quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Sophia de Mello Breyner - Homens à beira-mar

*  Sophia de Mello Breyner

Nada trazem consigo. As imagens
Que encontram, vão-se delas despedindo,
Nada trazem consigo, pois partiram
Sós e nus, desde sempre, e os seus caminhos
Levam só ao espaço como o vento.

Embalados no próprio movimento,
Como se andar calasse algum tormento,
O seu olhjar fixou-se para sempre
Na aparição sem fim dos horizontes.   

Como o animal que sente ao longe as fontes,
Tudo neles se cala para auscultar
O coração crescente da distância,
E longínqua lhes é a própria ânsia.

É-lhes longínquo o sol quando os consome,
É-lhes longínqua noite e asua fome.
É-lhes longínquo o próprio corpo e o traço,
Que deixam pela areia, paso a passo.

Porque o calor do sol não os consome,
Porque o frio da noite não os gela,
E nem sequer lhes dói a própria fome,
E é-lhes estranho até o próprio rasto.

Nenhum jardim, nenhum olhar os prende,
Intactos nas paisagens onde chegam
Só encontram o longe que se afasta,
AS aves estrangeiras que os traspassam,
E o seu corpo é só um nó de frio
Em busca de mais mar e mais vazio.



Sophia de Mello Breyner Andresen | "Poesia", 1944

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