segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Tolstoi: O gênio maior da literatura russa

Cultura

Vermelho  4 de Dezembro de 2010 - 0h02

No dia 20 de novembro, transcorreu o centenário da morte de Leon Tolstoi, uma das mais destacadas figuras da literatura russa cuja obra ocupa os lugares mais importantes na literatura mundial.

Por José Reinaldo Carvalho e Urariano Mota*

Tolstoi escrevendo A obra de Tolstoi pertence a um período histórico marcado pelo desenvolvimento de uma intelectualidade fecunda formada por democratas revolucionários
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Nessa obra encontram-se os mais marcantes traços da literatura russa da segunda metade do século 19. O reflexo multilateral da realidade, a crítica impiedosa à ordem social, a maestria na descoberta do mundo interior das pessoas e um elevado padrão estético. A mais perfeita fusão entre fundo e forma. A beleza artística em sua mais elevada expressão.
 Sobre ele disse Máximo Gorki que ao longo de 60 anos fez ouvir sua voz severa e justa, mostrando com maestria a amplidão da vida na Rússia. E Lênin: “Leon Tolstoi apresentou tantas questões fundamentais em seus escritos, alcançou em sua arte tão grande força, que suas obras figuram entre as melhores da literatura mundial”. Também Tchernichevski escreveu sobre as duas características essenciais de seu talento: o conhecimento da dialética do espírito e a pureza cristalina dos sentimentos morais.

Na época em que viveu, a Rússia concentrava as contradições do imperialismo e se tornou seu elo débil. O império russo era também, por esta razão, o centro do movimento revolucionário mundial. Ao escrever, enquanto narrava a miséria moral das classes dominantes, Tolstoi fez crescer a grandeza do camponês explorado, refletindo seus sofrimentos, dores e cólera.

A obra de Tolstoi pertence a um período histórico marcado pelo desenvolvimento de uma intelectualidade fecunda formada por democratas revolucionários, destacadamente Tchernichevski e Dobroliubov, época em que a questão política central era a luta contra o czarismo e no plano econômico-social, a luta pela libertação do campesinato do regime de servidão. Os democratas revolucionários compreendiam que a terra pertencia inteiramente aos camponeses e faziam chamamentos pela liquidação da autocracia e da propriedade latifundiária. Sem ter pertencido ao movimento dos democratas revolucionários, pacifista e avesso à violência revolucionária, Tolstoi, contudo, refletiu em muitas das suas obras, o drama dos camponeses russos. Homem de fé cristã, cuja ética, não tanto o dogma do cristianismo, está presente em sua criação artística, não deixou de ver e apreender a realidade pela ótica do realismo, capacidade com a qual pôde desvendar as mazelas sociais e as misérias e grandezas da alma humana.

Isto se observa com a evolução da mundivisão do gênio maior da literatura russa. Pela origem e educação que recebeu, Tolstoi pertencia à nobreza proprietária de terras, mas a vida mesma lhe fez compreender o parasitismo de sua classe de origem e as injustiças da ordem social em que se assentava seu domínio, até chegar à conclusão de que se tornava necessário mudar as relações entre a nobreza e o campesinato.

Tolstoi nasceu em 9 de setembro de 1828 em Iasnaia Poliana, nos arredores de Moscou, onde viveu quase toda a sua vida. Estudou na Faculdade de Kazan línguas orientais e direito, sem atribuir grande importância a essa atividade. Em 1851 serviu como oficial do exército czarista no Cáucaso. O contato com os montanheses, gente simples, forte e orgulhosa, aumentou em Tolstoi o sentimento de respeito para com o povo e a fé na sua força, conhecimento e sentimentos que lhe deram a matéria-prima para o romance Os Cossacos, que escreveria mais tarde.

Sua primeira obra foi Infância, parte de uma trilogia autobiográfica que escreveu entre 1852 e 1857, ano em que viajou à Europa Ocidental e conheceu de perto a civilização burguesa. Em Paris presenciou uma execução pública de sentença de morte, ao passo que em Lucerna, na Suíça, testemunhou uma repugnante cena: toda noite um cantor pobre se apresentava para uma malta de burgueses, sem nada receber em troca. Em três dias, o gênio russo escreveu o conto Lucerna, no qual desmascara a falsa moral burguesa, a indiferença dos ricos para com as pessoas simples, sua ignorância e seu desprezo pela arte.

