quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Joel Neto - Poesia

* Joel Neto

Naturalmente, se me pedissem para corporizar um mote para estas crónicas, eu teria de referir Caeiro. Já percebi que, de há uns tempos a esta parte, a tribo intelectual de Lisboa se proibiu de citar Pessoa. Quem cita Pessoa são os bibliotecários, a malta do Facebook e os garotos do liceu.

Eu ainda cito Pessoa:

Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo...

Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer,

Porque eu sou do tamanho do que vejo

E não do tamanho da minha altura...

Nas cidades a vida é mais pequena

Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.

Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,

Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o céu,

Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,

E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.

Mas esse, como dizia Dumas, é sobretudo o prego onde penduro o meu quadro. Para falar daquilo sobre que estas crónicas verdadeiramente procuram ser, então tenho de lançar mão de Borges: {Os Justos}

Um homem que cultiva o seu jardim, como queria Voltaire.

O que agradece que na terra haja música.

O que descobre com prazer uma etimologia.

Dois empregados que, num café do sul, jogam um silencioso xadrez.

O ceramista que premedita uma cor e uma forma.

O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez nem lhe agrade.

Uma mulher e um homem que lêem os tercetos finais de um certo canto.

O que acarinha um animal adormecido.

O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram.

O que agradece que na terra haja Stevenson.

O que prefere que os outros tenham razão.

Estas pessoas, que se ignoram, estão a salvar o mundo.

As minhas crónicas são sobre gente, mais do que sobre uma geografia. Mesmo se às vezes tenho de me forçar a lembrá-lo.


17 DE DEZEMBRO DE 2015
00:00http://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/joel-neto/interior/poesia-4940315.html

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