Psicopolítica
20/03/2016 por Bruno Santos
Byung-Chul Han é natural de Seul, onde nasceu em 1959 e onde estudou Metalurgia.
No fim da década de 80 emigrou para a Alemanha para estudar Filosofia na Universidade de Friburgo e Literatura Alemã e Teologia na Universidade de Munique. Actualmente ensina Filosofia na Universidade das Artes de Berlim.
Psicopolítica está editado em Portugal pela Relógio de Água e faz uma análise crítica sobre as novas técnicas de poder usadas pelo capitalismo, técnicas essas fundadas na influência sobre vida psíquica, eleita doravante como principal força de produção.
A psicopolítica, tal como o autor a entende, serve-se do Big Data, uma espécie de Big Brother Digital, que faz uso dos dados e informações pessoais que os indivíduos partilham de modo voluntário, podendo assim não só prever os seus comportamentos, mas influenciá-los ao nível do subconsciente.
Segundo Byung-Chul Han, a psicopolítica é um mecanismo que visa transformar a liberdade de expressão, que nos dias de hoje tem como suporte as diferentes redes sociais, num verdadeiro panóptico, um sistema de controlo e vigilância no qual os cidadãos participam voluntária e empenhadamente, sem se aperceberem que, afinal, aquilo que se lhes afigurava como um espaço de liberdade é, na realidade, uma super-estrutura de vigilância, repressiva e manipuladora.
O autor evoca, a dado passo, a obra de Naomi Klein, A Doutrina do Choque, na qual se conta a história de Ewen Cameron, um psiquiatra nascido na Escócia, adepto do uso da electroconvulsivoterapia como método de correcção das “anomalias” do cérebro. Cameron considerava que os choques eléctricos, hoje em franca recuperação pela psiquiatria, eram o método ideal para construir a tabula rasa neurológica e emocional, a partir da qual uma nova personalidade poderia ser construída. Sem memória nem emoções. Sem princípios, carácter ou ética.
Cameron defendia a chamada “destruição criativa”, um termo que se ouviu muito em Portugal em anos recentes, pela boca dos que preconizaram o processo de “ajustamento” conhecido por Austeridade e que destruiu o país económica, social e animicamente.
O outro protagonista do livro de Naomi Klein, o segundo Doctor Shock, éMilton Friedman, o ayatollah do neoliberalismo. A autora estabelece uma analogia entre ambos, entre Cameron e Friedman, identificando neste último a teoria segundo a qual o estado social de choque após a catástrofe, designado pelos eufemismos de “ajustamento” ou “austeridade”, cria as condições necessárias ao estabelecimento, à “instalação limpa”, de uma sociedade neoliberal, dominada pelos “mercados”. Assim, o regime neoliberal opera socialmente também através de uma electroconvulsivoterapia cujo propósito é esvaziar a alma, terraplanar o universo social dos símbolos, desmatar a consciência crítica colectiva, a subjectividade, até que todas as estruturas sociais se submetam voluntariamente ao novo paradigma e a uma “reprogramação radical” facilitada pelo stres traumático do tratamento de choque.
Percebe-se melhor hoje por que eram completamente desajustadas as críticas que durante anos se fizeram ao governo PSD-CDS, críticas essas que, acompanhadas de abstenções violentas, apontavam o “insucesso” das políticas de austeridade, o “não cumprimento” dos objectivos, o “erro estratégico” dessas políticas. Na verdade, nunca houve insucesso, nem incumprimento, nem erro, pois o objectivo central da governação de Passos Coelho e Paulo Portas era, precisamente, arrasar socialmente o país, queimar a terra simbólica, esmagar a economia e qualquer veleidade de auto-suficiência e soberania, para sobre o deserto erguer o palácio de Friedman e Cameron, a barbárie neoliberal controlada pelos “mercados” omniscientes.
Mas Byung-Chul Han acha que Naomi Klein está errada e que o neoliberalismo não faz uso dos processos ortopédicos e disciplinadores do panóptico. Antes opta pela “positividade”, pela magia hipnótica do “Gosto” e do “Partilhar”, lambendo as botas à Alma em vez de a submeter ao sofrimento do choque eléctrico. O Big Data regista e processa até ao mais ínfimo pormenor as tendências, os anseios, os medos, os desejos, as necessidades, e antecipa o país das maravilhas antes mesmo de o termos imaginado. É a vitória mais saborosa dos negreiros e da escravatura ver a submissão operar-se de forma voluntária e alegre.
Um livro a ler.
https://aventar.eu/2016/03/20/psicopolitica/#more-1249699
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