sábado, 19 de março de 2016

Luís Filipe Castro Mendes. - Eu Digo do Amor não Mais que a Sombra

* Luís Filipe Castro Mendes


Eu digo do amor não mais que a sombra. 
Agora o quarto oferece toda a inclinação da luz 
aos dedos que tremem só de aflorar 
o que da carne é já incorruptível saber 
e crispação sem causa natural. 
São nossas inimigas as cortinas 
amplas do verão, os fumos e vapores 
que esta terra nos devolve, a fria 
repercussão do espírito que treme 
sobre um tão ausente e despossuído mundo. 
Disse-te que voltasses devagar os teus olhos 
para o mecanismo simples da erosão. 
Eu parti há muito e neste quarto 
apenas aguardo o relâmpago surdo do teu corpo, 
a contenção muda e não menos esplendorosa 
da carne recordada e pressentida. 
No entanto, deixámos escurecer 
excessivamente o mundo. Ele acolhe-se 
a nós, com terror e evidência, 
e nós, em verdade, que podemos dizer? 
Eu digo do amor não mais que a sombra, 
mas o teu rosto e a luz nada pode conter. 


*Luís Filipe Castro Mendes, in Seis Elegias
http://www.blogclubedeleitores.com/2014/05/poema-noitinha-luis-filipe-castro-mendes.html

Sem comentários: