terça-feira, 26 de maio de 2009

Aprendendo com Cora Coralina

por Luciano Siqueira*



O hábito de tratar das coisas da vida ao receber as pessoas no gabinete, mesmo quando o motivo da audiência é algo trivial como a queixa pelo atraso de alguma obra ou o pedido de esclarecimento sobre um pequeno problema administrativo. Tudo vale a pena. E serve de mote para a conversa, ainda que breve, sobre o sentido da existência humana. Aprendizado mútuo. Troca de experiências e de impressões.


Mas às vezes fica certa frustração. Teria encurtado em demasia aquela conversa a ponto de frustrar o visitante? Por que interrompemos aquele diálogo tão interessante, misto de poesia e vida real, concreta – plena de possibilidades e ao mesmo tempo às voltas com obstáculos e incompreensões ou desencontros apenas suspeitados?



Em meio à reflexão, um tanto amena, um tanto ansiosa, a leitura desses versos de Cora Coralina:


Não sei...
se a vida é curta ou longa demais pra nós,
Mas sei que nada do que vivemos tem sentido,
se não tocamos o coração das pessoas.
Muitas vezes basta ser:
Colo que acolhe,
Braço que envolve,
Palavra que conforta,
Silêncio que respeita,
Alegria que contagia,
Lágrima que corre,
Olhar que acaricia,
Desejo que sacia,
Amor que promove.
E isso não é coisa de outro mundo,
é o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela não seja nem curta,
nem longa demais, mas que seja intensa,
verdadeira, pura ... enquanto durar.




“Basta ser”? Basta o quê? Talvez ainda precise percorrer alguns bons quilômetros nessa peleja diária em busca do melhor modo de sobreviver à rotina estafante sem perder a capacidade de perceber o que se passa em volta e de praticar a solidariedade nas suas nuances mais sutis e ao mesmo tempo mais eficazes, porque livres daquele constrangimento natural entre pessoas, homens e mulheres, que se conhecem apenas superficialmente e, no entanto, assim mesmo se aconselham.



Novamente os versos de Cora Coralina e a pergunta inquietante: como, nessas circunstâncias, ser o colo que acolhe, o braço que envolve, a palavra que conforta, o silêncio que respeita, a alegria que contagia, a lágrima que corre, o olhar que acaricia?



Olhos semicerrados, leve sorriso nos lábios e a certeza de que, entre uma audiência e uma reunião de trabalho, ou um ato oficial, é sempre possível enriquecer a condição humana apesar das pesadas tarefas do cotidiano, mercê da junção da arte de viver com o bom modo de governar.




*Luciano Siqueira, Médico



* Opiniões aqui expressas não refletem, necessariamente, a opinião do site.
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in Vermelho -
4 DE MAIO DE 2006 - 16h45
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