* Guilherme Duarte
4 novembro 2016
Estão todos a par do texto publicado no
Observador de um tal de Manuel Bourbon Ribeiro? Um rapaz de 17 anos que decidiu
fazer uma "Carta Aberta ao meu país" onde disserta sobre os grandes
problemas de Portugal que passo a comentar, de seguida. Relembro que é um miúdo
de 17 anos e que, por isso, vou ser meiguinho que o meu objectivo não é fazer
bullying a menores, mas é normal que perca o autocontrolo a meio e o ofenda de
alguma forma. Comecemos:
"Se esta carta fosse escrita há 500 anos
provavelmente estava com medo de te escrever. Provavelmente a tua grandeza
ter-me-ia me assustado e não teria coragem de te dirigir a palavra, mas, a
verdade é que não és tão grande como outrora."
Se a carta fosse escrita há 500 anos muito
dificilmente saberias escrever porque mais de 95% da população era analfabeta.
Bem sei que será difícil imaginares-te como parte da maioria e não de uma
minoria privilegiada que vive na sua bolha, mas ya, provavelmente até já tinhas
morrido de disenteria com 17 anos. Esse discurso é o mesmo que alguns russos
podem ter quando choram a queda do império soviético ou alguns alemães que
acham que a Alemanha já não é grande porque já não tem o controlo da Polónia e
da França e que o senhor de bigode até fez umas coisas boas. Curioso referires
o D. Sebastião porque encontro vários paralelismos entre ti e ele: ambos
loirinhos de olhos claros e ambos bastante novos e mal preparados para mandar
bitaites sobre o país. A tua sorte é que se fores a Marrocos é para passear e
não para combater os mouros, mas sim, antigamente é que era bom.
"Não tenho qualquer autoridade para te
criticar ou emitir juízos de valor acerca de ti, mas já que toda a gente o faz,
mesmo quem nada percebe, arrisquei fazê-lo."
Bom, ao menos admites, já não é mau. O
primeiro passo para a cura é sair da negação.
"Como é que eu posso fazer algo grande se
em vez de me ensinares os grandes feitos por ti alcançados no passado e de me
fazeres ter orgulho por fazer parte de ti, te preocupas em impingir-me coisas
sem sentido como seja a ausência de diferenças entre raparigas e rapazes numa
idade em que nem sei ler? Ensina-me a pensar, ensina-me Ciências ou
História porque de sexo não percebes nada."
Vamos por partes. Sim, acho que a história não
deve ser apagada só porque é "ofensiva" e que os acontecimentos
passados não podem ser interpretados à luz da consciência social actual.
Estamos de acordo, os Descobrimentos continuam a ser um grande feito apesar de
todas as atrocidades cometidas. Sim, a escravatura foi das marcas mais negras
(salvo seja) da história, mas aconteceu e todos nós usufruímos dela quando
vamos a um monumento admirar a sua imponência. Os Jerónimos foram
construídos com dinheiro roubado e com mão de obra escrava. É por isso que
não devemos admirar ou devemos demolir? Acho que não, mas falar sobre o assunto
só nos torna mais cultos e até podemos tirar boas ideias para depois fazer
obras em casa que com a escravatura, parecendo que não, as coisas ficavam mais
dentro do orçamento e não atrasavam tanto.
Sim, também acho que não reconhecer diferenças
biológicas entre homens e mulheres é palermice, mas não sei se é isso que se
ensina nas escolas. Nunca vi nenhum livro de ciências da natureza que dissesse
"Mesmo que tenhas vagina, podes urinar em pé", mas eu já saí da
escola há muitos anos, pode estar mudado. Não deixa de ser curioso achares
que o Estado de sexo não percebe nada quanto tu apoias a Igreja Católica,
instituição que mais dicas tenta dar sobre sexo a todo o mundo, sobre como, quando
e com quem fazer sexo e se há alguém que não tem experiência na matéria são os
padres, excepto aqueles 10% que praticam com modelos de escala menor.
