sexta-feira, 1 de agosto de 2008

La Jornada: A crise atual é pior que a de 1929?



31 DE JULHO DE 2008 - 15h09

Vermelho


Muitos analistas pensam que a débâcle do mercado hipotecário nos Estados Unidos detonou uma crise pior do que a de 1929. A idéia central é que as coisas estão realmente ficando feias em muitos outros segmentos do setor financeiro.


Por Alejandro Nadal, para o La Jornada



Para Nouriel Roubini, um dos analistas mais respeitados do país, a crise poderia ter um custo total de US$ 3 trilhões, algo próximo dos 20% de seu gigantesco PIB. Isso seria um golpe brutal à economia estadunidense e do mundo.


Apesar dos sinais de alarme, uma das razões pelas quais a atual crise ainda não é percebida em toda sua dimensão se deve ao fato de que ela não produziu algo similar à chamada "terça-feira negra" de 1929. Nesse dia, em poucas horas a crise adquiriu dimensões de cataclismo e fortunas inteiras foram apagadas do mapa contábil.


É certo que hoje presenciamos episódios como o do banco Bearn Steans ou a ameaça de insolvência de Fannie Mar e Freddie Mac, mas, até o momento, as quebras foram limitadas ao setor financeiro. E ainda que haja algumas empresas gigantes de manufaturas que estejam passando apuros, a economia dos EUA ainda está longe de uma segunda fase da crise, que seria equivalente à Grande Depressão, com sua seqüela se quebras, desemprego e destruição massiva da capacidade produtiva.

No entanto, as ramificações podem chegar muito longe e parece que cada vez há menos margem de manobra para as autoridades econômicas. Depois de tudo, durante os últimos 20 anos a economia dos EUA se nutriu de duas bolhas que lhe permitiram crescer e manter níveis de emprego adequados. Esses tempos já acabaram.


A bolha no valor dos títulos financeiros dos anos 90 trouxe uma ilusão de riqueza a muita gente, especialmente àqueles que aplicavam na bolsa. O ajuste destruiu essa ilusão anos depois, mas se iniciou outra nova bolha: a dos bens imóveis. Nos últimos dez anos, boa parte da capacidade de endividamento e consumo dependeu diretamente desse setor. Essa segunda bolha tirou a economia estadunidense do atoleiro em que havia caído por volta de 1999, mas hoje também já arrebentou.


Os dois episódios foram ajudados por uma política monetária poucas vezes presenciada e um frenesi de eliminação de regas sobre as operações do sistema financeiro. Essa desregulação adotou muitas formas, mas uma de suas piores manifestações consistiu em eliminar as barreiras entre a atividade dos bancos e a do setor financeiro não-bancário. Em teoria, os bancos devem agir sob regras bem definidas, enquanto as corretoras e outros agentes ficariam mais próximas da especulação.


A desregulação aboliu a fronteira e por isso o desastre hipotecário alcança hoje dimensões gigantescas. Diagnostica-se que centenas de pequenos bancos locais e dezenas de regionais nos EUA terão que desaparecer devido a sua extraordinária exposição nesse setor. Em poucos anos o cenário financeiro do país sofrerá mudanças muito importantes.


O fator que está salvando a economia norte-americana neste momento é a gigantesca injeção de liquidez do resto mundo. Até o momento, vários bancos centrais financiaram o pacote de resgates da Reserva Federal e do Tesouro. Esse fluxo de capitais é o que tem permitido à economia do país não ir à lona e evitar o destino fatal que tiveram as chamadas economias emergentes na crise financeira dos anos 90. Não é seguro que o déficit fiscal possa seguir com esse esquema de financiamento.


Qualquer intervenção nova deverá ter o respaldo dos bancos centrais desses países. Mas o que vai acontecer? A China tem seus próprios problemas e seguirá evitando a revalorização do renminbi – algo que não convém aos EUA. O ajuste externo para reduzir o déficit externo deste funciona pela contração das importações, mas o efeito de destruição de empregos no resto do planeta é um obstáculo para seguir recebendo esses fluxos de capital.


Talvez, o mais importante por ora seja destacar que não há perspectiva de outra bolha que possa recuperar a economia estadunidense. De fato, os únicos preços que estão aumentando são os ligados a energia e alimentos. Evidentemente, isso não vai ajudar o consumo, o emprego e o crescimento. O fantasma da Grande Depressão não se afasta, e, sim, a crise pode ser muito pior que a de 1929.

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