sábado, 30 de maio de 2009

O Lendário Lucas da Feira




29-05-2009 06:05:29
Da Redação: Fonte - GILFRANCISCO
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O artigo Lucas da Feira publicado no Diário Oficial nos dias 8 e 11 de novembro de 1896, escrito pelo médico e historiador baiano, Alexandre José de Melo Moraes Filho (1844-1919), anos depois foi enfeixado no livro “Festas e Tradições Populares do Brasil”, prefaciado por Sílvio Romero (1851-1914) e publicado em 1901. Melo Moraes Filho nasceu no dia 23 de fevereiro de 1844, na cidade de Salvador-BA, lutou com muitas dificuldades para instruir-se. Depois dos estudos preliminares, matriculou-se no Seminário de São José do Rio de Janeiro, chegando a receber ordens menores e a pregar sermões. Desistindo da vida eclesiástica, embarcou com destino à Bahia, em 1867. Retornou ao Rio de Janeiro, indo morar numa república de estudantes onde conhece, entre outros, Castro Alves, vivendo dias difíceis, fazendo jornalismo e literatura. Recebeu um convite para dirigir O Eco Americano, em Londres. Na Bélgica, fez o curso médico e ao retornar ao Brasil, dedicou-se ao jornalismo. Publicou: Cantos do Equador; Ciganos no Brasil; Curso de Literatura Brasileira; Festas Populares do Brasil; Cancioneiro dos ciganos; Paraíso Brasileiro; Fatos e Memórias; Cantares; Saraus e Serenatas; Artistas do meu tempo, entre outros.


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Bandoleiro nascido em Feira de Santana-BA (1804-1849), chefe de bando temível, terror de sua região durante 20 anos, tornou-se personagem da literatura popular: ABC de Lucas da Feira, de Sousa Velho; Lucas, o salteador, de Virgílio César Martins Reis e Artur Cerqueira Lima; Lucas, o demônio negro, no romance folclórico (1857) de Sabino de Campos. Sílvio Romero em seus “Estudos sobre a Poesia Popular do Brasil”, publicado em 1889, apresenta dez estrofes sobre o bandoleiro da “Princesa do Sertão”, versão de Sergipe:
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O Lucas da Feira

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Adeus, terra do limão,
Terra onde fui nascido;
vou preso para a Bahia
Levo saudades comigo.
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Eu vou preso pra Bahia,
Eu vou preso, não vou só;
só levo um pesar comigo;
É da filha do Major.

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Eu vou preso pra Bahia,
Levo guarda e sentinelas,
Para saber quanto custa
Honra de moças donzelas.

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Estes sócios meus amigos
De mim não têm que dizer;
Que por eu ver perdido,
Não boto outro a perder.

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Estes sócios meus amigos
A mim fizeram traição;
Ganharam o seu dinheiro
Me entregaram à prisão.

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Meus amigos me diziam
Que deixasse de função,
Que o Casumbá por dinheiro
Fazia as vezes do cão.
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Vindo eu de lá da festa
De São Gonçalo dos Campos,
Com o susto do Casumbá
Caiu-me a espada da mão.
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Já me quebraram o braço,
Já me vou a enforcar,
Como sei que a morte é certa,
Vou morrendo devagar.

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Quando na Bahia entrei.
Vi muita cara faceira;
Brancos e pretos gritando:
Lá vem o Lucas da Feira!

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Quando eu no Rio entrei,
Caiu-me a cara no chão;
A Rainha veio dizendo:
Lá vem a cara do cão.

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Considerado precursor de Lampião, o negro Lucas da Feira foi o terror do sertão baiano durante vinte anos. Lucas foi o assombro, o pesadelo dos sertanejos. Contaram-se por centenas as suas vítimas, o negro salteador, ladrão e assassino, raptou e violentou inúmeras donzelas, matando-lhes os pais e irmãos, se estes ofereciam resistência à sua lubricidade. As façanhas desse bandido perduram até hoje na tradição oral dos feirenses e na literatura de Cordel. O cearense Leonardo Mota no livro “No Tempo de Lampião”, publicado pelo livreiro-editor A. J. de Castilho, em 1921, recolheu na Bahia vários depoimentos sobre Lucas da Feira:
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“O que ele era era um grandessíssimo desalmado. Era perverso, era levado do não-sei-que-diga, mas era frouxo: mijou-se todo na hora da morte...”


