terça-feira, 7 de setembro de 2010

Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio - Ricardo Reis

FERNANDO
PESSOA

Odes de
Ricardo Reis


    Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio. Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
    (Enlacemos as mãos.) Depois pensemos, crianças adultas, que a vida Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa, Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
    Mais longe que os deuses. Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos. Quer gozemos, quer nao gozemos, passamos como o rio. Mais vale saber passar silenciosamente
    E sem desassosegos grandes. Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz, Nem invejas que dão movimento demais aos olhos, Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
    E sempre iria ter ao mar. Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos, Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias, Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
    Ouvindo correr o rio e vendo-o. Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as No colo, e que o seu perfume suavize o momento - Este momento em que sossegadamente nao cremos em nada,
    Pagãos inocentes da decadência. Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-as de mim depois Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova, Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
    Nem fomos mais do que crianças. E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio, Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti. Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,
    Pagã triste e com flores no regaço. 
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    Ricardo Reis, 12-6-1914
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    http://www.insite.com.br/art/pessoa/ficcoes/rreis/315.html
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