14 de Dezembro de 2015 - 11h35
A Morte e a morte de Quincas Berro D'água
Jeosafá Fernandez *
Lançado em 1961 com amplo acolhimento de leitores e críticos, a novela A Morte e a Morte de Quincas Berro d’Água tornou-se uma das obras de Jorge Amado mais festejadas, editadas e adaptadas para o cinema e a televisão. Em artigo escrito para o jornal Última Hora, do Rio de Janeiro, em 1959, que passou acompanhar a título de prefácio as seguidas reedições, Vinicius de Moraes considera-a uma obra prima do autor: “Em dois tentos simples, Jorge Amado acaba de escrever o que para mim é o melhor romance e a melhor novela da literatura brasileira: Gabriela, cravo e canela e A morte e a morte de Quincas Berro D’água”.
Nessa novela curta, o autor articula a natureza popular das personagens com um enredo à beira do fantástico e uma linguagem enxuta, porém ambígua, agradável e leve. Nela, o previsível funcionário público Joaquim Soares da Cunha, marido, pai e cidadão cumpridor de seu papel social de burocrata estabilizado na sociedade, aos cinquenta anos joga tudo para alto, se entrega à boêmia e passa à perambulação, ébrio e em andrajos, pelas ruas da Bahia. Numa das bebedeiras, ganha o apelido que o acompanhará além da morte: Quincas Berro D’água. A novela se inicia com seu cadáver em farrapos já estendido em um quarto insalubre de um beco baiano.
Na morte de Quincas, os parentes enxergam a oportunidade de resgatar no meio social o nome da família, maculado por suas orgias e por sua vida escandalosa. Para tanto, organizam um funeral à altura de um verdadeiro e honrado um ex-funcionário público.
No entanto, visitado em seu velório por antigos amigos de fuzarca (Curió, Negro Pastinha, Cabo Martim e Pé de Vento), que veem no ricto estampado no rosto do cadáver um sorriso folia, Quincas termina sequestrado por eles e arrastado pelas ruas da Bahia em uma espécie de despedida gloriosa, hilária e pândega do mundo dos vivos.
A confusão se instaura, pois enquanto uns o juram morto, outros o veem passeando de braços dados com os companheiros de boêmia, entre gargalhadas e cusparadas de cachaça. A esbórnia se encerra no barco de Mestre Manuel, onde os amigos cumprem a suposta vontade do morto, levando-o festa em pleno mar, ocasião em que um violento temporal se abate sobre o barco e encapela as águas, para onde o debochado Quincas resvala para sempre, enterrando no mar, consigo, a chance de a família ajustar contas com o falso verniz da sociedade.
Nesse destino de Quincas Berro D’água há uma certa metáfora do projeto literário do próprio Jorge Amado, que, à literatura enfatiotada e blasé, que sempre combateu, preferiu os personagens populares, os enredos apoiados na realidade dos trabalhadores e a crítica social – em que o humor se foi insinuando progressivamente ao longo da carreira do autor.
* Jeosafá é Doutor em Letras pela USP. Tem, entre seus mais de 50 títulos, O jovem Mandela, O jovem Malcolm X e o ciclo de romances paulistanos Era uma vez no meu bairro (Zonas Norte, Sul, Leste e Oeste).
http://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=7410&id_coluna=150
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