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“Lucas foi o diabo em figura de cristão, Deus o perdoe! Aquilo não era gente. Uma vez ele agarrou um negro beiçudo na estrada e sabe o que fez com ele? Prendeu com prego caibral o beijo do infeliz numa árvore. Quando acabou, disse ao suplicante que ia não sei aonde e mais tarde voltaria para o capar. Foi ele se afastar, o negro fez fincapé, rasgou o beiço e ganhou o mundo na carreira, porque só assim se livraria da outra ameaças, a mais perigosa. E sabe? O Lucas estava numa moita escondido e se rindo: ele queria era que o negro mesmo rasgasse o beiço...”


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“Fui o Cazumbá. Esse Cazumbá era um oficial de justiça criminoso que, a promessa de perdão do crime e com o olho no dinheiro do prêmio, perseguiu e prendeu o Lucas. Na hora da prisão deu-lhe dois tiros no braço esquerdo. O braço arruinou e os médicos tiveram de o cortar. Dizia o finado meu pai que foi uma coisa engraçada... Depois da operação, um menino pegou o braço do Lucas e saiu correndo pra rua, pra mostrar ele ao povo. Um sapateiro correu em casa, trouxe uma palmatória e esmagou com “bolos” de sustância a mão do Lucas, o povo todo achando graça nisso, satisfeito...”


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Escravo fugido da Fazenda Saco do Limão, do padre José Alves Franco, Lucas Evangelista teria nascido em 18 de outubro de 1807, filho de Inácio e Maria escravos jêjes. Robusto, Lucas foi crescendo observando o terrível drama da escravidão e procurava vingar-se, a seu modo, das repetidas crueldades do feitor. Adolescente ainda organizou um bando para reagir contra a desumanidade dos feitores, em pouco tempo o grupo já contava cerca de trinta homens, entre negros e mulatos, todos escravos fugitivos. Devido as perseguições, prisões, mortes e deserções, o bando diminuía a cada dia e Lucas acabou ficando sozinho.

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Figura controvertida, era, para uns, um cruel salteador e, para outros um negro que se recusara a viver como escravo. Em conferência no Instituto Histórico e Geográfico da Bahia – IHGB, em 1949, ocasião do centenário da morte do facínora, o professor Alberto Silva relata vários crimes praticados por Lucas da Feira, alguns já mencionados por Leonardo Mota. Já de acordo com Melo Moraes Filho “A acreditar-se em boatos, o salteador da Feira distribuía o que roubava com alguns negociantes da cidade e altas influências políticas, motivo por que escapava às tocaias e esperava certeiro os comerciantes em trânsito, conduzindo por mais de vinte anos uma vida de roubo, de devastação e de morticínios.” (Diário Oficial)
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Nesta mesma edição do Diário Oficial, Melo Moraes Filho, afirma que:

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“Uma ocasião, um negociante, que ia para a Feira, meteu por prevenção o dinheiro que levava, dentro da gravata e pequena quantia no bolso, que era para Lucas, como ele dizia.

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Na estrada, este sai-lhe ao encontro e obriga-o a entregar o que trazia, ao que o viandante sem réplica acendeu, franqueando-lhe as algibeiras.

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O salteador, mirando-o de cima a baixo, saqueia-o, e, apenas o manda embora, fá-lo voltar.
Meu ioiô, disse Lucas, dê a seu negro essa gravata, senão morre.

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O pobre homem, que supunha-se escapo com a vida e o dinheiro, não hesitou um instante, desatou-a a entregou desconfiado, assustado.”

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Cercado pelo tenente-coronel Dionísio de Cerqueira Pinto, Lucas da Feira foi finalmente capturado em 12 de janeiro de 1849 num esconderijo próximo ao Rio Jacuípe e ao tentar fugir foi baleado e devido a gravidade dos ferimentos teve o braço amputado. Julgado e condenado à morte, conduzido ao Rio de Janeiro foi recebido por Sua Majestade, o Imperador, que desejava conhecê-lo. Regressando a Salvador, em seguido levado à Feira de Santana, onde foi enforcado no Campo do Gado às 10 h, da manhã do dia 29 de setembro de 1849, depois de receber o conforto espiritual do padre Tavares e de dois vigários, aos 42 anos.
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GILFRANCISCO: jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com
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