sábado, 2 de janeiro de 2010

Arte e Poesia em Modus Vivendi

 01 de janeiro de 2010

Julius LeBlanc Stewart

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projecto para um belo fim de semana
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Beijo de Rodin

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não quero fazer filhos
sobre desejos adicionais
e tardios, desejos sobre a tela tardia da tarde,
desejos sobre o azul infindável
de boas razões indesejáveis.
não quero desejos de desejos,
desejos que retiram desejo a desejos de
tempo raso
e de feitio de auto-pertença e
leves contradições sem alarme e gafanhotos.

não é em vão que
o beijo de rodin é de pedra.

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Sylvia Beirute
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Julius LeBlanc Stewart

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o dia seguinte
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Da literatura

"Há uma literatura para quando se está aborrecido. Abunda. Há uma literatura para quando se está calmo. Esta é a melhor literatura, acho eu. Também há uma literatura para quando se está triste. E há uma literatura para quando se está alegre. Há uma literatura para quando se está ávido de conhecimento. E há uma literatura para quando se está desesperado."
Roberto Bolaño, in Os Detectives Selvagens, trad. Miranda das Neves
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31 de dezembro de 2009

A Criação

(gentileza de Amélia Pais)
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Felizes estes homens que podiam escrever da Criação,
confiadamente compor-por mais dores que sofressem
enquanto humanos e como seres viventes-
tão jubilantes cânticos do criar do Mundo.

Era belo, era bom, era perfeito o Mundo.
É certo que o cantavam quando apenas criado,
e o par humano pisava sem pecado
o jardim paradisíaco.

Nós nem mesmo em momentos únicos,
raríssimos, epifânicos
-e não só por não crermos no pecado-,
não podemos.

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Jorge de Sena
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30 de dezembro de 2009

Magritte

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da profundidade
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Parábola de la inconstante

Antes cuando me hablaba de mí misma, decía:
Si yo soy lo que soy
Y dejo que en mi cuerpo, que en mis años
Suceda ese proceso
Que la semilla le permite al árbol
Y la piedra a la estatua, seré la plenitud.

Y acaso era verdad. Una verdad.
Pero, ay, amanecía dócil como la hiedra
A asirme a una pared como el enamorado
Se ase del otro con sus juramentos.

Y luego yo esparcía a mi alrededor, erguida
En solidez de roble,
La rumorosa soledad, la sombra
Hospitalaria y daba al caminante
- a su cuchillo agudo de memoria -
el testimonio fiel de mi corteza.

Mi actitud era a veces el reposo
Y otras el arrebato,
La gracia o el furor, siempre los dos contrarios
Prontos a aniquilarse
Y a emerger de las ruinas del vencido.

Cada hora suplantaba a alguno; cada hora
Me iba de algún mesón desmantelado
En el que no encontré ni una mala bujía
Y en el que no me fue posible dejar nada.

Usurpaba los nombres, me coronaba de ellos
Para arrojar después, lejos de mi, el despojo.

Heme aquí, ya al final, y todavía
No sé qué cara le daré a la muerte.

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Rosario Castellanos
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29 de dezembro de 2009

Paul Signac

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outro inverno, outra cidade
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Da melancolia

O namoro durava o que dura um Verão,
tanto e tão pouco, quase nada.
Era um sopro, uma embriaguez,
um êxtase, com o mar ao fundo
a trazer para o areal algas e conchas,
restos de comida, garrafas vazias,
objectos náufragos, nomes de sereias.
O Verão, às vezes, durava uma vida.
Outras vezes durava uma noite.
Havia uma canção que marcava a cadência
da paixão volátil: Smoke Gets in Your Eyes.
Como seria ridículo dizer isto em português.
Depois havia as cartas e os retratos
com dedicatórias lembrando aquele Agosto,
aquele passeio de barco, aquela
madrugada no Palm Beach
ao som de Yesterday. Era tão veloz
esse tempo que parecíamos envelhecer
uma vida em cada semana.
Se morria um amigo, era como
se morresse para sempre a magia do Verão.
E nunca mais houve amores
como esses, primordiais e inocentes. Totais.
Voltar a eles é tão impossível
como voltar ao aconchego do ventre materno.
O namoro durava apenas um Verão,
mas é sempre a ele que voltamos
quando a palavra amor nos queima os lábios.

