segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Guilherme Duarte - Review à carta aberta do Manuel Bourbon Ribeiro

* Guilherme Duarte
4 novembro 2016

Estão todos a par do texto publicado no Observador de um tal de Manuel Bourbon Ribeiro? Um rapaz de 17 anos que decidiu fazer uma "Carta Aberta ao meu país" onde disserta sobre os grandes problemas de Portugal que passo a comentar, de seguida. Relembro que é um miúdo de 17 anos e que, por isso, vou ser meiguinho que o meu objectivo não é fazer bullying a menores, mas é normal que perca o autocontrolo a meio e o ofenda de alguma forma. Comecemos:

"Se esta carta fosse escrita há 500 anos provavelmente estava com medo de te escrever. Provavelmente a tua grandeza ter-me-ia me assustado e não teria coragem de te dirigir a palavra, mas, a verdade é que não és tão grande como outrora."

Se a carta fosse escrita há 500 anos muito dificilmente saberias escrever porque mais de 95% da população era analfabeta. Bem sei que será difícil imaginares-te como parte da maioria e não de uma minoria privilegiada que vive na sua bolha, mas ya, provavelmente até já tinhas morrido de disenteria com 17 anos. Esse discurso é o mesmo que alguns russos podem ter quando choram a queda do império soviético ou alguns alemães que acham que a Alemanha já não é grande porque já não tem o controlo da Polónia e da França e que o senhor de bigode até fez umas coisas boas. Curioso referires o D. Sebastião porque encontro vários paralelismos entre ti e ele: ambos loirinhos de olhos claros e ambos bastante novos e mal preparados para mandar bitaites sobre o país. A tua sorte é que se fores a Marrocos é para passear e não para combater os mouros, mas sim, antigamente é que era bom.

"Não tenho qualquer autoridade para te criticar ou emitir juízos de valor acerca de ti, mas já que toda a gente o faz, mesmo quem nada percebe, arrisquei fazê-lo."

Bom, ao menos admites, já não é mau. O primeiro passo para a cura é sair da negação.

"Como é que eu posso fazer algo grande se em vez de me ensinares os grandes feitos por ti alcançados no passado e de me fazeres ter orgulho por fazer parte de ti, te preocupas em impingir-me coisas sem sentido como seja a ausência de diferenças entre raparigas e rapazes numa idade em que nem sei ler? Ensina-me a pensar, ensina-me Ciências ou História porque de sexo não percebes nada."

Vamos por partes. Sim, acho que a história não deve ser apagada só porque é "ofensiva" e que os acontecimentos passados não podem ser interpretados à luz da consciência social actual. Estamos de acordo, os Descobrimentos continuam a ser um grande feito apesar de todas as atrocidades cometidas. Sim, a escravatura foi das marcas mais negras (salvo seja) da história, mas aconteceu e todos nós usufruímos dela quando vamos a um monumento admirar a sua imponência. Os Jerónimos foram construídos com dinheiro roubado e com mão de obra escrava. É por isso que não devemos admirar ou devemos demolir? Acho que não, mas falar sobre o assunto só nos torna mais cultos e até podemos tirar boas ideias para depois fazer obras em casa que com a escravatura, parecendo que não, as coisas ficavam mais dentro do orçamento e não atrasavam tanto.

Sim, também acho que não reconhecer diferenças biológicas entre homens e mulheres é palermice, mas não sei se é isso que se ensina nas escolas. Nunca vi nenhum livro de ciências da natureza que dissesse "Mesmo que tenhas vagina, podes urinar em pé", mas eu já saí da escola há muitos anos, pode estar mudado. Não deixa de ser curioso achares que o Estado de sexo não percebe nada quanto tu apoias a Igreja Católica, instituição que mais dicas tenta dar sobre sexo a todo o mundo, sobre como, quando e com quem fazer sexo e se há alguém que não tem experiência na matéria são os padres, excepto aqueles 10% que praticam com modelos de escala menor.

"Mas, pensando melhor, como é que eu posso escolher o meu futuro se nem sequer a escola onde estudo posso escolher?"

Escolher a escola onde andas? Tu nem andaste na escola, andaste no colégio, deixa de chorar como se não fizesses parte dos privilegiados cujos pais podem pagar a educação toda que quiseres sem nunca teres de trabalhar para sustentar os teus estudos. Os meus pais também me pagaram as propinas e não me vês a queixar que eram muito caras até porque andei lá 8 anos a gastar-lhes o dinheiro, mas pode ser que se se portarem bem eu depois os meta num bom lar.

"Dá-me a liberdade para escolher!"

Acho importante retermos todos esta frase porque aposto que vai dar jeito daqui a pouco.

"Como é que me dizes que sou livre se me tiras mais rendimentos hoje do que alguma vez me tiraste?"

Tu não tens rendimentos. Tu tens mesada ou semanada e que eu saiba isso não paga impostos porque duvido que passes recibo ao teus pais. Há impostos a mais? Claro, mas não te preocupes que, por norma, o pessoal que ganha bem e tem contactos na política, consegue fugir e meter dinheiro em offshores.