"Mas, pensando melhor, como é que eu
posso escolher o meu futuro se nem sequer a escola onde estudo posso
escolher?"
Escolher a escola onde andas? Tu nem andaste
na escola, andaste no colégio, deixa de chorar como se não fizesses parte dos
privilegiados cujos pais podem pagar a educação toda que quiseres sem
nunca teres de trabalhar para sustentar os teus estudos. Os meus pais também me
pagaram as propinas e não me vês a queixar que eram muito caras até porque
andei lá 8 anos a gastar-lhes o dinheiro, mas pode ser que se se portarem bem
eu depois os meta num bom lar.
"Dá-me a liberdade para escolher!"
Acho importante retermos todos esta frase
porque aposto que vai dar jeito daqui a pouco.
"Como é que me dizes que sou livre se me
tiras mais rendimentos hoje do que alguma vez me tiraste?"
Tu não tens rendimentos. Tu tens mesada ou
semanada e que eu saiba isso não paga impostos porque duvido que passes recibo
ao teus pais. Há impostos a mais? Claro, mas não te preocupes que, por
norma, o pessoal que ganha bem e tem contactos na política, consegue fugir e
meter dinheiro em offshores.
"Portugal, tu estás diferente. Onde é que
estão os grandes governantes a que me habituaste? Antigamente os reis e
ministros iam parar ao panteão. Hoje quem governa, ou suborna ou vai parar à
prisão."
Grandes governantes tipo o Salazar, suponho.
Relembro que um dos líderes que tu gostas muito, suponho, o Paulo Portas,
também tem submarinos no armário, por isso esquerda ou direita acaba por ser
tudo um bocado a mesma coisa em termos de corrupção, nisso concordamos. Aliás,
a tua mãe foi deputada pelo CDS-PP e não me lembro de a ter visto fazer pressão
sobre esses assuntos. Ah e o teu tio foi chefe de gabinete enquanto ele era
ministro de Estado. Boas connections que tu tens e eu aqui todo contente porque
conheço bem o Kaló, dealer da Damaia.
"Como é que eu, com 17 anos, não posso
escolher o destino do meu país, mas posso mudar de sexo?"
Bom, então e o que escreveste há bocado
"Dá-me a liberdade para escolher!"? Como é que ficamos? A minha
pergunta é: como é que tu com 17 anos tens um artigo bastante fraco publicado
num jornal? Essa é que devia ser a pergunta. Andasses tu nas escolas onde eu
andei e levavas no focinho no intervalo grande depois de veres uma coisa destas
sem jeito nenhum publicada. Sorte que no teu meio não há bullying porque os
bullies só se juntam para atacar os mais fracos e desfavorecidos.
"Achas que me estás a ajudar se me
incentivas a ser outra pessoa que não aquela que veio ao mundo com o meu nome?
Achas que com 16 anos tenho capacidade de negar aquilo que sou?"
Bom, acho que não há incentivo a mudar de
sexo. Nunca vi um cabeleireiro a dizer a uma criança de 10 anos "Maria,
que acha de raparmos o cabelinho e trocar esse pipi por uma pichota cheia de
veias lindas?".
"Pareces mais parvo que eu quando decido
escolher o caminho mais fácil por imaturidade. Posso ainda nem ser maior de
idade, mas sei que a vida é tudo menos fácil."
O caminho mais fácil tipo ter um texto
publicado no Observador só porque se pode? Não sei se sabes bem isso de a vida
ser tudo menos fácil. Estou a ser preconceituoso, claro, podes ter nascido no
meio privilegiado à partida, mas não o seres. Conheço rapazes como tu que
foram obrigados a ir para medicina por estatuto e pressão familiar e ficaram
adultos profundamente infelizes. Mais privilegiado serei eu que tive a
liberdade para ser quem quis e os meus pais só iam sofrendo para dentro sem me
cortar as asas.