Entre os anos de 1863 e 1869, Tolstoi escreveu a grande epopeia popular da nação russa, Guerra e Paz, obra que se refere a um grande período histórico, de 1805, quando ocorreu a primeira guerra entre a Rússia czarista e a França bonapartista, a 1820, quando começavam a tornar-se perceptíveis os sinais da insurreição dos dezembristas. São 15 anos da história da Rússia, repletos de acontecimentos decisivos. O ambiente histórico impetuoso é o cenário em que vivem os personagens do romance. Tolstoi conduz o leitor através de cenários variados, da vida pacífica às batalhas militares, numa teia de acontecimentos multifacéticos incidindo sobre a vida do povo, herói coletivo da epopeia, e dos personagens individuais da vida privada e familiar.

Guerra e Paz é uma obra-prima da literatura russa e da literatura mundial de todos os tempos. "É como a Ilíada", diria o escritor, com a consciência do que havia realizado. A extraordinária criatividade de Tolstoi, seu conhecimento da psicologia humana, sua percepção da história e da vida social se manifestam com genialidade tanto na descrição de grandes acontecimentos como na criação de personagens, entre os quais avultam Pedro Bezukhov e um ser tão elevado, nobre e belo como Natasha.

A outra grande obra que levou Leon Tolstoi ao panteão da literatura universal foi Ana Karenina. O que o burguês hipócrita de hoje, tal como o aristocrata da época, considera a “história de uma mulher infiel”, de uma mulher “bem casada” dos círculos sociais elevados que “se perde”, é verdadeiramente a história de uma bela e forte mulher que luta pelo mais elementar direito do ser humano: a felicidade.

Por amor e em busca desse direito, ainda que enganada em sua busca, Ana decide romper com o estado de solidão espiritual em que se encontrava, mercê de um matrimônio infeliz contraído segundo cânones reacionários de uma época reacionária em uma sociedade reacionária.

Em Ana Karenina, o autor agiganta-se como um artista que conhece profundamente a alma humana, atingindo um nível raro de interpretação psicológica e de perfeição artística. Tolstoi retrata, através do amor e da tragédia de Ana Karenina, a decadência moral da aristocracia e a falsidade das suas concepções.

Também ocupa lugar especial na obra de Tolstoi A Morte de Ivan Ilitch. Segundo Paulo Rónai, tradutor da Comédia Humana, de Balzac, muitos críticos consideram-na como "a novela mais perfeita da literatura mundial; a agonia de um burocrata insignificante serve de pretexto ao autor para nos contar uma história que diz respeito ao destino de cada um de nós e que é impossível ler sem um frêmito de angústia e de purificação".

Boris Schnaiderman diz sobre A morte de Ivan Ilitch: “É justamente no período mais intenso destas suas preocupações, na maturidade e na velhice, que atinge o máximo de perfeição num gênero que vinha praticando desde moço - a novela -, e que escreve alguns dos seus contos mais extraordinários. É como se o passar dos anos lhe desse maior capacidade de síntese, como se a reflexão se cristalizasse mais e se decantasse. A Morte de Ivan Ilitch (1884-86), celebrada geralmente como o ápice do gênero novela em toda a literatura mundial, é na realidade o inicio de uma série de trabalhos neste sentido, alguns dos quais podem ser colocados praticamente no mesmo nível”.

Ao homenagear o grande gênio da literatura russa, Prosa, Poesia e Arte não pode deixar sem referência outra das suas grandes obras: Ressurreição. Escrito no apagar das luzes do século 19, último dos seus grandes romances, é a expressão mais clara da cólera tolstoiana contra as bases sobre as quais se soerguia o regime czarista, contra a moral e a cultura da sociedade aristocrática.

* José Reinaldo Carvalho é editor do Vermelho. Urariano Mota é jornalista e escritor pernambucano e colunista do Vermelho 
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