* Victor Nogueira
Eugénia Cunhal era a irmã caçula de Álvaro, que lhe escrevia contos infantis e desenhos, e que surge neste seu poema:
Quando vieres
Encontrarás tudo como quando partiste.
A mãe bordará a um canto da sala...
Apenas os cabelos mais brancos
E o olhar mais cansado.
O pai fumará o cigarro depois do jantar
E lerá o jornal.
Quando vieres
Só não encontrarás aquela menina de saias curtas
E cabelos entrançados
Que deixaste um dia.
Mas os meus filhos brincarão nos teus joelhos
Como se te tivessem sempre conhecido.
Quando vieres
Nenhum de nós dirá nada
Mas a mãe largará o bordado
O pai largará o jornal
As crianças os brinquedos
E abriremos para ti os nossos corações,
Pois quando tu vieres
Não és só tu que vens
É todo um mundo novo que despontará lá fora
Quando vieres.
Maria Eugénia Cunhal in "Silêncio de Vidro"Lisboa, 1962
Era uma pessoa com ar frágil e doce e nos seus poemas e crónicas há uma grande solidariedade e atenção pelos "ventres ao sol", assim designados por Fernão Lopes.
Em cada já
Se nasce
Para ser
E só em cada já
Se pode estar
Foi
Ou será
Quem é
Como no mar
Onde a onda é um onde
Contínua sucessão de jás
Num só quebrar.
in "Histórias de m Condenado à Morte", 1983
BASTASTE TU
Bastou aquele gesto
Da tua mão tocar tão docemente a minha
Pra nascerem raízes
Que me prendem à terra e me alimentam
Nas horas mais vazias
Bastou aquele olhar
- O teu olhar tão brando, prolongando-se um pouco sobre o meu-
Para iluminar as noites em que a lua se esconde
E a escuridão envolve um mundo sem sentido.
Bastou esse teu jeito de sorrir,
Um sorriso em que vejo despontar a confiança
Na vida não vivida, nas emoções ainda não sentidas,
Nos passos que ressoam noutros passos
Bastaste tu.
In «Silêncio de Vidro», Editorial Escritor
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CRÓNICAS
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