* `Tiago Franco
Já perdi a conta aos períodos de despedimento colectivo que atravessei em 18 anos. Acaba por ser normal quando se vende a força de trabalho à hora, é um facto, mas não deixa de ser chato.
A meio desses processos que trazem sempre alguma angústia dou por mim a pensar que será a última vez. É desta que me deixo de vender à hora, qual reta de Coina versão digital, e passo à estabilidade dos contratos mais duradouros que os casamentos.
Pelo meio aparece sempre o mercado dos amigos liberais que me conta que não faltam sítios para vergar a mola. Há falta é de quem a queira vergar e, no fim, continuo a meter todas as fichas no risco. A vida é um casino. Ninguém disse mas foi pena.
Nunca fui ceifado pelas derrocadas do despedimento colectivo. Umas vezes sei como, outras nem tanto. Mas desta vez foi diferente. Já não canto a solo e há toda uma banda que pede mais algum cuidado.
São miúdos, ainda ontem estavam em casa dos pais. Emigraram, confiaram em estranhos, vieram cumprir o primeiro emprego a 3500 km de casa. São 7, faltam 2 na fotografia.
Desde que formámos uma equipa estabelecemos regras básicas de convívio e crescimento profissional. Quem vai a casa e cria mais trabalho para quem fica, traz uns pastéis de nata. É o mínimo aceitável. Os aumentos de salário são para todos. Se não for assim, quem recebe divide com os outros. Quem perde no pingue-pongue paga a cervejinha chinesa, um biberão de 0.6 L. Quem tem salário mais baixo tem prioridade nas horas extra. Quem sabe explica, quem não sabe pergunta. Não saber deixa de ser tema ao fim de umas semanas. Todos vão ver a família quando muito bem entenderem e tiram férias quando lhes apetecer. Ser do Sporting é aceitável, do Porto veremos quando acontecer.
Mas mais importante do que tudo, quem nos contrata sabe o que tem em mãos. Não é o Zé, o Manel ou o António. É uma equipa. A quem tudo se pode pedir, a qualquer hora do dia e em qualquer dia da semana mas...nada de mexer. Se quiserem despedir um, trocar outro ou mexer na dinâmica da coisa, pegamos nas violas e vamos todos cantar para o prédio do lado. É este o acordo desde o primeiro dia.
Portanto, enquanto numa sala cheia de gente, quem mandava explicava que iam ser despedidas umas dezenas largas de trabalhadores, nós já sabíamos que a faca passaria ao largo.
Mais tarde, essa mesma pessoa disse-se, em privado, "ainda estou para perceber como é que vocês conseguiram meter tudo a funcionar em tão poucos meses". Não sabe ele, nem sei eu. É a clássica história da ponte que todos os que passaram pelo ISEL ouviram no primeiro semestre de aulas.
O que realmente importa é que nos safámos, pelo menos desta vez, até que os chineses se lembrem de outra. Os chefes (suecos) agradecem à equipa portuguesa salvar a área de negócio em Gotemburgo, eu agradeço ao ISEL - Instituto Superior de Engenharia de Lisboa ter formado estes putos e também ao Centrão por criar condições de trabalho em Portugal tão miseráveis. E graças a essa combinação de factores, agradece o estimado leitor, também, por ter, pela primeira vez na história, a possibilidade de comprar um volvo baratinho (30 000 eur ou lá o que é) com coisas da Google lá dentro.
De aperto em aperto, os dias acabam sempre por ser bons. Uma pessoa envelhece mais depressa a este ritmo, é verdade, mas é preciso não esquecer que também só faltam 4 anos para a reforma. Dá para aguentar.
Ontem, um dos directores que anda atrás de novos projectos disse-me: "achas que conseguíamos convencer a Google a alinhar com a Aston Martin? Podia aparecer o logo numa cena do James Bond ou algo do género".
Epá...James Bond. Qualquer dia ainda começo a gostar da engenharia.
Bem vistas as coisas, a Google é que nos devia começar a patrocinar a ginja. Estes putos vão longe, é o que vos digo. Continuem a viver para os turistas e a exportar engenheiros. O primeiro mundo agradece.
2023 09 09
Sem comentários:
Enviar um comentário