em matéria de vídeos (os conhecidos “virais”), são, além de os mais caros de manter (porque os mais acessados), os mais constrangedores nos quais se anunciar – a ponto de o YouTube só conseguir vender publicidade para menos de 10% de seu acervo. E o Facebook segue na mesma linha: de acordo com o indefectível TechCrunch, a maior rede social do mundo gastava, no último levantamento, nada mais nada menos que 1 milhão de dólares mensais só de eletricidade, 500 mil dólares mensais em conexão de internet e mais de 2 milhões de dólares por semana em novos servidores (para dar conta das quase 1 bilhão de fotos postadas por seus usuários todo mês). Farhad Manjoo conclui – para enterrar as últimas esperanças do jornalismo colaborativo – que os internautas, atualmente, pagam é pelo velho conteúdo gerado por profissionais. Entre os quais: música vendida através do iTunes e assinaturas on-line do Wall Street Journal. Sem contar o Hulu (outro concorrente do YouTube), que veicula filmes e séries de TV, e que parece estar ensinando ao todo-poderoso Google como atrair anunciantes numa proporção muito mais interessante. Farhad, por fim, admite que o “conteúdo gerado pelo usuário” transformou definitivamente o mundo – mas é pena que ninguém ainda tenha descoberto um jeito de ganhar dinheiro com ele...
.
>>> Do You Think Bandwidth Grows on Trees?
.




Digestivo nº 413 >>> A Revista de Cultura do Itaú Personnalité
.
Para quem não tem mais paciência de folhear as revistas ditas “de cultura” nas bancas de jornal, surgiu uma alternativa salvadora: a Revista do Itaú Personnalité. Produzida pelo núcleo de “customizadas” da editora Trip, que já foi responsável pelas revistas da Mitsubishi e da Gol, entre outras, a do Itaú Personnalité (o segmento private do Itaú) não decepciona, porque: primeiro, não se pauta pela agenda; segundo, não tem vergonha de ser highbrow (principalmente num mercado pós-Piauí); e, terceiro, foge corajosamente da celibritite aguda, perfilando verdadeiros nomes da cultura. Assim, para começar, tem Luiz Schwarcz, editor-fundador da Companhia das Letras, entrevistado por Oscar Pilagallo, criador da extinta revista Entrelivros. Segue com Marta Góes, autora de Um Porto para Elizabeth Bishop (e mãe de Antonio Prata), assinando perfil sobre Myrna Domit, filha da nossa elite mas preocupada com o mundo. Prossegue com Ana Paula Sousa, ex-editora de cultura de Carta Capital, revelando Fátima Toledo, a preparadora de atores por trás de Cidade de Deus e Tropa de Elite. E encerra com Carlos Haag, ex-editor de cultura do Valor Econômico, conversando com o eternamente lacônico Nelson Freire (complementado por uma entrevista com o documentarista João Moreira Salles). Entre outras matérias interessantes... Se, nos programas da rádio Eldorado, Paulo Lima, cérebro da Trip, vêm flertando com autênticos representantes do pensamento brasileiro contemporâneo, como Luiz Felipe Pondé e Contardo Calligaris, no núcleo de customizadas da sua editora vemos frutificar uma publicação que aposta seriamente na alta cultura, justo num momento em que os jornais morrem ao redor do globo e muitos se sentem, intelectualmente, órfãos.
.
>>> Revista do Itaú Personnalité
.




Digestivo nº 411 >>> Viva e deixe morrer(em)... os jornais
.
“Se a General Motors quebrar, ainda vão existir carros; e, se o New York Times falir, ainda vai haver notícias”. Com essa máxima, Michael Kinsley, colunista semanal do Washington Post, encerra mais um capítulo sobre o epitáfio dos jornais. Inaugurando uma nova postura, em relação à velha mídia, Kinsley não parece preocupado com o ocaso de uma indústria da qual faz parte seu empregador... O colunista do Post começa afirmando que os jornais sempre foram um monopólio – considerados, inclusive, uma “exceção” dentro da lei antitruste. E os antigos donos de jornal, se hoje ressuscitassem, jamais acreditariam que sua tragédia seria, justamente, não pagar papel, impressão e distribuição. Sua tragédia seria... a internet. Kinsley concede que os jornais poderiam ter mantido seus classificados (on-line); que os jornais poderiam, inclusive, ter inventado as redes sociais... Mas o típico executivo de jornal – Michael Kinsley faz a comparação – é como um urso de cérebro limitado. Até há pouco tempo, esse pequeno cérebro bastava; agora, nem com um think tank de gênios os jornais poderão ser salvos. Indústrias vem e vão, ele consola, invocando Schumpeter. E quem cresceu entre computadores acha tão chato ler em papel (jornal) quanto velhos dinossauros acham ler na tela... “Vocês querem enfiar informação jornalística, goela abaixo, em nome da democracia?”, Kinsley provoca. Lê-se mais notícias (e mais análises) do que nunca atualmente – só que on-line. E talvez o “jornal” do futuro seja mais ou menos parecido com o jornal de agora – só que sem papel. “Num tom mais casual, mais opinativo e participativo”, conclui. Uma única entidade ou uma lista de links “favoritos”? O certo é que Michael Kinsley não arrisca sobre o futuro das velhas empresas de notícias... (E tem sempre a alternativa de voltar para a Slate, da qual foi editor.)
-
>>> Life After Newspapers
.




Digestivo nº 410 >>> Associated Press matando os jornais?
.
É como se um sussurro se convertesse em um urro, ao longo dos anos, sentenciou Tom Curley, presidente da Associated Press, sobre a grita recente dos jornais, contra o oferecimento de notícias gratuitas na internet (que os está matando lentamente). O raciocínio é simples – e até os jornais brasileiros já entenderam: se você disponibiliza notícias gratuitamente na Web, você as “comoditiza”; se elas estão disponíveis para todo mundo, como é que você vai querer cobrar por elas? Em um ensaio para a última edição do American Journalism Review, Paul Farhi, repórter do Washington Post, sugere que grande parcela da culpa, pelo atual estado de coisas, é da Associated Press (AP) – que, em 1998, assinou, pela primeira vez, com um portal aberto, o jovem Yahoo. Até então, o material da AP só estava disponível em serviços “fechados”, que cobravam por acesso, como AOL, Compuserve e Prodigy. A AP, em sua defesa, diz hoje que, se não abrisse seu conteúdo para o Yahoo, a Reuters iria acabar fazendo isso (como já estava ameaçando, aliás). O fato é que, uma vez publicado na chamada “internet aberta”, esse conteúdo caía, fatalmente, na mãos dos web spiders, do Google (por exemplo), e – voilà – uma infinidade de sites (e blogs etc.) poderia dispor dele livremente. A maior ironia, dessa história toda, é que a Associated Press é mantida, ainda, por muitos jornais, que estão fechando (alimentando-se, inclusive, de material produzido por eles) – e, portanto, tende a desaparecer, seguindo a lógica da crise da imprensa-impressa... Depois de anos fingindo que nada estava acontecendo, os jornalistas começaram uma caça às bruxas. No Brasil, será que vai sobrar, também, para as agências de notícias?
.
>>> A Costly Mistake?
.
In Digestivo Cultural
.
.

Para entender a internet, por Juliano Spyer .




Digestivo nº 409 >>> Para entender a internet, por Juliano Spyer
.
PDFs proliferam na internet em língua inglesa e hispânica. Artigos, ensaios, livros... circulam, livremente, há anos – contrariando o veredito segundo o qual “ninguém aguenta ler na tela”. Ninguém aguenta mesmo – e é por isso que todo mundo imprime! Quando é que os fanáticos pela impressão em gráficas vão entender isso? Juliano Spyer, que já traduziu conceitos básicos da internet para os nossos jornalistas (em vão?), decidiu ir além e organizar um livro colaborativo (o primeiro, em PDF, no Brasil?). Abriu um verbete central na Wikipedia e, navegando por subtópicos relacionados à internet, designou um conceito para cada participante do livro, que ficou incumbido de elaborar um capítulo em 500 palavras (sem a obrigação de estar de acordo com as normas da enciclopédia livre). O resultado saiu em tempo recorde, surpreendendo o próprio Spyer, e pode ser acessado, gratuitamente, em PDF, desde meados de março. Tem “capital social” por Cris Dias, “cultura do remix” por Alexandre Matias, “rede social” por Raquel Recuero, “micro-blogging” por Fábio Seixas, “propaganda on-line” por Carlos Merigo e “cyberbullying” por Rosana Hermann, entre outros, muitos outros – são quase 40 autores e assuntos. Embora não tenha havido edição propriamente dita, o resultado é agradavelmente uniforme, permitindo uma leitura prazerosa e assaz informativa. A ideia, agora, é gerar discussão na própria internet, provocar correções, devolver aos autores, encontrar uma editora interessada e, aí sim, imprimir. Juliano Spyer mostra que a internet brasileira amadureceu e não espera mais ser traduzida pelo imprensa tupiniquim.
-
>>> Para entender a internet
.
In Digestivo Cultural
.
.