"Portugal, tu estás diferente. Onde é que estão os grandes governantes a que me habituaste? Antigamente os reis e ministros iam parar ao panteão. Hoje quem governa, ou suborna ou vai parar à prisão."

Grandes governantes tipo o Salazar, suponho. Relembro que um dos líderes que tu gostas muito, suponho, o Paulo Portas, também tem submarinos no armário, por isso esquerda ou direita acaba por ser tudo um bocado a mesma coisa em termos de corrupção, nisso concordamos. Aliás, a tua mãe foi deputada pelo CDS-PP e não me lembro de a ter visto fazer pressão sobre esses assuntos. Ah e o teu tio foi chefe de gabinete enquanto ele era ministro de Estado. Boas connections que tu tens e eu aqui todo contente porque conheço bem o Kaló, dealer da Damaia.

"Como é que eu, com 17 anos, não posso escolher o destino do meu país, mas posso mudar de sexo?"

Bom, então e o que escreveste há bocado "Dá-me a liberdade para escolher!"? Como é que ficamos? A minha pergunta é: como é que tu com 17 anos tens um artigo bastante fraco publicado num jornal? Essa é que devia ser a pergunta. Andasses tu nas escolas onde eu andei e levavas no focinho no intervalo grande depois de veres uma coisa destas sem jeito nenhum publicada. Sorte que no teu meio não há bullying porque os bullies só se juntam para atacar os mais fracos e desfavorecidos.

"Achas que me estás a ajudar se me incentivas a ser outra pessoa que não aquela que veio ao mundo com o meu nome? Achas que com 16 anos tenho capacidade de negar aquilo que sou?"

Bom, acho que não há incentivo a mudar de sexo. Nunca vi um cabeleireiro a dizer a uma criança de 10 anos "Maria, que acha de raparmos o cabelinho e trocar esse pipi por uma pichota cheia de veias lindas?". 

"Pareces mais parvo que eu quando decido escolher o caminho mais fácil por imaturidade. Posso ainda nem ser maior de idade, mas sei que a vida é tudo menos fácil."

O caminho mais fácil tipo ter um texto publicado no Observador só porque se pode? Não sei se sabes bem isso de a vida ser tudo menos fácil. Estou a ser preconceituoso, claro, podes ter nascido no meio privilegiado à partida, mas não o seres. Conheço rapazes como tu que foram obrigados a ir para medicina por estatuto e pressão familiar e ficaram adultos profundamente infelizes. Mais privilegiado serei eu que tive a liberdade para ser quem quis e os meus pais só iam sofrendo para dentro sem me cortar as asas. 

"Porque é que me ajudas a acabar com a minha própria vida sem me tentares ajudar primeiro?"

E a liberdade para escolheres, Bourbon? Onde anda ela? Esta gente pensa que a eutanásia é prescrita numa consulta do médico de família porque um gajo tem dor ciática. Ninguém receita eutanásia sem esgotar todos os recursos primeiro. Eutanásia não é alternativa ao Kompensan.

"Uma vida nunca é insignificante e até um embrião é uma pessoa. Porque é que me incentivas a matá-lo e não me ajudas a ser feliz com ele?"

Portanto, tu queres liberdade para escolher menos se for na temática do aborto, da mudança de sexo, da eutanásia. Ou seja, queres liberdade para escolher sobre a vida dos outros, é isso? Eu percebo, na tua idade eu também pensava que sabia tudo da vida e que os outros é que estavam mal. Ainda penso, na verdade. Não, um embrião não é uma pessoa e tu que tanto que falas de ensinar ciência na escola, esqueceste-te de ir às aulas de biologia. Estou a partir do princípio que estás no agrupamento de ciências porque não tens pinta de artista e se foste para humanidades deixa-me dizer-te que escreves mal e devias reconsiderar.

"Porque é que uma mãe sem condições financeiras não tem uma creche gratuita para poder trabalhar enquanto cria o seu filho? Isso faz com que as pessoas não tenham filhos. E, digo-te já, estás a criar um problema gravíssimo. Os meus pais tiveram 6 filhos por terem condições e são felicíssimos."

São felicíssimos é o que eles dizem, mas garanto-te que em 6 há pelo menos um que é um otário e que eles se arrependem de ter tido. Não estou a dizer que és tu, pode ser o Bernardo ou a Francisca ou o José Maria, mas um de vocês deve ter saído estragado. Quanto a uma mãe solteira sem condições ter creche gratuita, estamos de acordo, mas para isso é preciso que quem ganha mais dinheiro esteja disposto a pagar mais impostos e isso é coisa que resvala para o socialismo. Queres ver que és socialista e não sabias?

"Neste momento estou a estudar Direito e, apesar de terem passado poucos meses desde que comecei, aprendi muitas coisas."

Ahhh estás a estudar Direito, ok. Felizmente estás numa área mais fácil de ter iniciativa privada, porque basta abrires um escritório para teres a tua empresa montada sem ser preciso grande investimento. Depois o resto é feito com qualidade e com contactos e uma dessas coisas tu já tens.

"Será que estás a dar o exemplo do que é uma Democracia quando quem governou durante 4 anos nem sequer ganhou as eleições? Que país é este que se diz democrático, mas que não faz a vontade ao povo?"

Bom, com este ponto mostras que não sabes como funciona a democracia. Vou explicar: nas eleições elegem-se deputados e não partidos vencedores. A vontade do povo – que foi votar – foi expressa na chamada geringonça porque era a que tinha a maioria dos deputados escolhidos pela população. Percebeste? É muito comum em países ditos desenvolvidos este tipo de dinâmicas de de acordos pós-eleitorais. Quanto ao resto, não digo que foi por mérito, pode ter sido contexto económico europeu e mundial, mas olhando para todos os índices estamos melhor do que quando saiu de lá o Passos Coelho. Mas, já que falas em fazer a vontade ao povo (curioso chamares povo e não plebe) então e a questão do aborto? O povo votou e decidiu, que tal calares-te com esse assunto e respeitares a decisão da maioria?

"Que país é este que ao ver a sua defesa ameaçada e roubada, como aconteceu em Tancos, não sabe punir e responsabilizar os intervenientes? Que país é este que perante quase metade da percentagem de abstenção, resultante de uma colossal indiferença do seu povo perante a vida política, fica de braços cruzados a lamentar-se, sem quaisquer medidas concretas para o resolver?"

Estamos de acordo em relação à abstenção e a Tancos, mas acho que toda a gente que leia isto estará de acordo o que significa que estás apenas a dizer coisas do senso comum e nada de inovador. Eu sou do tempo em que para publicar coisas num jornal era preciso ter alguma coisa nova a dizer e que as pessoas ainda não soubessem.

"As pessoas que mandam estão há mais anos no poder do que eu na vida. Temos um sistema político ultrapassado e as pessoas estão fartas. Como é que não percebes isso, Portugal?"

Concordo Bourbon, queres ver que ainda acabamos isto a formar um partido juntos? Eu faço os abortos enquanto tu reanimas os fetos a rezar.

"Que país és tu que não garante, de modo algum, a segurança dos seus cidadãos?"

Bourbon, somos o terceiro país mais seguro do mundo e aposto que a tua zona deve ser das mais seguras de Portugal.

"Um país que está mais preocupado em descobrir de quem é a culpa do que a resolver os problemas causados."

Tens de te decidir. Em Tancos dizes que ninguém foi responsabilizado, aqui dizes que se preocupam demasiado em descobrir de quem é a culpa. Assim não dá, Bourbon. Estás a estudar Direito, não podes estar aqui a mudar de opinião e a ser incoerente.

"Como é que é possível que o trabalho dos polícias não seja valorizado como devia?"

Concordo. Os polícias são mal pagos e mal vistos na sociedade e fazem um trabalho importante, mas comprar pulseirinhas para mostrar e ganhar votos não é solução.

"Daqui a cinco anos devo entrar no mercado de trabalho e tenho de me fazer à vida."

Ah ah ah, ó Bourbon, arranjar uma cunha para trabalhar não é bem fazer à vida. Repara, não digo isto por preconceito de teres três nomes, ar de beto, e vires de boas famílias. Digo isto porque publicaste um texto mal escrito e sem nada de novo num jornal de referência em Portugal. Logo, se já tens essas cunhas com 17 anos, imagino que não tenhas de te preocupar muito com o teu futuro no mercado de trabalho. Aposto que nem vais ter de fazer um CV para ser chamado para entrevistas. Estranho, até, não tires ido a nenhuma das rádios da Media Capital, seja à Comercial, Cidade FM ou M80, dizer este teu texto. O teu pai é o CEO dessas rádios e podia ter-te dado uma ajuda. Queres que tente meter uma cunha por ti? Deves tratá-lo por você e se calhar têm uma relação distante e eu podia ajudar. É que acho estranho tu seres filho de uma ex-deputada do CDS e do CEO das rádios da Media Capital e o melhor que te arranjaram foi o Observador? Os teus pais não gostam muito de ti, puto, lamento informar. E eu fui à Rádio Observador hoje de manhã dar uma entrevista, mas convenhamos que não tive liberdade para escolher entre eles e a Comercial.

A culpa não é tua. É normal que um adolescente que viveu numa bolha pense como um adolescente que viveu numa bolha. É normal que a religião que te foi enfiada pela goela desde criança te tolde a forma de ver o mundo e que queiras liberdade para escolher quando não ta deram a ti, ao educarem-te assim. Não és mau miúdo, se calhar até queres mudar o mundo e torna-lo melhor para todos. Sai da tua bolha, lê, ouve os dois lados. Precisamos de miúdos como tu que se preocupam e que têm iniciativa. Precisamos é que se preocupem com as coisas certas. Percebo que queiras exigir muitas coisa do teu país, mas embora a diferença entre "pais" e "país" seja apenas um acento, mas não é por aí que ambos têm de te fazer as vontades todas e te dar tudo o que queres.

***

Sem comentários: