A intenção de Salazar era eliminar-me!
Mário Soares, in Visão de 14-8-2008
Lá coerente é o Mário
E um génio em casmurrice:
Nunca diz hoje o contrário
Das asneiras que ontem disse
José Caniné, in “O Diabo” 2007
Com o seu ego cada vez maior, pois a idade não perdoa, Mário Soares a propósito de contar histórias de há 40 anos, quando foi mandado para S. Tomé e Príncipe, em Março de 1968, para uma situação de exílio, pelo regime de Salazar, veio recentemente fazer afirmações de tentativa de homicídio de sua pessoa por parte deste político, que nem ele, nem nenhum O.C.S. tinha aludido anteriormente. Isto acontece quando vários autores têm vindo recentemente a pôr em causa a versão socialista e da esquerda em geral, de ter sido Salazar o mandante da morte do General Humberto Delgado.
Em Fevereiro deste ano, Manuel Braz (In “Salazar; a Cadeira do Poder”; p 143) afirmava que “ alguns comentadores e historiadores condescendem em admitir que a execução de Delgado por um comando da PIDE, chefiado pelo inspector Rosa Casaco, terá sido praticada por iniciativa deste ou de um dos agentes que comandava, à margem das instruções recebidas”; referia, logo a seguir, que tal seria de rejeitar, face às relações anteriores de Salazar com a PIDE. Acrescentava ainda que a deportação de Mário Soares para S. Tomé, tinha origem no “seu silenciamento e impedir a sua acção na descoberta da verdade da morte de Delgado, por ser advogado da sua família.”
Também outro autor, Miguel Nunes Ramalho (In “Opressão Salazarista e a Força da Liberdade …”/2007, p. 214), voltara a repetir a requentada tese da esquerda, mas sem qualquer base científica apresentada, afirmando que (…) dissimulado numa humildade seráfica, Salazar possuía uma forma hábil de lidar com os opositores, escolhendo-lhes o destino. Para Aristides de Sousa Mendes prepararia uma morte lenta; em relação a Humberto Delgado, ordenou à PIDE que o assassinasse. (…)
Entretanto em Abril de 2008 (In Humberto Delgado; Biografia do General Sem Medo”; pp.1125/1126), o neto do General, Frederico Delgado Rosa, que fez uma aprofundada investigação sobre a sua vida e obra…, veio referir que a “Operação Outono”, da PIDE, com diligências e infiltrações feitas durante muitos meses (desde Paris e Roma), se traduzia em fazer-lhe uma cilada na zona da fronteira de Badajoz, com o objectivo de o prender e trazê-lo para Portugal, onde “responderia pelos crimes de terrorismo de que era acusado”.
E mais à frente, este investigador, apesar de ser adepto da tese do “agrément tácito” de Salazar à execução de Delgado pela PIDE, vem curiosamente referir o seguinte:
(…) Não encontramos razões para rejeitar os depoimentos que, a esse respeito, Fernando Silva Pais (Director Geral da PIDE) viria a prestar em Justiça após o 25 de Abril, os quais permitem reconstituir textualmente a maneira como inteirou Salazar naquele mês de Fevereiro de 1965:
“- Senhor Presidente, dizem-me os meus homens que o General não compareceu ao encontro. Mas estão convencidos que ele esteve em Badajoz, onde certamente encontrou um grupo de correligionários ou pretensos correligionários. Terá havido distúrbios graves, eventualmente com cenas de tiros, dado o feitio do General, que vossa Excelência bem conhece. É esta a opinião da brigada, com a qual eu concordo inteiramente. Suponho que tão cedo não se ouvirá falar no General Delgado.”
Ainda segundo o testemunho de Silva Pais, Salazar “não pediu mais esclarecimentos”, nem deu “quaisquer instruções”. Até por isso mesmo, o Director da PIDE “ficou convencido de que o Presidente do Conselho percebeu que aquilo que ele imputava a um falso grupo se passara com a brigada da PIDE.” Em suma, o silêncio de sepulcro era a palavra do ditador. Impunha-se a esperança que de Espanha não viesse maus ventos, pelo que Silva Pais achou por bem dizer – de forma menos velada – ao ministro do Interior, Alfredo dos Santos Júnior, “que os corpos tinham ficado lá e que nunca mais apareceriam.”