Juareiz Correya: O poema que Maiakovski não escreveu


11 DE MAIO DE 2009 - 19h23


“Na primeira noite eles se aproximam / roubam uma flor / do nosso jardim./ E não dizemos nada./ Na segunda noite, já não se escondem : / pisam as flores, / matam nosso cão, / e não dizemos nada./ Até que um dia / o mais frágil deles / entra sozinho em nossa casa, / rouba-nos a luz, e, / conhecendo o nosso medo / arranca-nos a voz da garganta./ E já não dizemos nada.”

.
Por Juareiz Correya, em seu blog.


.

Um poeta brasileiro, autor destes versos, tem sido confundido, com freqüência, nas quatro últimas décadas, com o poeta russo Wladimir Maiakovski. Os equívocos cometidos, as leituras apressadas, uma provável desatenção e, até mesmo, certo descaso com a produção poética brasileira contemporânea, já produziram interpretações impensadas e informações à beira de um ataque de sandice no meio cultural brasileiro.

.

Comentários e artigos de algumas personalidades, de gente ilustrada e lida, têm reanimado a confusão e perpetuado um erro, no mínimo, culpado por uma séria injustiça que desvaloriza um dos grandes nomes da poesia brasileira particularmente criada na segunda metade do século 20.

.

O poeta em questão o fluminense Eduardo Alves da Costa, nascido em Niterói (RJ) e, paulistanizado desde os anos 60, reconhecidamente um dos mais expressivos poetas de São Paulo, cidade cuja produção poética é rica também por contar, em sua geração, com nomes da grandeza de um Álvaro Alves de Faria, Alberto Beuttenmuller, Eunice Arruda, Renata Pallotini, Cláudio Willer, Jaa Torrano, Érico Max Muller, Roberto Piva, entre outros.

.

Confundem o seu nome com o de Maiakovski por causa da publicação do seu poema, justamente intitulado “No caminho, com Maiakovski”, incluído originalmente no seu livro O Tocador de Atabaque, lançado em São Paulo no ano de 1969.

.

A Editora Nova Fronteira, do Rio de Janeiro, ao publicar a poesia reunida de Eduardo Alves da Costa, em 1985, com o título geral No Caminho, com Maiakovski, transcreveu os versos iniciais (que é a única parte conhecida do poema) com esta nota explicativa : “A autoria deste poema tem sido atribuída, por equívoco, ao poeta russo Vladimir Maiakovski. O poema foi escrito por Eduardo Alves da Costa, em 1964.” Mas, assim mesmo, os equívocos continuaram e continuam, nos dias de hoje, por este Brasil desmemoriado afora.

.

É preciso que se reconheça a importância de Eduardo Alves da Costa como um dos grandes nomes da poesia brasileira do século 20. E isso não apenas por ombrear-se ao gigante russo Maiakovski, caminhando ao seu lado e lhe ditando, com o sangue dos seus versos candentes, a alma mestiça da América brasileira pulsando ritmada o seu discursivo e belo poema citado, e, sim, também, pela notável criação plena de verdade e consciência crítica dos seus poemas, a exemplo de O tocador de atabaque, A rosa de asfalto, A cama de pregos, Ouço ruído de tambores, Tentativa para salvar a poesia, Canção para o meu tempo, Sugestões para elaboração de um novo mural na ONU, Banana split, Tropas, Nova presença no mundo e Na terra dos brucutus, entre outros, todos (imperdíveis e leitura obrigatória para quem se sente brasileiro e latino-americano) publicados no No caminho, com Maiakoviski.

.

No Caminho, com Maiakóvski

.

Eduardo Alves da Costa

.

Assim como a criança
humildemente afaga
a imagem do herói,
assim me aproximo de ti, Maiakóvski.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem.

.

Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

.

Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz;
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de me quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas manhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.

.

Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne aparecer no balcão.
Mas eu sei,
porque não estou amedrontado
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais.

.

Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado,
no plantio.
Mas ao tempo da colheita
lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.

.

E por temor eu me calo,
por temor aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita - Mentira!

.

Fonte: http://blig.ig.com.br/juareizcorreya/

.

in Vermelho -

.

.

Centenário de Patativa do Assaré

31 DE MAIO DE 2009 - 09h56

Senado homenageia Centenário de Patativa do Assaré


O centenário do poeta Patativa do Assaré recebe homenagem em sessão solene do Senado marcada para a próxima quarta-feira (03), a partir das 14 horas. O autor do requerimento de homenagem é o Senador Inácio Arruda.


Além da sessão, a vida e obra do compositor e poeta cearense serão revisitadas em uma exposição e várias apresentações musicais: “Uma significativa geração de poetas populares cresceu inspirada pela produção de Patativa do Assaré. Ao dedicar um ano a ele, o Brasil estará celebrando a mais autêntica forma de manifestação da arte popular brasileira.


Com os eventos decorrentes dessa homenagem, será possível estender o conhecimento de sua obra por todas as regiões do País, particularmente pelas gerações mais novas”, afirma o Senador Inácio Arruda.


O parlamentar também tem um projeto, já aprovado pelo Senado e que tramita na Câmara dos Deputados, que institui 2009 como Ano Nacional Patativa do Assaré, uma maneira de prestar reconhecimento a esse artista de destaque, a exemplo do que aconteceu com Santos Dumont, em 2006, Oscar Niemeyer em 2007 e Machado de Assis, em 2008.


Fonte: Assessoria de imprensa do Senador Inácio Arruda

.
in Vermelho
.
.

Montalbano x Montalbano: detetives não se encontram

31 DE MAIO DE 2009 - 03h30


Foi lançado na Itália nesta sexta-feira (29) La Danza del Gabbiano (A dança da gaivota), o mais recente romance policial do impagável detetive siciliano Salvo Montalbano. Entre outras peripécias, o personagem do também siciliano Andrea Camilleri recusa-se a arrsicar um encontro com o ator Lula Zingaretti, que o interpreta há dez anos em um também popular seriado na TV italiana.


Camilleri e a estátua de Montalbano em Porto Empedocle

Em seu novo giallo (''amarelo'', como os italianos chamam os romances policiais), o comissário de polícia Montalbano, de férias, reluta em atender ao pedido de eterna noiva, Livia, para que façam o circuito das cidades barrocas sicilianas:


– Eu não gostaria que enquanto estivéssemos lá rodassem algum episódio da série de TV... – diz Montalbano.

– E qual é o problema, por favor? – dispara a noiva, sempre de pavio curto.

– E se por acaso eu me encontro com o ator que faz a mim mesmo... como se chama... Zingarelli...

– Se chama Zingaretti – corrige Livia, – não finja que erro. Além disso, vocês nem mesmo se parecem, ele é bem mais jovem que você.


A gaivota do título abre o romance, avistada por Montalbano da janela de sua casa na cidadezinha imaginária de Vigàta, em tudo semelhante à Porto Empedocle, onde Camilleri nasceu, 84 anos atrás. Mas a trama principal gira em torno do desaparecimento do inspetor Fazio, fiel escudeiro do comissário. E até o primeiro ministro Silvio Berlusconi faz uma ponta, às voltas com seu recente divórcio por andar atrás de saias adolescentes.

