Para Sophia, primeiro era o Porto,
depois gostou de Lisboa, a seguir apaixonou-se pelas praias do Algarve, que lhe
faziam lembrar nos anos 1960 a Grécia mítica que tanto a inspirou.
João Céu e Silva
2019.11.06
A cidade do Porto além de insinuada em vários pemas de Sophia também suege num conto, intitulado "O Homem", no qual a autora coloca um indivíduo a passear pelas ruas da cidade - que nunca é reconhecido - como sendo Cristo a regressar. © Arquivo DN
A vivência da cidade do Porto
está muito presente na obra da poeta Sophia de Mello Breyner Andresen e pode
até se dizer que está na génese dos seus primeiros trabalhos literários, além
de bastante reconhecível no livro inicial, Poesia (de 1944). Uma edição de trezentos exemplares custeada
pelo pai mas que irá pagar-se a si própria e na qual, principalmente, se
observa a influência da natureza daquela cidade nos seus tempos de criança e de
adolescente.
Essa inspiração não foi nunca
escondida e a própria poeta a exalta quando recorda o Porto e as memórias da
juventude, como é o caso do lugar muito importante que é o atual Jardim
Botânico do Porto, que ocupou parte da propriedade familiar da Quinta do Campo
Alegre até 1949 e que foi também parcialmente ocupada com a nova Ponte da
Arrábida. Seria este espaço, com extensos e belos jardins, que
inspiraria Sophia durante toda a vida e cujas sensações a poeta irá reproduzir
na escrita sob variadas formas, destacando-se a liberdade de movimentos para as
brincadeiras infantis que irão estar presentes nos livros infantojuvenis e nos
poemas em que a natureza domina.
O Porto está muito presente na
obra de Sophia de Mello Breyner Andresen, aqui a escrever à janela. Sobre esse espaço mágico dirá
Sophia: "Não era propriamente a casa da minha avó a que eu ia, mas à
quinta que a rodeava - os maravilhosos jardins, os buxos, as rosas, as
glicínias, os muguets - os
altíssimos plátanos do parque e os seus troncos, onde estavam inscritas
iniciais e datas e, às vezes, desenhados os corações de todos os namorados da
família, as suas penumbras verdes na primavera e no verão, a luz doirada do
outono e o chão juncado de folhas, o desenho dos ramos nus no céu frio de
inverno, o cheiro intenso e húmido da terra, do lago e dos musgos - o pomar, o
ténis, as hortas, os tanques, o pinhal, os campos -, tudo isto era para mim um
mundo de inesgotável e contínua descoberta."
Trata-se de Jan Heinrich
Andresen, um jovem que foge da ilha dinamarquesa de Föhr e que dará origem à
família de Sophia. Tanto assim que um dos seus livros, Saga, narra a viagem de
Jan até ao Porto e conta a aventura do bisavô que decide instalar-se em
Portugal.
Não muito distante da magia do
Porto que a Quinta do Campo Alegre lhe proporcionava, Sophia escolhe uma das
praias que os portuenses frequentam, a da Granja, para registar em vários
textos futuros. Imagens de uma praia a norte que está implícita em poemas como
"Homens à beira-mar" e "Mulheres à beira-mar". Inspiração
que a poeta confirmaria mais tarde, numa entrevista - "esses poemas têm
que ver com as manhãs de praia da Granja" -, mesmo que nessa resposta
acrescente como a pintura de Picasso e a poesia de Lorca tinham sido
importantes para os escrever.
Além do que era palpável
fisicamente, havia outra memória que também teria a cidade do Porto como
suporte através de um antepassado. Trata-se de Jan Heinrich Andresen, um jovem
que foge da ilha dinamarquesa de Föhr e que dará origem à família de Sophia.
Tanto assim que um dos seus livros, Saga,
narra a viagem de Jan até ao Porto e conta a aventura do bisavô que decide
instalar-se em Portugal.
Numa das raras entrevistas dadas
ao longo da vida, Sophia explicou esse Porto que estava em Saga, apontando as frases com que identificara
a cidade, como a descrição da entrada do navio pelo rio Douro, onde o bisavô se
esconderia na fuga da terra natal: "Barra estreita de um rio esverdeado
e turvo", os " escuros granitos", ou os "carros de madeira,
que chiavam sob o peso de pipas, pedra e areias" ao passarem "à porta
das adegas" ou pelas "igrejas de azulejo e talha".
A cidade do Porto, além de
insinuada em vários poemas, também surge num conto, intitulado O Homem, no qual Sophia coloca um
indivíduo a passear pelas ruas da cidade - que nunca é reconhecido - como sendo
Cristo a regressar.
Num desabafo posterior, a poeta
confessará o amor pela geografia de jovem, que mudará com a vivência de outros
locais: "Quando eu era nova e vim para Lisboa senti-me longíssimo da praia
porque no Porto vivia mais perto do mar. Não gostava de Lisboa, tinha uma
grande nostalgia do norte. Depois isso foi passando. E hoje gosto de
Lisboa."
Se o Porto, a quinta e a praia da
Granja ocupam grande parte dos primeiros temas e dos poemas, será outra a
inspiração geográfica que vai modelar a descendente de Jan Heinrich Andresen:
as praias do Algarve, tão parecidas com as que também amava, as da Grécia. Com
estas, a água fria, os limos e as ondas a bater no litoral de forma violenta
seriam imagens perdidas para uma nova poesia, a da idade adulta.
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