"Porque é que me ajudas a acabar com a
minha própria vida sem me tentares ajudar primeiro?"
E a liberdade para escolheres, Bourbon? Onde
anda ela? Esta gente pensa que a eutanásia é prescrita numa consulta do médico
de família porque um gajo tem dor ciática. Ninguém receita eutanásia sem
esgotar todos os recursos primeiro. Eutanásia não é alternativa ao Kompensan.
"Uma vida nunca é insignificante e até um
embrião é uma pessoa. Porque é que me incentivas a matá-lo e não me ajudas a
ser feliz com ele?"
Portanto, tu queres liberdade para escolher
menos se for na temática do aborto, da mudança de sexo, da eutanásia. Ou seja,
queres liberdade para escolher sobre a vida dos outros, é isso? Eu percebo, na
tua idade eu também pensava que sabia tudo da vida e que os outros é que
estavam mal. Ainda penso, na verdade. Não, um embrião não é uma pessoa e
tu que tanto que falas de ensinar ciência na escola, esqueceste-te de ir às
aulas de biologia. Estou a partir do princípio que estás no agrupamento de
ciências porque não tens pinta de artista e se foste para humanidades deixa-me
dizer-te que escreves mal e devias reconsiderar.
"Porque é que uma mãe sem condições
financeiras não tem uma creche gratuita para poder trabalhar enquanto cria o
seu filho? Isso faz com que as pessoas não tenham filhos. E, digo-te já, estás
a criar um problema gravíssimo. Os meus pais tiveram 6 filhos por terem
condições e são felicíssimos."
São felicíssimos é o que eles dizem, mas
garanto-te que em 6 há pelo menos um que é um otário e que eles se arrependem
de ter tido. Não estou a dizer que és tu, pode ser o Bernardo ou a Francisca ou
o José Maria, mas um de vocês deve ter saído estragado. Quanto a uma mãe
solteira sem condições ter creche gratuita, estamos de acordo, mas para isso é
preciso que quem ganha mais dinheiro esteja disposto a pagar mais impostos e
isso é coisa que resvala para o socialismo. Queres ver que és socialista e não
sabias?
"Neste momento estou a estudar Direito e,
apesar de terem passado poucos meses desde que comecei, aprendi muitas
coisas."
Ahhh estás a estudar Direito, ok. Felizmente
estás numa área mais fácil de ter iniciativa privada, porque basta abrires um
escritório para teres a tua empresa montada sem ser preciso grande
investimento. Depois o resto é feito com qualidade e com contactos e uma dessas
coisas tu já tens.
"Será que estás a dar o exemplo do que é
uma Democracia quando quem governou durante 4 anos nem sequer ganhou as
eleições? Que país é este que se diz democrático, mas que não faz a vontade ao
povo?"
Bom, com este ponto mostras que não sabes como
funciona a democracia. Vou explicar: nas eleições elegem-se deputados e não
partidos vencedores. A vontade do povo – que foi votar – foi expressa na
chamada geringonça porque era a que tinha a maioria dos deputados escolhidos
pela população. Percebeste? É muito comum em países ditos
desenvolvidos este tipo de dinâmicas de de acordos pós-eleitorais. Quanto
ao resto, não digo que foi por mérito, pode ter sido contexto
económico europeu e mundial, mas olhando para todos os índices estamos
melhor do que quando saiu de lá o Passos Coelho. Mas, já que falas em fazer a
vontade ao povo (curioso chamares povo e não plebe) então e a questão do
aborto? O povo votou e decidiu, que tal calares-te com esse assunto e respeitares
a decisão da maioria?
"Que país é este que ao ver a sua defesa
ameaçada e roubada, como aconteceu em Tancos, não sabe punir e responsabilizar
os intervenientes? Que país é este que perante quase metade da percentagem de
abstenção, resultante de uma colossal indiferença do seu povo perante a vida
política, fica de braços cruzados a lamentar-se, sem quaisquer medidas
concretas para o resolver?"
Estamos de acordo em relação à abstenção e a
Tancos, mas acho que toda a gente que leia isto estará de acordo o que
significa que estás apenas a dizer coisas do senso comum e nada de inovador. Eu
sou do tempo em que para publicar coisas num jornal era preciso ter alguma
coisa nova a dizer e que as pessoas ainda não soubessem.
"As pessoas que mandam estão há mais anos
no poder do que eu na vida. Temos um sistema político ultrapassado e as pessoas
estão fartas. Como é que não percebes isso, Portugal?"
Concordo Bourbon, queres ver que ainda
acabamos isto a formar um partido juntos? Eu faço os abortos enquanto tu reanimas
os fetos a rezar.
"Que país és tu que não garante, de modo
algum, a segurança dos seus cidadãos?"
Bourbon, somos o terceiro país mais seguro do
mundo e aposto que a tua zona deve ser das mais seguras de Portugal.
"Um país que está mais preocupado em
descobrir de quem é a culpa do que a resolver os problemas causados."
Tens de te decidir. Em Tancos dizes que
ninguém foi responsabilizado, aqui dizes que se preocupam demasiado em
descobrir de quem é a culpa. Assim não dá, Bourbon. Estás a estudar Direito,
não podes estar aqui a mudar de opinião e a ser incoerente.
"Como é que é possível que o trabalho dos
polícias não seja valorizado como devia?"
Concordo. Os polícias são mal pagos e mal
vistos na sociedade e fazem um trabalho importante, mas comprar pulseirinhas
para mostrar e ganhar votos não é solução.
"Daqui a cinco anos devo entrar no
mercado de trabalho e tenho de me fazer à vida."
Ah ah ah, ó Bourbon, arranjar uma cunha para
trabalhar não é bem fazer à vida. Repara, não digo isto por preconceito de
teres três nomes, ar de beto, e vires de boas famílias. Digo isto porque
publicaste um texto mal escrito e sem nada de novo num jornal de referência em
Portugal. Logo, se já tens essas cunhas com 17 anos, imagino que não tenhas de
te preocupar muito com o teu futuro no mercado de trabalho. Aposto que nem vais
ter de fazer um CV para ser chamado para entrevistas. Estranho, até, não
tires ido a nenhuma das rádios da Media Capital, seja à Comercial, Cidade FM ou
M80, dizer este teu texto. O teu pai é o CEO dessas rádios e podia ter-te dado
uma ajuda. Queres que tente meter uma cunha por ti? Deves tratá-lo por você e
se calhar têm uma relação distante e eu podia ajudar. É que acho estranho
tu seres filho de uma ex-deputada do CDS e do CEO das rádios da Media Capital e
o melhor que te arranjaram foi o Observador? Os teus pais não gostam muito de
ti, puto, lamento informar. E eu fui à Rádio Observador hoje de manhã dar uma
entrevista, mas convenhamos que não tive liberdade para escolher entre eles e a
Comercial.
A culpa não é tua. É normal que um adolescente que viveu numa bolha
pense como um adolescente que viveu numa bolha. É normal que a religião que te
foi enfiada pela goela desde criança te tolde a forma de ver o mundo e que
queiras liberdade para escolher quando não ta deram a ti, ao educarem-te assim.
Não és mau miúdo, se calhar até queres mudar o mundo e torna-lo melhor para
todos. Sai da tua bolha, lê, ouve os dois lados. Precisamos de miúdos como tu
que se preocupam e que têm iniciativa. Precisamos é que se preocupem com as
coisas certas. Percebo que queiras exigir muitas coisa do teu país, mas embora
a diferença entre "pais" e "país" seja apenas um acento,
mas não é por aí que ambos têm de te fazer as vontades todas e te dar tudo o
que queres.
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