Camilleri criou Montalbano aos 59 anos de idade (antes escrevia livros esporadicamente, enquanto se dedicava ao cinema), com A forma da água. Batizou o personagem numa homenagem ao escritor policial catalão Manuel Vázquez Montalbán.

Rapidamente seus giallos o transformaram em celebridade nacional e internacional – no Brasil, é publicado pela Record. Montalbano é comparado aos heróis clássicos da literatura policial, como o parisiense inspetor Maigret (de Georges Simenon) e o belga radicado em Londres Hercule Poirot (de Agatha Christie), ou mesmo ao arquétipo do gênero, o inglês Sherlock Holmes (de Conan Doyle).

Cheios de sarcasmo, inclusive político, os romances de Montalbano estão longe de ser subliteratura. Neles, Camilleri se diverte brincando com a língua, misturando o italiano com o dialeto e a gíria de sua Sicília natal. Não hesita sequer em usar termos que só são conhecidos em sua província de Agrigente, no sudoeste da ilha. É considerado um terror para os tradutores.

Um espetáculo à parte é proporcionado pelas proezas gastronômicas de Montalbano. Devoto da cozinha siciliana, forte em frutos do mar e tradições populares, o comissário leva o assunto pelo menos tão a sério como a investigação de seus crimes. Quando senta-se à mesa, não admite sequer uma conversa trivial antes que a refeição se conclua.

Da redação, com agências

in Vermelho -
.
.

Adivinhação do Inferno - José Eduardo Águalusa


clicar na imagem para ler
.
in Pública, 2000.08.13
.
.

sábado, 30 de maio de 2009

Dois horizontes fecham a nossa vida - Machado de Assis

Assunto: MAR...MEU CONFIDENTE...
Data: 30/Mai 15:54

NO MAR NÃO HÁ HORIZONTES....ELE PROLONGA-SE PELO CÉU. COMEÇAMOS A OLHAR A ONDINHA QUE DESMAIOU A NOSSOS PÉS....VAMOS ALONGANDO O OLHAR, ATIRANDO-O PARA LONGE, SEMPRE PARA MAIS LONGE. QUANDO ATINGIMOS UMA LINHA ELEVAMOS A CABEÇA, E CONTINUAMOS A VIAGEM, AGORA NO SENTIDO CONTRÁRIO.....BREVE, BREVE ESTAMOS A OLHAR PARA O INFINITO POR CIMA DE NÓS....A DISTÂNCIA É DESIGUAL, MAS O PRINCÍPIO É O MESMO DA ONDINHA....POR ISSO EU DEITO MEUS SONHOS AO MAR....SEI QUE VIRÃO TER COMIGO!EM ANEXO, UM BEIJO!

.

Distribuído por Moranguinho Pereiea (hi5)

.

.

DOIS HORIZONTES FECHAM A NOSSA VIDA


Um horizonte, — a saudade
Do que não há de voltar;
Outro horizonte, — a esperança
Dos tempos que hão de chegar;
No presente, — sempre escuro, —
Vive a alma ambiciosa
Na ilusão voluptuosa
Do passado e do futuro.


Os doces brincos da infância
Sob as asas maternais,
O vôo das andorinhas,
A onda viva e os rosais.
O gozo do amor, sonhado
Num olhar profundo e ardente,
Tal é na hora presente
O horizonte do passado.


Ou ambição de grandeza
Que no espírito calou,
Desejo de amor sincero
Que o coração não gozou;
Ou um viver calmo e puro
À alma convalescente,
Tal é na hora presente
O horizonte do futuro.


No breve correr dos dias
Sob o azul do céu, — tais são
Limites no mar da vida:
Saudade ou aspiração;
Ao nosso espírito ardente,
Na avidez do bem sonhado,
Nunca o presente é passado,
Nunca o futuro é presente.


Que cismas, homem? — Perdido
No mar das recordações,
Escuto um eco sentido
Das passadas ilusões.
Que buscas, homem? — Procuro,
Através da imensidade,
Ler a doce realidade
Das ilusões do futuro.


Dois horizontes fecham nossa vida.

MACHADO DE ASSIS

.
.

Elogio do Revolucionário - Bertold Brecht

.


Quando aumenta a repressão, muitos desanimam.
Mas a coragem dele aumenta.
Organiza sua luta pelo salário, pelo pão
e pela conquista do poder.
Interroga a propriedade:
De onde vens?
Pergunta a cada idéia:
Serves a quem?
Ali onde todos calam, ele fala
E onde reina a opressão e se acusa o destino,
ele cita os nomes.
À mesa onde ele se senta
se senta a insatisfação.
À comida sabe mal e a sala se torna estreita.
Aonde o vai a revolta
e de onde o expulsam
persiste a agitação.

BERTOLD BRECHT
.
From Paula Moranguinho Pereira (hi5)
.
.

O Caderno, de José Saramago


Desencanto

.

Maio 29, 2009 by José Saramago
.

Todos os dias desaparecem espécies animais e vegetais, idiomas, ofícios. Os ricos são cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. Cada dia há uma minoria que sabe mais e uma minoria que sabe menos. A ignorância expande-se de forma aterradora. Temos um gravíssimo problema na redistribuição da riqueza. A exploração chegou a requintes diabólicos. As multinacionais dominam o mundo. Não sei se são as sombras ou as imagens que nos ocultam a realidade. Podemos discutir sobre o tema infinitamente, o certo é que perdemos capacidade crítica para analisar o que se passa no mundo. Daí que pareça que estamos encerrados na caverna de Platão. Abandonamos a nossa responsabilidade de pensar, de actuar. Convertemo-nos em seres inertes sem a capacidade de indignação, de inconformismo e de protesto que nos caracterizou durante muitos anos. Estamos a chegar ao fim de uma civilização e não gosto da que se anuncia. O neo-liberalismo, em minha opinião, é um novo totalitarismo disfarçado de democracia, da qual não mantém mais que as aparências. O centro comercial é o símbolo desse novo mundo. Mas há outro pequeno mundo que desaparece, o das pequenas indústrias e do artesanato. Está claro que tudo tem de morrer, mas há gente que, enquanto vive, tem a construir a sua própria felicidade, e esses são eliminados. Perdem a batalha pela sobrevivência, não suportaram viver segundo as regras do sistema. Vão-se como vencidos, mas com a dignidade intacta, simplesmente dizendo que se retiram porque não querem este mundo.

.

Publicado em O Caderno de Saramago
.
.

O Lendário Lucas da Feira




29-05-2009 06:05:29
Da Redação: Fonte - GILFRANCISCO
.

O artigo Lucas da Feira publicado no Diário Oficial nos dias 8 e 11 de novembro de 1896, escrito pelo médico e historiador baiano, Alexandre José de Melo Moraes Filho (1844-1919), anos depois foi enfeixado no livro “Festas e Tradições Populares do Brasil”, prefaciado por Sílvio Romero (1851-1914) e publicado em 1901. Melo Moraes Filho nasceu no dia 23 de fevereiro de 1844, na cidade de Salvador-BA, lutou com muitas dificuldades para instruir-se. Depois dos estudos preliminares, matriculou-se no Seminário de São José do Rio de Janeiro, chegando a receber ordens menores e a pregar sermões. Desistindo da vida eclesiástica, embarcou com destino à Bahia, em 1867. Retornou ao Rio de Janeiro, indo morar numa república de estudantes onde conhece, entre outros, Castro Alves, vivendo dias difíceis, fazendo jornalismo e literatura. Recebeu um convite para dirigir O Eco Americano, em Londres. Na Bélgica, fez o curso médico e ao retornar ao Brasil, dedicou-se ao jornalismo. Publicou: Cantos do Equador; Ciganos no Brasil; Curso de Literatura Brasileira; Festas Populares do Brasil; Cancioneiro dos ciganos; Paraíso Brasileiro; Fatos e Memórias; Cantares; Saraus e Serenatas; Artistas do meu tempo, entre outros.


.
Bandoleiro nascido em Feira de Santana-BA (1804-1849), chefe de bando temível, terror de sua região durante 20 anos, tornou-se personagem da literatura popular: ABC de Lucas da Feira, de Sousa Velho; Lucas, o salteador, de Virgílio César Martins Reis e Artur Cerqueira Lima; Lucas, o demônio negro, no romance folclórico (1857) de Sabino de Campos. Sílvio Romero em seus “Estudos sobre a Poesia Popular do Brasil”, publicado em 1889, apresenta dez estrofes sobre o bandoleiro da “Princesa do Sertão”, versão de Sergipe:
.

O Lucas da Feira

.
Adeus, terra do limão,
Terra onde fui nascido;
vou preso para a Bahia
Levo saudades comigo.
.

Eu vou preso pra Bahia,
Eu vou preso, não vou só;
só levo um pesar comigo;
É da filha do Major.

.
Eu vou preso pra Bahia,
Levo guarda e sentinelas,
Para saber quanto custa
Honra de moças donzelas.

.
Estes sócios meus amigos
De mim não têm que dizer;
Que por eu ver perdido,
Não boto outro a perder.

.
Estes sócios meus amigos
A mim fizeram traição;
Ganharam o seu dinheiro
Me entregaram à prisão.

.
Meus amigos me diziam
Que deixasse de função,
Que o Casumbá por dinheiro
Fazia as vezes do cão.
.

Vindo eu de lá da festa
De São Gonçalo dos Campos,
Com o susto do Casumbá
Caiu-me a espada da mão.
.

Já me quebraram o braço,
Já me vou a enforcar,
Como sei que a morte é certa,
Vou morrendo devagar.

.
Quando na Bahia entrei.
Vi muita cara faceira;
Brancos e pretos gritando:
Lá vem o Lucas da Feira!

.
Quando eu no Rio entrei,
Caiu-me a cara no chão;
A Rainha veio dizendo:
Lá vem a cara do cão.

.
Considerado precursor de Lampião, o negro Lucas da Feira foi o terror do sertão baiano durante vinte anos. Lucas foi o assombro, o pesadelo dos sertanejos. Contaram-se por centenas as suas vítimas, o negro salteador, ladrão e assassino, raptou e violentou inúmeras donzelas, matando-lhes os pais e irmãos, se estes ofereciam resistência à sua lubricidade. As façanhas desse bandido perduram até hoje na tradição oral dos feirenses e na literatura de Cordel. O cearense Leonardo Mota no livro “No Tempo de Lampião”, publicado pelo livreiro-editor A. J. de Castilho, em 1921, recolheu na Bahia vários depoimentos sobre Lucas da Feira:
.

“O que ele era era um grandessíssimo desalmado. Era perverso, era levado do não-sei-que-diga, mas era frouxo: mijou-se todo na hora da morte...”


***


“Lucas foi o diabo em figura de cristão, Deus o perdoe! Aquilo não era gente. Uma vez ele agarrou um negro beiçudo na estrada e sabe o que fez com ele? Prendeu com prego caibral o beijo do infeliz numa árvore. Quando acabou, disse ao suplicante que ia não sei aonde e mais tarde voltaria para o capar. Foi ele se afastar, o negro fez fincapé, rasgou o beiço e ganhou o mundo na carreira, porque só assim se livraria da outra ameaças, a mais perigosa. E sabe? O Lucas estava numa moita escondido e se rindo: ele queria era que o negro mesmo rasgasse o beiço...”


****


“Fui o Cazumbá. Esse Cazumbá era um oficial de justiça criminoso que, a promessa de perdão do crime e com o olho no dinheiro do prêmio, perseguiu e prendeu o Lucas. Na hora da prisão deu-lhe dois tiros no braço esquerdo. O braço arruinou e os médicos tiveram de o cortar. Dizia o finado meu pai que foi uma coisa engraçada... Depois da operação, um menino pegou o braço do Lucas e saiu correndo pra rua, pra mostrar ele ao povo. Um sapateiro correu em casa, trouxe uma palmatória e esmagou com “bolos” de sustância a mão do Lucas, o povo todo achando graça nisso, satisfeito...”


***


Escravo fugido da Fazenda Saco do Limão, do padre José Alves Franco, Lucas Evangelista teria nascido em 18 de outubro de 1807, filho de Inácio e Maria escravos jêjes. Robusto, Lucas foi crescendo observando o terrível drama da escravidão e procurava vingar-se, a seu modo, das repetidas crueldades do feitor. Adolescente ainda organizou um bando para reagir contra a desumanidade dos feitores, em pouco tempo o grupo já contava cerca de trinta homens, entre negros e mulatos, todos escravos fugitivos. Devido as perseguições, prisões, mortes e deserções, o bando diminuía a cada dia e Lucas acabou ficando sozinho.

.
Figura controvertida, era, para uns, um cruel salteador e, para outros um negro que se recusara a viver como escravo. Em conferência no Instituto Histórico e Geográfico da Bahia – IHGB, em 1949, ocasião do centenário da morte do facínora, o professor Alberto Silva relata vários crimes praticados por Lucas da Feira, alguns já mencionados por Leonardo Mota. Já de acordo com Melo Moraes Filho “A acreditar-se em boatos, o salteador da Feira distribuía o que roubava com alguns negociantes da cidade e altas influências políticas, motivo por que escapava às tocaias e esperava certeiro os comerciantes em trânsito, conduzindo por mais de vinte anos uma vida de roubo, de devastação e de morticínios.” (Diário Oficial)
.

Nesta mesma edição do Diário Oficial, Melo Moraes Filho, afirma que:

.
“Uma ocasião, um negociante, que ia para a Feira, meteu por prevenção o dinheiro que levava, dentro da gravata e pequena quantia no bolso, que era para Lucas, como ele dizia.

.
Na estrada, este sai-lhe ao encontro e obriga-o a entregar o que trazia, ao que o viandante sem réplica acendeu, franqueando-lhe as algibeiras.

.
O salteador, mirando-o de cima a baixo, saqueia-o, e, apenas o manda embora, fá-lo voltar.
Meu ioiô, disse Lucas, dê a seu negro essa gravata, senão morre.

.
O pobre homem, que supunha-se escapo com a vida e o dinheiro, não hesitou um instante, desatou-a a entregou desconfiado, assustado.”

.
Cercado pelo tenente-coronel Dionísio de Cerqueira Pinto, Lucas da Feira foi finalmente capturado em 12 de janeiro de 1849 num esconderijo próximo ao Rio Jacuípe e ao tentar fugir foi baleado e devido a gravidade dos ferimentos teve o braço amputado. Julgado e condenado à morte, conduzido ao Rio de Janeiro foi recebido por Sua Majestade, o Imperador, que desejava conhecê-lo. Regressando a Salvador, em seguido levado à Feira de Santana, onde foi enforcado no Campo do Gado às 10 h, da manhã do dia 29 de setembro de 1849, depois de receber o conforto espiritual do padre Tavares e de dois vigários, aos 42 anos.
.

GILFRANCISCO: jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com
.
.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Parolagem da vida - Carlos Drummond de Andrade

Aqui escrevo o sumário do artigo
Assunto: SABER VOAR...
Data: 29/Mai 7:32

POR VEZES A VIDA ME TRITURA COMO SE SENTISSE FOME...ME MASTIGA, MASTIGA, MASTIGA....FAZENDO-ME ANDAR, DE CABEÇA PERDIDA, DE UM LADO PARA O OUTRO, SEM PORTA DE SAÍDA...DEPOIS SE LEMBRA QUE SOU SUA FILHA...SENTE PIEDADE E ME ATIRA PARA FORA. CAIO NO MUNDO, ESPANTADA POR AINDA ESTAR VIVA...ME LEVANTO, OLHO EM VOLTA, MEDITO...O MUNDO É MAIS PERIGOSO...HÁ QUE TER ATENÇÃO ONDE COLOCAMOS OS PÉS POIS PODE SER AREIA MOVEDIÇA...SOBRETUDO SE QUEREMOS AMAR E SER AMADOS. AH! MAS A FORÇA DO CORAÇÃO TUDO INVENTA E TUDO VENCE!....É AREIA MOVEDIÇA???ENTÃO....VOU VOAR POR CIMA DELA ATÉ CONQUISTAR O MEU OBJECTIVO! EM ANEXO, UM BEIJO!

.

Distribuído por Moranguinho Pereira (hi5)

.

PAROLAGEM DA VIDA
.
Como a vida muda.
Como a vida é muda.
Como a vida é nula.
Como a vida é nada.
Como a vida é tudo.
Tudo que se perde
mesmo sem ter ganho.
Como a vida é senha
de outra vida nova
que envelhece antes
de romper o novo.
Como a vida é outra
sempre outra, outra
não a que é vivida.
Como a vida é vida
ainda quando morte
esculpida em vida.
Como a vida é forte
em suas algemas.
Como dói a vida
quando tira a veste
de prata celeste.
Como a vida é isto
misturado àquilo.
Como a vida é bela
sendo uma pantera
de garra quebrada.
Como a vida é louca
estúpida, mouca
e no entanto chama
a torrar-se em chama.
Como a vida chora
de saber que é vida
e nunca nunca nunca
leva a sério o homem,
esse lobisomem.
Como a vida ri
a cada manhã
de seu próprio absurdo
e a cada momento
dá de novo a todos
uma prenda estranha.
Como a vida joga
de paz e de guerra
povoando a terra
de leis e fantasmas.
Como a vida toca
seu gasto realejo
fazendo da valsa
um puro Vivaldi.
Como a vida vale
mais que a própria vida
sempre renascida
em flor e formiga
em seixo rolado
peito desolado
coração amante.
E como se salva
a uma só palavra
escrita no sangue
desde o nascimento:
amor, vidamor!
.
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

.
.

Tristeza não tem fim - Vinicius de Morais

Tristeza não tem fim
Felicidade sim
.
A felicidade é como a gota
De orvalho numa pétala de flor
Brilha tranquila
Depois de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor
.
A felicidade do pobre parece
A grande ilusão do carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
Para fazer a fantasia
De rei ou de pirata ou jardineira
Para tudo se acabar na quarta-feira

Tristeza não tem fim
Felicidade sim

A felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve
Mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar
.
A minha felicidade está sonhando
Nos olhos da minha namorada
É como esta noite, passando, passando
Em busca da madrugada
Falem baixo, por favor
Para que ela acorde alegre com o dia
Oferecendo beijos de amor
.
VINÍCIUS DE MORAES
.
From Paula Moranguinho Pereira (hi5)
.

Pequena biblioteca monstruosa - José Eduardo Águalusa


clicar na imagem para jer

Pública recorte sem data
.
In Pública

quarta-feira, 27 de maio de 2009

A Lição de Poesia - João Cabral de Melo Neto

Assunto: ESCOLA DA VIDA
Data: 26/Mai 15:21

A CADA MOMENTO SE APRENDE - POBRE DOS QUE SABEM TUDO.... - E O NOVO QUE APARECE, AINDA QUE SEJA DORIDO, É MAIS VIDA QUE SE ARMAZENA NO NOSSO CORAÇÃO....TEM MOMENTOS EM QUE PARECE QUE ESQUECEMOS TUDO, AÍ, O QUE SE PASSA Á NOSSA VOLTA É COMO UM CAOS FERVILHANDO....DÁ MEDO! APETECE FICAR....PERMANECER....MAS A ALMA TEM A DIMENSÃO DO SONHO E DEIXA SEMPRE A PORTA ABERTA....APROVEITEMOS A ÚLTIMA FORÇA PARA AÍ, DEVAGAR, NOS DIRIGIRMOS E, NESSA NOSSA MAIOR DIMENSÃO PROCURAR O PONTO MAIS ILUMINADO. ESTAMOS NÚS, MAS ESSA LUZ NOS VAI VESTINDO SUAVEMENTE, E VOLTAMOS, MAIS FORTES, PARA A ESCOLA DA VIDA....EM ANEXO, UM BEIJO!

.

Distribuído por Moranguinho Pereira (hi5)

.

.

A LIÇÃO DE POESIA
1.

Toda a manhã consumida
como um sol imóvel
diante da folha em branco:
princípio do mundo, lua nova.

Já não podias desenhar
sequer uma linha;
um nome, sequer uma flor
desabrochava no verão da mesa:

nem no meio-dia iluminado,
cada dia comprado,
do papel, que pode aceitar,
contudo, qualquer mundo.

2.

A noite inteira o poeta
em sua mesa, tentando
salvar da morte os monstros
germinados em seu tinteiro.

Monstros, bichos, fantasmas
de palavras, circulando,
urinando sobre o papel,
sujando-o com seu carvão.

Carvão de lápis, carvão
da idéia fixa, carvão
da emoção extinta, carvão
consumido nos sonhos.

3.

A luta branca sobre o papel
que o poeta evita,
luta branca onde corre o sangue
de suas veias de água salgada.

A física do susto percebida
entre os gestos diários;
susto das coisas jamais pousadas
porém imóveis - naturezas vivas.

E as vinte palavras recolhidas
as águas salgadas do poeta
e de que se servirá o poeta
em sua máquina útil.

Vinte palavras sempre as mesmas
de que conhece o funcionamento,
a evaporação, a densidade
menor que a do ar.

JOÃO CABRAL DE MELO NETO


Home A lição de poesia (João Cabral de Melo Net)

.

.

Dez chamamentos ao amigo - Hilda Hilst

DEZ CHAMAMANTOS AO AMIGO

Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo.
Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse
Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.
Te olhei. E há um tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta
Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.

HILDA HILST
.
From Paula Moranguinho Pereira (hi5)
.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Aprendendo com Cora Coralina

por Luciano Siqueira*



O hábito de tratar das coisas da vida ao receber as pessoas no gabinete, mesmo quando o motivo da audiência é algo trivial como a queixa pelo atraso de alguma obra ou o pedido de esclarecimento sobre um pequeno problema administrativo. Tudo vale a pena. E serve de mote para a conversa, ainda que breve, sobre o sentido da existência humana. Aprendizado mútuo. Troca de experiências e de impressões.


Mas às vezes fica certa frustração. Teria encurtado em demasia aquela conversa a ponto de frustrar o visitante? Por que interrompemos aquele diálogo tão interessante, misto de poesia e vida real, concreta – plena de possibilidades e ao mesmo tempo às voltas com obstáculos e incompreensões ou desencontros apenas suspeitados?



Em meio à reflexão, um tanto amena, um tanto ansiosa, a leitura desses versos de Cora Coralina:


Não sei...
se a vida é curta ou longa demais pra nós,
Mas sei que nada do que vivemos tem sentido,
se não tocamos o coração das pessoas.
Muitas vezes basta ser:
Colo que acolhe,
Braço que envolve,
Palavra que conforta,
Silêncio que respeita,
Alegria que contagia,
Lágrima que corre,
Olhar que acaricia,
Desejo que sacia,
Amor que promove.
E isso não é coisa de outro mundo,
é o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela não seja nem curta,
nem longa demais, mas que seja intensa,
verdadeira, pura ... enquanto durar.




“Basta ser”? Basta o quê? Talvez ainda precise percorrer alguns bons quilômetros nessa peleja diária em busca do melhor modo de sobreviver à rotina estafante sem perder a capacidade de perceber o que se passa em volta e de praticar a solidariedade nas suas nuances mais sutis e ao mesmo tempo mais eficazes, porque livres daquele constrangimento natural entre pessoas, homens e mulheres, que se conhecem apenas superficialmente e, no entanto, assim mesmo se aconselham.



Novamente os versos de Cora Coralina e a pergunta inquietante: como, nessas circunstâncias, ser o colo que acolhe, o braço que envolve, a palavra que conforta, o silêncio que respeita, a alegria que contagia, a lágrima que corre, o olhar que acaricia?



Olhos semicerrados, leve sorriso nos lábios e a certeza de que, entre uma audiência e uma reunião de trabalho, ou um ato oficial, é sempre possível enriquecer a condição humana apesar das pesadas tarefas do cotidiano, mercê da junção da arte de viver com o bom modo de governar.




*Luciano Siqueira, Médico



* Opiniões aqui expressas não refletem, necessariamente, a opinião do site.
.
.
in Vermelho -
4 DE MAIO DE 2006 - 16h45
.
.

domingo, 24 de maio de 2009

No mal-estar em que vivo - Fernando Pessoa

No mal-estar em que vivo,
No mal pensar em que sinto,
Sou de mim mesmo cativo,
A mim mesmo minto.

Se fosse outro fora outro.
Se em mim houvesse certeza,
Não seria o fluido e neutro
Que ama a beleza.

Sim, que ama a beleza e a nega
Nesta vida sem bordão
Que contra si mesma alega,
Que tudo é vão.


Fernando Pessoa
OBRA POÉTICA I
Cancioneiro
Círculo de Leitores
.
From Gioconda Porto (hi5)
.
.

Reinvenção - Cecília Meireles

REINVENÇÃO

A vida só é possível
reinventada.

Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas...
Ah! tudo bolhas
que vem de fundas piscinas
de ilusionismo... — mais nada.

Mas a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

Vem a lua, vem, retira
as algemas dos meus braços.
Projecto-me por espaços
cheios da tua Figura.
Tudo mentira! Mentira
da lua, na noite escura.

Não te encontro, não te alcanço...
Só — no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.
Só — na treva,
fico: recebida e dada.

Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

CECÍLIA MEIRELES
.
.
From Paula Moranguinho Pereira (hi5)
.
.

Não sejas o de hoje - Cecília Meireles

Assunto: A DANÇA DA VIDA...
Data: 24/Mai 17:04

GIRANDO E VOLTEANDO, A VIDA BRINCA Á MINHA VOLTA! RI-SE DE MIM! ME PROVOCA....ME PROMETE....ME QUER ENCANTAR.... EU OLHO PARA ELA COM OLHOS AINDA SOMBREADOS DE ESPERANÇA....APETECE TANTO ACREDITAR! MAS O TEMPO É DE ESPERA.... DE MEDITAÇÃO. QUE PARTE DELA EU QUERO? ONDE FICA O QUE FAZ DOER O CORAÇÃO?....NÃO....NÃO TENHO PRESSA....POSSO ATÉ SORRIR, MAS NÃO SERÁ COMO ELA QUER - EU SEREI QUEM ESCOLHERÁ! EM ANEXO, UM BEIJO!


Distribuído por Moranguinho Pereira (hi5)

NÃO SEJAS O DE HOJE


Não sejas o de hoje.

Não suspires por ontens...

Não queiras ser o de amanhã.

Faze-te sem limites no tempo.

Vê a tua vida em todas as origens.

Em todas as existências.

Em todas as mortes.

E sabe que serás assim para sempre.

Não queiras marcar a tua passagem.

Ela prossegue.

É a passagem que se continua.

É a tua eternidade...

É a eternidade...

És tu.



CECÍLIA MEIRELES

.

.

sábado, 23 de maio de 2009

Nova Canção do Exílio - Ferreira Gullar




NOVA CANÇÃO DO EXÍLIO


Minha amada tem palmeiras
Onde cantam passarinhos
e as aves que ali gorjeiam
em seus seios fazem ninhos
Ao brincarmos sós à noite
nem me dou conta de mim:
seu corpo branco na noite
luze mais do que o jasmim
Minha amada tem palmeiras
tem regatos tem cascata
e as aves que ali gorjeiam
são como flautas de prata
Não permita Deus que eu viva
perdido noutros caminhos
sem gozar das alegrias
que se escondem em seus carinhos
sem me perder nas palmeiras
onde cantam os passarinhos
.
FERREIRA GULLAR
.
From Paula Moranguinho Pereira (hi5)
.

Modinhas - Cecília Meireles

Assunto: A MEMÓRIA NA AREIA DA PRAIA.
Data: 23/Mai 15:39

O QUE FICA ESCRITO NA AREIA, VEM A ONDA E APAGA....MAS FICA LÁ O SEGREDO....PERMANECE A AFIRMAÇÃO, E CADA GRÃO FICA SABENDO O QUE UM DIA LHE CONTEI.....É POR ISSO, QUE SEMPRE QUE PASSO NA PRAIA, ONDAS DE MURMÚRIOS ME SEGUEM, LEMBRANDO-ME CADA SONHO, CADA ILUSÃO QUE EU UM DIA CONSTRUÍ E QUE DISSO NÃO PASSOU. PENSAVA QUE AO MAR OS TINHA JOGADO..... QUE ELE SABE GUARDAR SEGREDOS...ME ENTENDE E ME AMA....ME BEIJA OS PÉS SUAVEMENTE, SEM JULGAR O MEU PASSADO....O PESO QUE NA ALMA SINTO, VEM DAS LEMBRANÇAS DA AREIA....QUE NÃO PÁRA DE FALAR DO QUE SONHEI E NÃO FIZ....DO FUTURO QUE É JÁ PASSADO....DAS ESPERANÇAS QUE VERDES FICARAM..... E TUDO ISSO ME DÓI! EM ANEXO, UM BEIJO!

Distribuído por Moranguinho Pereira (hi5)

MODINHAS

Tuas palavras antigas
Deixei-as todas, deixeia-as,
Junto com as minhas cantigas,
Desenhadas nas areias.

Tantos sóis e tantas luas
Brilharam sobre essas linhas,
Das cantigas — que eram tuas —
Das palavras — que eram minhas!

O mar, de língua sonora,
Sabe o presente e o passado.
Canta o que é meu, vai-se embora:
Que o resto é pouco e apagado.

CECÍLIA MEIRELES

.
.

A Poesia - Pablo Neruda

Assunto: ... A VIDA ESTÁ AQUI!!!!!
Data: 22/Mai 22:44

.... E EU QUE ME SABIA SEMPRE!....COM DÚVIDAS, COM INTERROGAÇÕES....COM PERPLEXIDADES!...MAS ESTAVA ALI DE CORPO E ALMA....DE SONHO E DE ESPERANÇA....COMO FOI QUE ACONTECEU?....APENAS ME RESTA A LEMBRANÇA....MAS PELO MENOS AINDA NÃO ESQUECI QUE A VIDA ESTÁ AQUI.....ISSO NÃO POSSO DEIXAR DESAPARECER, NEM QUE TENHA DE ESCREVER PELAS PAREDES DO MEU QUARTO.....A VIDA ESTÁ AQUI!!!!!!!!.... EM ANEXO UM BEIJO!!!

Moranguino Pereira (hi5)

A POESIA

E foi nessa idade... Chegou a poesia
para buscar-me. Não sei de onde
saiu, do inverno ou do rio.
Não sei como nem quando,
não, não eram vozes, não
palavras, nem silêncio,
mas desde uma rua que me chamava,
desde os ramos da note,
de súbito enre os outros,
entre fogos violentos
ou regressando só,
ali estava sem rosto
e me tocava.

Não sabia o que dizer, a minha boca
não sabia,
nomear,
meus olhos eram cegos,
algo me golpeava a alma,
febre ou asas perdidas,
fui me fazendo só,
decifrando
aquela queimadura,
e escrevi a primeira linha vaga,
vaga, sem corpo, pura
brincadeira,
pura sabedoria
de quem não sabe nada,
e vi de súbito
o céu debulhado
e aberto,
planetas,
plantações palpitantes,
a sombra perfurada,
atravessada
por flechas, fogo e flores
a noite agasalhadora, o universo.

E eu, um mínimo ser,
ébrio do vazio enorme
constelado,
à semelhança, à imagem
do mistério,
senti-me parte pura
desse abismo,
girei as estrelas,
meu coração se desatou no vento.

PABLO NERUDA

.
.

Não sei que sonho me não descansa - Fernando Pessoa



Não sei que sonho me não descansa
E me faz mal...
Mas eia! o harmónio a guiar a dança
Nesse quintal.

E eu perco o fio ao que não existe
E oiço dançar,
Já não alheio, nem sequer triste,
Só de escutar.

Quanta alegria onde os outros são
E dançam bem!
Dei-lhes de graça meu coração
E o que ele tem.

Na noite calma o harmónio toca
Aquela dança,
E o que em mim sonha um momento evoca
Nova esperança.

Nova esperança que há-de cessar
Quando, já dia,
O harmónio eterno que há-de acabar
Feche a alegria.

Ah, ser os outros! Se eu o pudesse
Sem outros ser!,
Enquanto o harmónio minha alma enchesse
De o não saber.

Fernando Pessoa
Canioneiro - Obra Poética I
Círculo de Leitores
.
.
From Gioconda Porto (hi5)
.
.