Recorde-se que Silva Pais, apreensivo sobre a maneira como Salazar reagiria, esteve vários dias sem o contactar para lhe comunicar o ocorrido. Terá sido Rosa Casaco, homem da confiança do Presidente do Conselho a dar-lhe antes a notícia, como se refere a seguir.
Indícios para outra versão
O Professor Diogo Freitas do Amaral, no prefácio do livro de Felícia Cabrita, Os Amores de Salazar.(2006), já referira que segundo “o testemunho de Ivone Perestrelo Cavaco, parece-me corresponder à verdade que a PIDE matou Humberto Delgado, mas sem prévio conhecimento ou autorização de Salazar. Aliás, se este fosse pessoa para mandar matar os inimigos mais perigosos do Regime, tê-lo-ia feito com muito mais forte razão relativamente a Álvaro Cunhal”.
E mais à frente neste livro, a autora destaca o seguinte (pp. 170, 171):
(…) A 13 de Fevereiro de 1965, Humberto Delgado aparece morto em Villanueva del Fresno, nos arredores de Olivença. O regime reagia na sua forma mais brutal: assassinara o “general sem medo”. Maria da Conceição e Salazar passeiam nos jardins de S. Bento, quando António Rosa Casaco, o homem da secreta, que chefiava o comando criminoso, dá a notícia. Ivone Perestrelo Cavaco, nora de Julinha Etelvina, ouviu-a muitas vezes contar o episódio. Salazar perturbado, deita as mãos à cabeça e pergunta: “Mas foi um dos seus correligionários?” O outro, que sim. Maria da Conceição (Santana Marques), que há muito o tentara convencer a testar a abertura no regime, fica chocada. Mas nada a faria afastar dele.
Sobre este tema, merece destaque o depoimento do inspector da PIDE, Rosa Casaco. Em livro publicado, (“Servi a Pátria e Acreditei no Regime /2003, pp 144/145) afirma o seguinte:
“ (…) Se está mais do que provado que Humberto Delgado e Arajarir Campos foram assassinados por agentes da PIDE (poderia ter acrescentado “a que eu assisti…”) e se está igualmente provado que houve premeditação, resta esclarecer o móbil do crime. Se atentarmos nos factos relatados, verificamos que, por um lado, se assiste a uma preparação minuciosa ao longo de muitos meses, em que pouco ou nada foi deixado ao acaso, e que, por outro, deparamos com um claríssimo curto-circuito nas ordens da missão, o que, para além de levantar inúmeras interrogações, conduziu a um desenlace trágico, atabalhoado e altamente comprometedor para a PIDE. Por consequência, existia uma forte motivação para eliminar o general e a sua amante, que este duplo assassínio concretizaria, deixando deliberadamente pistas incriminatórias, que no tempo seriam descobertas, como o foram.
“Esta conclusão é, em meu entender, meridianamente clara, uma vez ponderados todos os factos apresentados, que poderão ser confirmados pela leitura da documentação disponível sobre o assunto. Resta pois esclarecer a quem aproveitaria o crime.
“Se é certo que foi tomada a decisão de eliminar fisicamente o general Delgado, eu, até à presente data, nunca consegui saber se a morte do general foi ordenada: (destaque, a negro, destas palavras feito por Rosa Casaco)
*pelo triunvirato da PIDE (Silva Pais, Barbieri Cardoso e Pereira de Carvalho);
*por algum dos seus membros isoladamente;
*se foi obra de iniciativa pessoal de Casimiro Monteiro, sem para tal estar mandatado;
*ou se terá agido a mando de terceiros, a troco de dinheiro, porque era um homem sempre em dificuldades financeiras e muito perigoso com uma arma na mão, embora fosse um patriota convicto e exaltado.
