por josé simões, em 24.11.19
"Comunismo nunca mais!" uma frase que não posso gritar. Lamento. Nunca vivi sob um regime comunista, não sei o que isso é. Do marcelismo fascista lembro-me, era puto mas lembro-me. Lembro-me de familiares presos e torturados, lembro-me dos meus pais a ouvirem rádios estrangeiras à socapa, com o som muito baixinho dentro da própria casa. Lembro-me dos homens de plantão 24 sobre 24 horas na porta da rua, semanas seguidas, só porque o pai acompanhou o Vitória de Setúbal na Taça UEFA com o Spartak de Moscovo, "lá está ele", dizia a mãe depois de espreitar por detrás do cortinado. Tinha estado com os russos era comunista merecedor de vigilância, a lógica da PIDE. Lembro-me das cargas da GNR a cavalo no 1.º de Maio na "Ladeira das Fontainhas", a rua das conserveiras em Setúbal. Lembro-me dos tiros disparados contra as varinas vestidas de preto e de tamancos, em dias de greve pelo aumento de 2 tostões, "hoje não vais brincar para a rua", dizia a mãe. Lembro-me da fome e da miséria no Bairro Santos Nicolau do ir ao mar antes da moda do peixe assado no carvão ao preço dos olhos da cara, e lembro-me de ser o único a usar sapatos na turma de filhos de pescadores e de varinas das fábricas, na "escola do Sousa" ao lado do agora Rei do Choco Frito, à época uma taberna de chão de areia, calcetada a caricas de gasosa AUA para traçar tintos goelas abaixo, nas bocas de cigarros Três Vintes, Quentuques [de Kentucky] e Definitivos. Descalço o ano todo quando o Inverno ainda não tinha morrido às mãos das alterações climáticas. Os mais afortunados usavam chinelos de enfiar no dedo, se fosse hoje era bué chic, usavam Havaianas. Lembro-me dos funerais no cemitério da Nossa Senhora da Piedade dos soldados mortos na Guerra Colonial, com as salvas de G3 pelo pelotão formado no meio da rua, trânsito cortado, e as varinas que andavam sempre de luto, o luto eterno porque morria sempre algum familiar e o luto nunca acabava, a chorarem atrás do caixão que ninguém abria. Lembro-me das bolas de futebol caídas no quintal da PIDE, frente onde é hoje a sede do PSD ao Bairro Salgado, do tempo de jogar à bola na rua, tocarmos à campainha "olhe, se faz favor, a bola caiu no quintal" e do PIDE regressar de sorriso de orelha a orelha com a bola rasgada à navalhada na mão "toma lá". O tempo dos filhos da puta. Lembro-me do dia das matrículas, e das carradas de folhas que era preciso entregar, a mãe preencher as minhas e ainda mais algumas de colegas meus que depois eram assinadas "com o dedo" pelas respectivas mães. Lembro-me dos meus amigos que, terminada a 4.ª Classe, foram para o mar com o pai ou ser servente numa qualquer profissão, que sempre era melhor futuro que andar ao sabor das marés. Lembro-me dos rapazes para um lado e raparigas para outro na escola, e lembro-me do padre de Moral e Religião, avesso a Jaroslav Hasek, que distribuía carolada pela turma como se não houvesse amanhã, e que andou depois a distribuir propaganda do CDS. E não me esquecendo disto mas não conseguindo lembrar-me de outras memórias mais dolorosas, por mais que me esforce, é um mecanismo de defesa do cérebro, dizem, reparo que de cada vez que os suadosistas querem desvalorizar a importância do 25 de Abril aparece sempre uma palhaçada qualquer a evocar o 25 de Novembro. Portanto, 25 de Abril Sempre, Fascismo Nunca Mais!
https://derterrorist.blogs.sapo.pt/o-regresso-dos-palermas-ou-25-de-abril-4044362
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