A noção marxista de povo

ABRIL DE 2006 - 08h25

A noção marxista de povo


por Augusto Buonicore*

Há alguns meses atrás publicamos uma série de artigos sob o título geral de Descobrindo o povo brasileiro. Através deles procuramos apresentar, de maneira sumária, as diversas maneiras que 'a questão do povo brasileiro foi apreendida pelos principais expoentes da nossa inteligência no início do século XX'.




Há alguns meses atrás publicamos uma série de artigos sob o título geral de Descobrindo o povo brasileiro. Através deles procuramos apresentar, de maneira sumária, as diversas maneiras que a questão do povo brasileiro foi apreendida pelos principais expoentes da nossa inteligência no início do século XX. Na verdade o nosso esforço se reduziu a resenhar as obras que tiveram maior influência na construção de uma visão sobre o Brasil e seu povo. Entre elas estavam Os Sertões de Euclides da Cunha, Por que me ufano do meu país de Afonso Celso, Retrato do Brasil de Paulo Prado, Populações meridionais do Brasil de Oliveira Vianna, Casa-Grande e Senzala de Gilberto Freyre e Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda.




Estes autores, a partir das teorias em voga na época (o determinismo geográfico, racial, psicológico e cultural), procuraram descobrir a essência do povo brasileiro, o que o diferenciava dos demais povos do mundo. Para alguns ele era tido como, essencialmente, triste (Paulo Prado), para outros um povo de índole alegre (Gilberto Freyre). Uns o viam como cordial (Sérgio Buarque) e lhe outorgava uma índole pacífica e conciliadora (Afonso Celso) e, também, havia aqueles que, pelo contrário, viam nele (o povo brasileiro) apenas, ou fundamentalmente, brutalidade e intolerância.




Apesar das definições contraditórias e, na maioria das vezes, antagônicas, todos estes autores estavam aprisionados a uma mesma problemática (de fundo idealista). Eles partiam sempre de uma questão: o que é o homem brasileiro? Assim o pressuposto era sempre o mesmo: existiria uma essência em geral que faria do brasileiro aquilo que ele é: triste ou alegre, pacífico ou violento.




Mas, naqueles artigos, ficaram de fora as tentativas pioneiras de interpretações do Brasil realizadas pelos intelectuais marxistas. Na década de 1920 e início da década de 1930 as interpretações marxistas ainda davam seus primeiros passos, embora tenham sido produzidas obras significativas como Agrarismo e Industrialismo (Octávio Brandão - 1926), A caminho da revolução operária e camponesa (Leôncio Basbaum – 1934) e o clássico da historiografia marxista brasileira Evolução Política do Brasil (Caio Prado Jr. - 1933). Ainda na primeira metade do século XX, Caio Prado Jr publicaria Formação do Brasil Contemporâneo – colônia (1942), História Econômica do Brasil (1945). Estas obras representaram um salto de qualidade na tentativa de interpretação do Brasil ao introduzirem um vigoroso instrumento analítico: o materialismo-histórico.




Outro grande historiador, contemporâneo de Caio Prado, foi Nelson Werneck Sodré. Entre os marxistas brasileiros, Sodré é o autor da obra mais ampla e abrangente. Ele escreveu sobre as classes sociais, os militares, os comunistas, a imprensa, a geografia, a cultura brasileira etc.etc. Especificamente sobre a formação política, econômica e social brasileira escreveu, entre outros, Formação Histórica do Brasil (1962), Introdução à Revolução Brasileira (1958), A História da Burguesia Brasileira (1964) e Capitalismo e revolução burguesa no Brasil (1990). Outros autores marxistas também se destacariam a partir da década de 1950, como Clóvis Moura, Paula Beiguelman, Fernando Novaes, Ciro Flamarion Cardoso e Jacob Gorender.




Em relação ao debate sobre a definição de povo brasileiro, o que os difere dos demais é que eles não buscaram descobrir um caráter nacional dos brasileiros. Ou seja, não procuraram as supostas características genéticas, psicológicas ou culturais, através das quais pudessem construir uma definição de povo brasileiro.




Para os marxistas o povo brasileiro não seria uma determinação do clima, da raça ou mesmo da cultura trazidas pelas três raças formadoras (portuguesa, africana e indígena). Não existiria nele uma essência geral, a-histórica. A sociedade – e, por conseguinte, o povo brasileiro – seria o resultado do processo complexo e contraditório da nossa formação econômica, político e social. Como esses diversos fatores que compõem uma sociedade estão em constante desenvolvimento, o povo também não pode ser considerado uma realidade estanque.




As contribuições dos marxistas foram, em primeiro lugar, negar a existência de uma essência geral do povo brasileiro – e, por sinal, em qualquer outro povo no mundo; em segundo lugar, constatar que o povo não forma um todo homogêneo e está dividido em classes, frações de classe e categorias sociais em constante disputa. A existência das classes e da luta entre elas impõe dificuldades às teses idealistas sobre o caráter nacional de um povo. Estas tendem pensar o povo de maneira homogênea, sem contradições significativas. É justamente aqui que reside a diferença entre as interpretações burguesa e comunista.



Para os marxistas nenhum povo é, essencialmente, alegre ou triste, teórico ou prático, organizado ou desorganizado. E, principalmente, nenhum povo é melhor ou pior do que outro. Embora em determinadas fases históricas possa predominar esta ou aquela característica psicológica, nesta ou naquela classe, fração ou categoria social. Sabemos, por exemplo, que um sentimento de impotência – apatia e desânimo – pode atingir o conjunto das classes populares depois de uma derrota política de envergadura.



A noção de povo em Marx, Engels e Lênin




Veremos agora como os clássicos do marxismo – Marx, Engels e Lênin – definiram o povo. Em primeiro lugar é preciso notar que, de maneira geral, eles buscaram fugir da problemática do caráter nacional.




Digo de maneira geral, pois os dois primeiros autores chegaram, especialmente, durante a juventude a flertar com teses essencialistas e, mesmo na maturidade, em alguns textos, a fazer afirmações que demonstravam a permanência daquelas idéias. Mas acredito que quando se expressam ainda dessa maneira em plena maturidade, eles o fazem de maneira mais ou menos livre, sem qualquer preocupação conceitual, estritamente científica. Por sinal, essas são as passagens mais problemáticas da vasta produção intelectual de Marx e Engels.




O abandono – ou secundarização - da problemática do caráter nacional não se deu devido ao pouco conhecimento desses autores em relação à psicologia, antropologia e sociologia modernas, pois eles eram profundos conhecedores da ciência de seu tempo. A principal razão é que ela era destoante – e entravam em choque – com a nova problemática inaugurada com o materialismo-histórico. Os determinismos, predominantes no final do século XIX, assentados na supervalorização da raça, meio geográfico, dos aspectos culturais e psicológicos, são substituídos pela dinâmica instituída na relação entre forças produtivas e relações de produção, entre infra-estrutura e superestrutura e entre os diversos ramos da superestrutura: ideológico e jurídico-política.




Vejamos, então, como Marx e Engels definiam a noção de povo. No seu famoso Contribuição à Crítica da Economia Política, na passagem que trata especificamente do método, Marx afirma: A população é uma abstração se desprezarmos, por exemplo, as classes que se compõe (...) Assim, se começássemos pela população teríamos uma visão caótica do todo, e através de uma determinação mais precisa, através de uma análise, chegaríamos a conceitos cada vez mais simples; do concreto figurado passaríamos a conceitos mais simples. Partindo daqui, seria necessário caminhar em sentido contrário até chegar finalmente de novo à população, que não seria, desta vez, a representação caótica de um todo, mas uma rica totalidade de determinações e de relações numerosas. O mesmo método que permite construir um conceito mais preciso - e mais rico - de população, permitirá também aos marxistas construir um conceito mais preciso e rico de povo.




No entanto, foi nas chamadas obras históricas que Marx e Engels mais se preocuparam em apresentar uma noção do que seja o povo. Em As lutas de classe em França Marx escreveu: No dia 4 de maio reuniu-se a Assembléia Nacional saída das eleições diretas. O sufrágio universal não possuía o poder mágico que os republicanos da velha-guarda acreditavam que tinha. Em toda a França, pelo menos na maioria dos franceses, viam eles cidadãos com os mesmos interesses, o mesmo discernimento, etc. Era este o seu culto do povo. Em vez deste povo imaginário, as eleições francesas trouxeram à luz do dia o povo real; isto é, os representantes das diferentes classes em que ele se divide.




