A livraria Espaço Ulmeiro, em Lisboa, corre o risco de encerrar, ao fim de quase 50 anos de atividade, e tenta agora os últimos esforços para reverter a situação, realizando esta semana uma feira do livro.
ANTÓNIO COTRIM/LUSA
A livraria Espaço Ulmeiro, em Lisboa, corre o risco de encerrar, ao fim de quase 50 anos de atividade, e tenta agora os últimos esforços para reverter a situação, realizando esta semana uma feira do livro.
José Antunes Ribeiro, fundador da editora Ulmeiro e da livraria que mantém desde 1969, no bairro de Benfica, impôs a si próprio uma decisão, até ao começo da primavera, porque são mais as despesas do que as receitas e os clientes não abundam. É tudo uma questão de dinheiro.
Os últimos quatro anos foram absolutamente desastrosos. Quando a classe média perdeu poder de compra, aquilo que já era difícil tornou-se insustentável”. E a isso juntou-se o aumento das rendas, contou o livreiro, em entrevista à agência Lusa, no espaço Ulmeiro.
Muitos dos livros estarão com preços reduzidos, a partir desta semana, para reunir as verbas que talvez evitem um encerramento definitivo da livraria.
Sou de origem camponesa, não tenho muito esse feitio de estender a mão. Não gosto, não está no meu caráter. Há pessoal que me tem dito ‘fazemos isto e aquilo’. Eu jamais aceitaria qualquer coisa do estilo de esmola. A única coisa que estamos disponíveis é para vender barato. Isso não me importo, para ajudar a resolver o problema”, contou.
Há cerca de um ano, José Antunes Ribeiro começou a fazer leilões dos livros através do Facebook, para espevitar as vendas e divulgar a livraria. Se o Espaço Ulmeiro fechar portas, o livreiro manterá os leilões. “Hei de encontrar um cantinho em qualquer lado, de preferência sem renda, porque foram as rendas que me tramaram”.
José Antunes Ribeiro passa grande parte dos dias na livraria, acompanhado da mulher, Lúcia, e de Salvador, um gato de pelo ruivo que se passeia entre livros e dormita na montra. Aos três juntam-se mais de 200.000 livros e publicações, repartidos por dois pisos.
No fundo da livraria, atrás de um muro de livros, José Antunes Ribeiro ocupa-se dos leilões e da gestão do espaço, enquanto Lúcia organiza, põe e dispõe os livros. O gato tem um papel fundamental, diz José Antunes Ribeiro, é “o diretor de marketing”, que faz com que muita gente pare na livraria.
José Antunes Ribeiro, nascido em 1942 numa aldeia perto de Ourém, passou pelas edições Itaú, pela livraria Obelisco, fundou a editora Ulmeiro e depois a Assírio & Alvim, escreveu para o Diário de Lisboa e para O Tempo e o Modo. Se o Espaço Ulmeiro tem 47 anos, José Antunes Ribeiro já soma mais de 50 anos ligado aos livros.
Um puto que nasceu numa aldeia onde não se lia, como era o meu caso, numa casa onde não havia livros, com pais analfabetos, que descobriu as bibliotecas [itinerantes] da Fundação Gulbenkian e teve uma professora primária, que teve uma influência enorme, opta por ir para Lisboa para ser livreiro, editor. E assim foi”, resumiu.
A editora Ulmeiro está praticamente inativa – recentemente foi reeditado o primeiro título, “Isto anda tudo ligado”, de Eduardo Guerra Carneiro -, e a livraria de Benfica foi-se especializando em alfarrabista.
José Antunes Ribeiro recorda, com saudade, os tempos em que se faziam projeções de cinema para crianças, em que havia um clube juvenil “com cartão e tudo”, e sessões de poesia e de música. Por lá passaram Agostinho da Silva, editado pela Ulmeiro, José Afonso, Carlos Paredes, António Lobo Antunes.
Foi uma editora e uma livraria de resistência, no final do Estado Novo, onde foram apreendidos milhares de livros. “Houve as conspiratas, [estive] ligado a algumas iniciativas dos católicos progressistas; assinei o manifesto contra a guerra colonial, pela liberdade de expressão, em 1972”, contou.
A PIDE nunca foi… Era, evidentemente, um obstáculo, uma chatice. Mas não foi pela PIDE. Na altura até se vendiam mais livros [risos], havia aquela coisa dos livros que as pessoas sabiam que nós tínhamos. A PIDE nunca descobriu coisas várias. O esconderijo onde tínhamos livros nunca foi descoberto”, afirmou José Antunes Ribeiro.
Em meio século, José Antunes Ribeiro faz um “mea culpa” a propósito das fragilidades financeiras da livraria e fala em várias metamorfoses do negócio livreiro, da própria Ulmeiro e da dinâmica de vida do bairro.
“Eu não estou a ver muito bem o dia em que eu desço e afinal não tenho a chave da porta, e afinal a luz está apagada. Vai ser um choque maior para mim. E, para esta avenida [avenida do Uruguai], é uma perda que esta livraria vá por água abaixo”, lamentou.
Texto de Agência Lusa.
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