4 ESQUINAS -
* António Rodrigues
8 de Setembro de 2023
O mundo que se
conta a partir do que se diz.
“But it'll
never come close/ To the rage built up inside of me/ Fist in the air, in the
land of hypocrisy!”, em Wake Up, dos Rage Against the Machine
A raiva
entronizada
Tom Morello
foi convidado para as comemorações oficiais dos 50 anos do
golpe de Pinochet no Chile, que se assinalam na segunda-feira. O guitarrista
dos Rage Against the Machine (RATM) e dos Audioslave é um activista (criou a
Axis of Justice com Serj Tankian, dos System of a Down) que sempre assumiu a
música como uma questão política. “Todos os concertos que dei foram uma
celebração da resistência”, dizia em Abril, numa entrevista à Rádio Rock.
Num concerto no
Chile em Junho afirmou-se como um “Víctor Jara com uma guitarra
eléctrica” a tentar falar com as pessoas para lhes dizer: “O mundo não vai
mudar por si mesmo, depende de ti.” O mesmo Morello disse esta semana, numa
entrevista a Paul Brannigan para a Louder, que um disco dos Sex Pistols lhe mudou a
vida: “Comecei a tocar guitarra numa banda 48 horas depois de ouvir Never
Mind the Bollocks.”
Armado com “as
ideias da solidariedade, igualdade, luta pela justiça e o antifascismo”,
Morello e os RATM construíram uma carreira de desafio ao capitalismo e ao
neoliberalismo, contra o racismo enraizado e a violência policial nos mesmos
Estados Unidos que em Novembro os vão entronizar no Rock & Roll Hall of Fame, o museu de
Cleveland que documenta a história do rock’n’roll.
Na tournée de
reencontro da banda no ano passado, depois do primeiro concerto no Wisconsin,
alguns dos fãs criticaram as mensagens políticas da banda, nomeadamente a
posição assumida em palco contra a decisão do Supremo Tribunal de reverter a
decisão Roe v. Wade e abrir caminho à proibição do aborto nos
Estados Unidos.
Que os fãs de
uma banda, que sempre assumiu o activismo político como essencial à sua criação
musical (começando pelo próprio nome: raiva contra a máquina), só descubram 30
anos depois que a banda tem ideias políticas radicais deixa-nos a pensar: ou os
RATM foram muito bons na passagem subliminar das suas mensagens ou, então, e
estou mais tentado para esta hipótese, desde que toques muito alto e com
energia, até o Livro Vermelho do Mao pode ser cantado
integralmente num palco em Wall Street.
O golpe como
jogo de vídeo
Cinquenta anos
depois, o Chile do presente continua extremamente marcado pelo passado, pelos
acontecimentos de 11 de Setembro de 1973, cujos 50 anos se assinalam na
segunda-feira. Um país que passou a segunda década deste século em movimentos
de protesto contra a sociedade cada vez mais desigual deixada pelos anos
de chumbo político-militar, eivados do mais puro neoliberalismo versão
Escola de Chicago (o Chile foi o seu laboratório na terra, com o beneplácito do
ditador e milhões de cobaias à disposição), e que hoje se mantém dividido.
Apesar de ter
um Presidente, Gabriel Boric, que saiu directamente dos movimentos estudantis
que ocuparam as ruas, o seu principal adversário é o filho de um antigo
ministro das Finanças da ditadura e pinochetista convicto e assumido, José
Antonio Kast.
E é nesse
contexto que surge Dirty Wars: 11 de Septiembre, um jogo de vídeo
agora lançado para chegar a tempo da data redonda dos 50 anos. Criado,
desenhado e desenvolvido pelo sociólogo Jorge Olivares, é a história de um casal (Maximiliano e Abigail)
que depois do golpe opta por entrar na clandestinidade para lutar contra o
regime militar.
"Os
personagens principais são basicamente inspirados na história dos meus
pais", disse Olivares à Reuters.
Lançado na
plataforma online Steam, Dirty Wars (guerra
suja é o termo usado para definir as acções ilegais levadas a cabo por um
regime para combater um determinado grupo social ou político) é um jogo stealth que
demorou seis anos a ser desenvolvido e que pretende “mostrar o contexto daquele
tempo”: um tempo em que os espectros invadiram a luz do dia para enterrar a
sociedade mais justa que Salvador Allende não teve tempo de construir.
