- Nuno Gomes dos Santos
Mudar de vida
Mudar de vida
O novo ano, que nos bate à porta, apresenta-se-nos menos cerrado, apontando a um maior respeito por quem trabalha, lançando um fogacho de esperança a quem envelhece, diminuindo um pouco a má sorte de quem empobreceu com o espanto nos olhos que não vêem porque se passa, num virar de esquina, de «remediado» a pobre, se a vida, tendo quase sempre sido madrasta, ia sobrevivendo num patamar de sorriso, amarelo que fosse, antes do esgar de termos pena de nós.
Todo este arrazoado vem a propósito dos votos que se vêm fazendo, ano após ano, Dezembro após Dezembro, de uma forma mecânica, assim como quem diz que são coisas que temos que dizer, não forçosamente situações que esperançamos, o melhor é dizermos que esperamos, que desejamos, mesmo sabendo que nada de bom espera por nós, mesmo convencidos de que os nosso desejos esbarram com o imperativo de um destino imposto e inacreditável, mas traçado a régua e esquadro por quem de nós não se cuida, por quem nos obriga a ser menos, a viver na sub-cave da dignidade mínima a que todos temos direito.
Mas olha aí uma luzinha no fundo do túnel; mas vislumbra um recorte, curto, seja, mas plausível, de melhorarmos os dias; mas que coisa foi esta de acontecer, doendo-nos a direita, termos uma pequena, mas possível, alegria de esquerda
Fui ao baú das músicas que me têm vindo a alimentar, de formas diversas, o percurso dos meus dias. Ouvi de novo, «Mudar de Vida», do Paredes; fui até ao António Variações relembrar as palavras que cantou: «olha que a vida não é, nem deve ser, como um castigo que tu terás de viver», ou: «estás sempre a tempo de mudar»; re-ouvi o Zé Mário Branco a trazer Camões para a ribalta dos nossos tempos, ora bem, porque é verdade que «mudam-se os tempos, mudam-se as vontades»; recordei Pete Seeger, o Bob Dylan dos primórdios, o Jorge Palma a pedir o seu dinheiro de volta, o Samuel cantigueiro, o Zé Barata-Moura anti-caridadezinha e por aí fora.
Vai daí, outras cantigas voltaram a este fim de ano e poisaram na memória que me (nos) alimenta o futuro. Todas falam de «paz, pão, saúde, habitação», ou referem que «somos filhos da madrugada», que «há sempre alguém que resiste», ou proclamam «dêem uma oportunidade à paz» («give peace a chance»). Sérgio Godinho dos tempos aguerridos, Zeca Afonso de sempre, Manuel Alegre através do voz e do talento do Adriano, Lennon, para além da canção citada, a prendar-nos com «Imagine», a propor-nos um mundo que seja «uma irmandade fraterna de pessoas» («a brotherhood of man»).
Ora aí está o novo ano a fazer-me renascer alguma esperança. Cantando, está bem de ver, não porque quem cante seus males espante, mas talvez porque a cantar é que a gente se entende. Às vezes. E se pudermos erguer, em uníssono, algumas «vozes ao alto», não há-de ser má a colheita.
Estaremos, ainda, longe dos tempos de «maré alta». Mas, de facto, «a Liberdade está a passar por aqui». Atentos («cuidado com as imitações»), o melhor é cultivá-la. Coisa que muito bem podemos fazer, se assim o quisermos ou porque assim o queremos. Ao fim e ao cabo, mais tarde ou mais cedo, custe o que custar a quem custar, «o povo é (ou há-de ser) quem mais ordena».
Este novo ano é bem vindo. E se o conselho da cantiga da Rita do «Kilas, o Mau da Fita», é «põe-te em guarda!», diremos que em guarda estamos, mas de olhos postos na «saudade do futuro».
http://avante.pt/pt/2196/argumentos/138458/
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