Poucos anos depois desta vez em O Dezoito de Brumário de Luís Bonaparte, Marx escreveu: o democrata, por representar a pequena burguesia, ou seja, uma classe de transição na qual os interesses de duas classes perdem simultaneamente suas arestas, imagina estar acima dos antagonismos de classes em geral. Os democratas admitem que se defrontam com uma classe privilegiada mas eles, com todo o resto da nação, constituem o povo. O que eles representam é o direito do povo; o que interessa a eles é o interesse do povo. Por isso, quando um conflito está iminente, não precisam analisar os interesses e as posições das diferentes classes. (...) Tem apenas que dar o sinal e o povo, com todos os seus inexauríveis recursos, cairá sobre os opressores. Mas se na prática seus interesses mostram-se sem interesse e sua potência, impotência, então ou a culpa cabe aos sofistas perniciosos, que dividem o povo indivisível em diferentes campos hostis, ou o exército estava por demais embrutecido e cego para compreender que os puros objetivos da democracia são o que há de melhor para ele, ou tudo fracassou devido a um detalhe na execução, ou então um imprevisto estragou desta vez a partida.




Embora em algumas passagens a noção de povo se confunda com o conceito de população, no geral, são tratados como coisas distintas. População é o conjunto de habitantes de um país e, assim, congrega todas às classes sem exceção. Povo representa apenas parte da população – a maior parte – mas também se divide em classes.




Então, quais as classes que compunham o povo, segundo Marx e Engels? Esta pergunta não pode ser respondida de maneira abstrata, fora da história de luta de classes. A definição de povo, segundo eles, dependeria da época e do lugar. Engels, escrevendo na Nova Gazeta Renana e em meio da revolução alemã de 1848-1849, afirmaria: A grande burguesia, anti-revolucionária desde o começo, fez uma aliança defensiva com a reação por temer o povo, isto é, os operários e a burguesia democrática. Quando fala em burguesia democrática- em contraposição a grande burguesia - possivelmente esteja se referindo aos camponeses proprietários, a pequena e a média burguesia urbana. Este era o povo alemão em 1848.




Talvez, alguns meses antes, Marx e Engels não recusassem incluir parte da grande burguesia na sua noção de povo alemão. A burguesia prussiana, escreveu Marx em A burguesia e a contra-revolução, não era, como a burguesia francesa de 1789, a classe que (...) encarnava toda sociedade moderna. Ela havia decaído ao nível de uma espécie de casta, tanto hostil à Coroa como ao povo, querelando contra ambos (....) estava disposta desde o início a trair o povo e ao compromisso com o representante coroado da velha sociedade, pois ela mesma pertencia à velha sociedade; representando não os interesses de uma sociedade nova contra uma sociedade velha, mas interesses renovados no interior de uma sociedade envelhecida. A burguesia entrou na revolução ainda pertencendo ao povo alemão, mas em algum momento ela se separou dele e se transformou em não-povo e depois em anti-povo.




Mais de 50 anos depois um outro revolucionário marxista seguiria na mesma trilha aberta por Marx e Engels e se utilizaria da mesma noção. A social democracia lutou e luta, com todo o direito, contra o abuso democrático-burguês da palavra ‘povo’. Exige que com essa palavra não seja encoberta a incompreensão dos antagonismos de classe no seio do povo (...) Porém, divide o povo em classes não com o objetivo que a classe de vanguarda se encerre em si mesma, se limite com uma perspectiva estreita (...) divide o povo em classes para que a classe de vanguarda (...) lute com maior energia, com maior entusiasmo, pela causa de todo o povo, e à frente do mesmo, escreveu Lênin em As duas táticas da social-democracia na Revolução Democrática.




Continuou ele: Vejamos agora quais as classes que podiam e deviam, na opinião de Marx, realizar esta tarefa – aplicar na prática, consequentemente, o princípio da soberania do povo, e repelir os ataques da contra-revolução. Marx fala do povo. Porém nós sabemos que ele sempre lutou impiedosamente contra a ilusão pequeno-burguesa da unidade do povo, da ausência da luta de classes no seio do povo. Ao empregar a palavra povo, Marx não ocultava sob esta palavra a diferença de classes; o que ele fazia era unificar determinados elementos capazes de levar a revolução até o fim. Então a noção de povo estava ligada diretamente às forças sociais interessadas em realizar as tarefas da revolução democrático-burguesa num primeiro momento e socialista num segundo.




Por fim, fiquemos com uma definição do líder comunista chinês Mao Tse-Tung, exposta no seu clássico Justa solução das contradições no seio do povo. O conceito de povo, escreveu ele, toma sentidos diferentes conforme os países e períodos distintos da história de cada país. Tomemos o nosso próprio país como exemplo. Durante a Guerra de Resistência contra o Japão, todas as classes, todas as camadas e todos os grupos sociais que participaram na luta de resistência contra a agressão japonesa pertenciam ao povo, enquanto (...) os chineses traidores à sua própria pátria e os elementos pró-japoneses pertenciam a categoria de inimigos do povo (...) Na etapa atual, período de construção do socialismo, todas as classes, camadas e grupos sociais entram na categoria de povo, enquanto que todas as forças e grupos sociais que resistem à revolução socialista e hostilizam ou sabotam a edificação socialista são os inimigos do povo.




O dicionário de filosofia, organizado pelos soviéticos Rosental e Iudin, afirma que num sentido rigorosamente científico povo seria uma comunidade de pessoas, que se modifica historicamente, formada pela parte da população, camadas e classes, que pela sua situação objetiva estão em condições de participar conjuntamente na resolução dos problemas concernentes ao desenvolvimento revolucionário, progressista, de um dado país, num dado período. Continua: Constitui um critério fundamentalíssimo para se reconhecer se um determinado grupo da população faz parte do povo, ver o seu interesse e capacidade, objetivamente condicionado, para participar das tarefas do progresso. No decurso do desenvolvimento social (...) mudam as tarefas objetivas da revolução (...) pelo que também se modifica, inevitavelmente, a composição social das camadas que, em dada fase, representam o povo. A diferenciação entre povo e população apareceria com a divisão da sociedade em classes e desapareceria com ela. Só quando acaba a exploração do homem pelo homem, na sociedade socialista, de novo o conceito de povo abrange toda a população.




O historiador Nelson Werneck Sodré incorporaria esta noção em seus trabalhos e buscaria, através dela, entender mais e melhor a história de nosso país. O seu ensaio intitulado Quem é o povo no Brasil?, no qual expõe de maneira mais sistemática (e didática) sua posição, foi publicado pela primeira vez em 1962 na coleção Cadernos do Povo Brasileiro da Editora Civilização Brasileira.




No próximo artigo veremos como os marxistas brasileiros, especialmente Sodré e Caio Prado, buscaram as chaves para desvendar o problema da formação do povo brasileiro e as virtudes e vicissitudes dessas tentativas pioneiras.





Bibliografia



Lênin, V. I. - As Duas Tática da Social-democracia na Revolução Democrática, Editora Livramento, S.P,. s/d
Marx, Karl - Contribuição à Crítica da Economia Política. Ed. Martins Fontes, S.P., 1983

--------------- As lutas de classe em França, Edições Avante! Lisboa, 1984


--------------- O Dezoito de Brumário de Luís Bonaparte, Edições Avante!, 1984


Rosental M. e Iudin, P. F. (org.) - Dicionário Filosófico – verbete Povo – Editorial Estampa, Lisboa, 1977


Sodré, Nelson Werneck – Quem é o povo no Brasil? in Introdução à Revolução Brasileira, Ed. Civilização Brasileira, 3ª edição, RJ., 1967


Tse-Tung, Mao - Justa solução das contradições no seio do povo














*Augusto Buonicore, Historiador, mestre em ciência política pela Unicamp



* Opiniões aqui expressas não refletem, necessariamente, a opinião do site.