Bisnagas
O seu nome
esteve envolvido numa polémica que o levou a deixar o jornal Le Monde em
2021, onde durante quase duas décadas publicou os seus pinguins da série Os Inegáveis.
Um cartoon que falava das novas famílias feitas de pais que já
tiveram outras famílias e de como as definições da lei ficam aquém desses novos
vínculos desatou uma tempestade por apologia da pedofilia.
Não foram as
críticas que o empurraram para a porta de saída, mas a atitude da direcção do
jornal, que resolveu pedir desculpa por
ter publicado um desenho que tinha aceitado publicar, e sem o ouvir.
Para Xavier
Gorce, numa entrevista publicada esta semana pela webzine franco-belga
ActuaBD, tratou-se de “uma reacção de medo do jornal” perante a “tempestade
digital” criada pelo desenho. “Acho que foi uma atitude cobarde recuar perante
a pressão das redes sociais”, uma decisão “cobarde e tola” que deixou o jornal
e a imprensa mais frágeis: “Quando se dá um passo atrás neste caso, só estamos
a apontar o caminho para mais recuos.”
O criador
compreende que a imprensa vive sob pressão, que as polémicas nas redes sociais
podem chamuscar ou mesmo deitar abaixo um projecto, mas que aderir sem
questionar a todo esse fenómeno de cancelamento pode trazer consequências
negativas. Para a imprensa em particular, como mediador na transmissão de
informação, e para a evolução da sociedade em geral, usar a indignação na
Internet como barómetro pode empurrar-nos para vielas esconsas.
Os cartoons sempre foram “contrapoder, político, religioso e económico”, tentam “chocar, sacudir um pouco”, “procuram despertar as pessoas que estão um tanto ou quanto apáticas”, desafiam a ordem com a simples arma da caneta. Querer domesticar os cartoonistas é trocar-lhes a caneta por uma bisnaga, e já se sabe como as bisnagas ajudaram tanto à evolução da espécie humana.
Pedro
Sánchez e um poema sufista
Publicado em
2019, é um livro de memórias políticas que fala de um socialista
que chegou à liderança do seu partido, foi empurrado para fora pelos barões e
acabou a regressar pelas mãos da militância até se vingar com a sua chegada a
primeiro-ministro. É, pois, um Manual de Resistência, assinado em
nome próprio por Pedro Sánchez, mas cuja escrita foi entregue a Irene Lozano,
com quem o ainda Presidente do Governo espanhol teve longas conversas e a quem
reconhece no prefácio a autoria.
A razão pela
qual se volta a falar do livro esta semana nada tem a ver com a controvérsia
causada pela escritora-fantasma, nem pelas qualidades literárias da obra ou o
ajuste de contas nela contido. A divulgação pelo Congresso espanhol da declaração de
bens, rendimentos e interesses económicos dos deputados esta semana deu a saber
que o primeiro-ministro ganhou 42 mil euros com os direitos de autor, mas não
ficou com nenhum. Depois de pagar impostos, entregou a verba à Obra
Social Nur. Tal como aliás tinha feito em 2022, embora até aí o
livro só lhe só tivesse rendido 8900 euros.
A associação
ligada ao Centro Sufí Nematollah entrega comida a pessoas necessitadas desde
2009 em Córdova e Madrid. E apesar de estar ligada ao sufismo, a corrente
mística e contemplativa do Islão, a Nur diz que está ao “serviço de todas as
pessoas, qualquer que seja o seu credo, cultura, etnia ou nacionalidade”.
Além de comida,
a associação também envia medicamentos a centros médicos em África - em Porto
Novo (Benim) e Abidjan (Costa do Marfim) - e presta apoio à manutenção e
desenvolvimento dos projectos da Casa Esperanza, em San Miguel de Allende
(México).
Ibn Marzuq, que
chegou de Marrocos no século XIV para ser pregador da mesquita do Alhambra, em
Granada, foi um dos grandes influenciadores de Ibn Zamrak, o maior poeta do Alhambra, a quem dava lições de
sufismo. É de Zamrak o longo poema na Sala das Duas Irmãs, de que extraímos estes
versos: “Por autorização do juiz da beleza/ paga, a duplicar, o imposto em duas
moedas/ porque se à alba, o Zéfiro que nas mãos/ deixa dracmas de luz,
bastaria/ logo atira no espesso, entre os troncos/ dobras de ouro de sol, que o
engalanam.”
https://www.publico.pt/2023/09/08/mundo/cronica/museu-resistencia-liberdade-2062582
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