José Mário Branco - "Queixa das almas jovens censuradas"
Dão-nos um lírio e um canivete
E uma alma para ir à escola
Mais um letreiro que promete
Raízes, hastes e corola
E uma alma para ir à escola
Mais um letreiro que promete
Raízes, hastes e corola
Dão-nos um mapa imaginário
Que tem a forma de uma cidade
Mais um relógio e um calendário
Onde não vem a nossa idade
Que tem a forma de uma cidade
Mais um relógio e um calendário
Onde não vem a nossa idade
Dão-nos a honra de manequim
Para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
Sem pecado e sem inocência
Para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
Sem pecado e sem inocência
Dão-nos um barco e um chapéu
Para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
Levado à cena num teatro
Para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
Levado à cena num teatro
Penteiam-nos os crâneos ermos
Com as cabeleiras das avós
Para jamais nos parecermos
Connosco quando estamos sós
Com as cabeleiras das avós
Para jamais nos parecermos
Connosco quando estamos sós
Dão-nos um bolo que é a história
Da nossa historia sem enredo
E não nos soa na memória
Outra palavra que o medo
Da nossa historia sem enredo
E não nos soa na memória
Outra palavra que o medo
Temos fantasmas tão educados
Que adormecemos no seu ombro
Somos vazios despovoados
De personagens de assombro
Que adormecemos no seu ombro
Somos vazios despovoados
De personagens de assombro
Dão-nos a capa do evangelho
E um pacote de tabaco
Dão-nos um pente e um espelho
Pra pentearmos um macaco
E um pacote de tabaco
Dão-nos um pente e um espelho
Pra pentearmos um macaco
Dão-nos um cravo preso à cabeça
E uma cabeça presa à cintura
Para que o corpo não pareça
A forma da alma que o procura
E uma cabeça presa à cintura
Para que o corpo não pareça
A forma da alma que o procura
Dão-nos um esquife feito de ferro
Com embutidos de diamante
Para organizar já o enterro
Do nosso corpo mais adiante
Com embutidos de diamante
Para organizar já o enterro
Do nosso corpo mais adiante
Dão-nos um nome e um jornal
Um avião e um violino
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino
Um avião e um violino
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino
Dão-nos marujos de papelão
Com carimbo no passaporte
Por isso a nossa dimensão
Não é a vida, nem é a morte
Com carimbo no passaporte
Por isso a nossa dimensão
Não é a vida, nem é a morte
Poema de Natália Correia
Música de José Mário Branco
sobre um desenho de Jean Cocteau (1889-1963)
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