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José Jorge Letria
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28 de dezembro de 2009

Paul Cesar Helleu

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Peggy Letellier preparada para o inverno
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Nem sempre foi assim

(gentileza de Amélia Pais)
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Nem sempre foi assim
quando tudo entre nós ficava branco
tu passavas o tempo nas minhas mãos

a contar os barcos que saíam para o mar
e gostavas de imaginar outros horizontes
a vida está sempre a mudar, dizias-me,
e eu sabia que nada mais te poderia dar
além do quarto alugado onde dormíamos.

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Alexandre de Castro
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27 de dezembro de 2009

O Livro Infindável VI

O livro: capa, apresentação, dedicatória,
prólogo, sobrecapa, texto.
O primeiro capítulo: a letra decora
o início do texto. A sobrecarga
de tinta sobre a palavra dita
em mágica retórica.

Iniciado, o livro se demonstra infindável
em vicissitudes e tragédias. O riso esplendoroso
dos adjetivos e a aspereza das palavras
em cantos dedilhados como músicas.

Permanece o infindável assunto:
remete o leitor à profundeza
grandeza
altivez
ao alto espaço
percorrido
na civilização
incorporada
como texto.

Fecho o livro, apago minhas marcas
sobre o insucesso da leitura. Destaco
em riscos o ranger dos dentes.

O livro permanece infindável na estante
onde repousa o instante inicial do personagem.
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Pedro Du Bois

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26 de dezembro de 2009

Paul Cesar Helleu

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Mademoiselle Vaughan
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O Livro Infindável V

Infindável livro: melancólico
em tristezas disfarçadas; saudoso
no sono e o sonho de páginas percorridas
com a ponta do dedo molhado no virar
a página seguinte e seguinte e seguidamente
destituída do caminho.

A mesma página reduz dramas
em comédias. A tradução em introdução.
O remédio entre duas e três
palavras ditas em repetições.

A dimensão inexata: leio e releio a página atual
e busco ao molhar o dedo a folha seguinte.

Infindável parábola metaforicamente
recolhida ao dia. O rubor da face diante
do desconhecimento do elenco formatado
na recontagem da história.

Leio o título e tateio o livro:
sobram espaços vazios de leituras
não iniciadas. A infindável vida
desregrada aos óbices
e o sexo permissível
aos homens de vontade
insubmissa à criação
literária

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Pedro Du Bois
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Paul Cesar Helleu

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dia de preguiça, a recuperar das festas
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25 de dezembro de 2009

O Livro Infindável IV

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Ao contrário do prometido
o mundo se revela ingrato ao leitor
amigo: esmigalhado entre
conceitos e a concepção da história.

O livro infindável confia
ao homem a leitura do tempo
em espaços intercalados.

Dimensão: sonho a continuação
da história em palcos, em cinemas
desfeitos em estacionamentos.

A infindável história destruída
no silêncio dos automóveis estacionados.

O som da buzina, o ranger dos freios,
o personagem atropelado sobre o friso
central do palco: a rampa leva o carro
ao centro e o desfaz em capítulos.

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Pedro Du Bois
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Domenico Ghirlandaio

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um natal vindo do século XV
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O Livro Infindável III

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Uma vez estive aqui penso
como leitor
e folheio a página infindável
do livro. Pela lombada calculo
a quantidade de folhas e a multiplicidade
das páginas.

Não imagino o peso entreolhado no vértice
do conto, do romance; no hemistíquio
do poema declamado.

Infindável o corpo se junta ao livro
e sonham finais infelizes, finais
acalorados em beijos. Finais
inexistentes.

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Pedro Du Bois
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