“Qualquer destas teses é admissível, mas, a meu ver, de demonstração impossível. Também nunca cheguei a saber porque é que o chefe de brigada Tienza era portador de uma pistola com silenciador e porque razão transportava material pouco ortodoxo na bagageira do carro (garrafão, saco de cal, pá e picareta, visto por ele, à passagem da fronteira).
“E porque actuara aparentemente de parceria com o Casimiro Monteiro.
“Perante estas conclusões, e as limitações do meu conhecimento profundo sobre o assunto, nada mais poderei esclarecer, considerando que se mantém e manterá um mistério no seu âmago. Posso afirmar, sem sombra para dúvidas, que o caso começou de livre iniciativa de um ou mais elementos da direcção da PIDE e terminou no Casimiro Monteiro.”
Analisando a versão de Rosa Casaco
Face aos antecedentes conhecidos e o sucedido posteriormente, estou inclinado para a 2.ª hipótese da análise de Rosa Casaco (ordenada por um dirigente isoladamente). Segundos os indícios que colhi, quer quando estive no Tribunal Militar, quer em contactos com elementos da PIDE, presos conjuntamente com o Major Silva Pais, a ordem para a sua eliminação não terá partido deste director, pois na prisão de Caxias, depois do 25 de Abril até cortou relações com Pereira de Carvalho por esse motivo. Terá concluído que este estaria por dentro da ordem de execução. Lembro que, em declarações publicadas, o Inspector Óscar Cardoso (In Bruno dos Santos. Histórias Secretas da PIDE-DGS/2000 ) avançaria com a ideia da ligação deste dirigente à CIA, falando inclusivé na sua boa situação económica, que não estaria de acordo com o que recebia na organização.
Contra a tese de Casimiro Monteiro ter apenas actuado por sua iniciativa pessoal, estará a verificação de ele ter entrado na PIDE cerca de um mês e meio antes do atentado, logo com a categoria de subinspector, e de (conforme também afirma Rosa Casaco) ter sido transferido para Moçambique, com essa categoria e onde ficou a trabalhar nos Serviços Reservados (recorde-se a sua participação no atentado bombista, que vitimou Eduardo Mondlane, da FRELIMO, em Fevereiro de 1969). Daqui fugiu para a África do Sul, no pós-25 de Abril, onde serviu nos serviços secretos deste país.
Também Ernesto Lopes Ramos foi transferido para Luanda e promovido a inspector. Mais tarde saiu da PIDE a seu pedido, tendo ficado como advogado
Assim, na minha opinião, Rosa Casaco, talvez esteja mais próximo do realmente sucedido do que aquilo que está subjacente aos factos dados como provados pelo 2.º Tribunal Militar na sua sentença de 27-7-1981 (validada depois pelo Supremo Tribunal Militar), já que apresentou uma versão mais convincente que aquela. Da decisão judicial, contestada pela família de Humberto Delgado, consta a não condenação de Rosa Casaco, e dos dirigentes da PIDE pelo homicídio de Humberto Delgado: Silva Pais, Barbieri Cardoso e Pereira de Carvalho. Destes, apenas os dois últimos seriam condenados respectivamente por autoria moral de crimes de falsificação de documentos e por pertencer à PIDE, já que entretanto ocorrera o falecimento de Silva Pais e o seu procedimento criminal seria extinto. Rosa Casaco foi condenado em oito anos e um mês, por ser apenas autor moral de quatro crimes de falsificação de documentos e autor material de dois crimes de falsificação de selo.
Convém realçar que não será com juízos de intenção, como os de Mário Soares em relação a si próprio e ao caso em apreço, mas apenas através de investigação séria e desapaixonada que se poderá chegar próximo da verdade histórica sobre o homicídio do General Humberto Delgado. Os repórteres de investigação que ainda existem na Imprensa portuguesa terão neste campo uma boa área de actuação..., em relação a um caso mal esclarecido como este.
C
Coor. Manuel Amaro Bernardo
Agosto de 2008
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in PortugalClub
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