* Joel Neto
Naturalmente, se me pedissem para corporizar um mote para estas crónicas, eu teria de referir Caeiro. Já percebi que, de há uns tempos a esta parte, a tribo intelectual de Lisboa se proibiu de citar Pessoa. Quem cita Pessoa são os bibliotecários, a malta do Facebook e os garotos do liceu.
Eu ainda cito Pessoa:
Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer,
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura...
Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,
Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.
Mas esse, como dizia Dumas, é sobretudo o prego onde penduro o meu quadro. Para falar daquilo sobre que estas crónicas verdadeiramente procuram ser, então tenho de lançar mão de Borges: {Os Justos}
Um homem que cultiva o seu jardim, como queria Voltaire.
O que agradece que na terra haja música.
O que descobre com prazer uma etimologia.
Dois empregados que, num café do sul, jogam um silencioso xadrez.
O ceramista que premedita uma cor e uma forma.
O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez nem lhe agrade.
Uma mulher e um homem que lêem os tercetos finais de um certo canto.
O que acarinha um animal adormecido.
O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram.
O que agradece que na terra haja Stevenson.
O que prefere que os outros tenham razão.
Estas pessoas, que se ignoram, estão a salvar o mundo.
As minhas crónicas são sobre gente, mais do que sobre uma geografia. Mesmo se às vezes tenho de me forçar a lembrá-lo.
17 DE DEZEMBRO DE 2015
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