terça-feira, 15 de março de 2016

O Alentejo segundo Nicolau Breyner

“Antes pobrezinho em Lisboa do que rico em Estocolmo”





(...) Disse-me, a propósito das telenovelas e das exigências das gravações, que não tem vida própria. Esta casa está cheia de vida própria. Família, retratos, cães, uma casa habitada por gente. Para um ator, eu diria que tem muita vida própria. 


Tenho, tenho. Isso era a telenovela. Tenho uma vida que soube construir e defendo-a muito, a família é muito importante para mim. Da parte da minha mãe somos alentejanos há séculos, da parte do meu pai não. Sou um mestiço. O meu pai apaixonou-se pelo Alentejo. Era professor de História e Filosofia e foi abrir um grande colégio no Baixo Alentejo. Ainda eu não era nascido. Foi quando conheceu a minha mãe. Sempre fomos muito de família, embora a família não fosse grande. Tive só uma irmã, que morreu quando era muito pequenina, e só tenho um primo direito vivo. Mas o meu pai, a minha mãe, a minha avó e o meu avô vivemos sempre juntos. Eu sou a segunda geração que não é agricultora. O meu avô, pai da minha mãe, tinha duas herdades. Os Melos depois casaram com uma Breyner, estão em Serpa há 400 anos.


(...)  O Alentejo é uma das raras zonas em Portugal e na Europa que resistiu à predação.
Embora tenha terror de que um dia sucumba e seja vendido a retalho como o Algarve. O estio protege-o. É um santuário. O Alentejo é maior e mais complicado, e os estios são ferozes. Eu adoro calor, não me incomoda. Este tempo de chuva e frio é uma depressão. Antes pobrezinho em Lisboa do que rico em Estocolmo. No Alentejo, a desertificação, sendo péssima, defendeu o Alentejo. Foi o que o manteve perto da sua pureza. O homem é inimigo da terra. É uma praga, estraga tudo aquilo em que mexe. Eu sou muito português e gosto de ser português, acho Lisboa uma cidade fascinante, e sou provinciano. Gosto de cidades pequenas, de bairros... Vivo neste há 30 anos, mudando de casa. Gosto de pessoas que vimos toda a vida e nos falam na rua. Ninguém deixa de se falar na rua, seria uma má-criação. É humano. Não me tirem as coisas de que gosto.


Uma vez disse a um alentejano que, se calhar, tínhamos de encher o Alentejo de turistas chineses. Talvez não fosse boa ideia.
O Alentejo foi um dos últimos sítios a ter lojas chinesas, mas já tem, e Serpa também já tem. Mas eles aprendem a falar português com sotaque alentejano. É divertidíssimo.


Mais três gerações e são alentejanos, passa-lhes o bicho carpinteiro. Vão dormir a sesta...
No filme que fiz com o Jeremy Irons, "Night Train", ele dizia-me: "Vocês dizem tanto mal de Portugal, mas isto é tão bom, pá! É bonito, a comida é ótima, as mulheres são bonitas, as pessoas são boas... É tudo bom, não o estraguem."


O estrago sério começou com o hipermercado à porta das cidades.
É aterrador, o hipermercado e o centro comercial. Odioso. Entrei duas vezes no Colombo. E vou às Amoreiras porque é perto e entro sempre no mesmo sítio e saio depois de fazer o que tenho a fazer. Sou como os burros


Acredita que a crise trará o famoso regresso à terra? Os alentejanos fugiram da terra.
As pessoas estão a regressar à terra, eu vejo isso, e há uma explicação. Neste momento, a agricultura começa a ser um negócio. Há polos de agricultura. Eu tenho terras, mas não cultivo. Com grande pena minha. Como dizia o meu avô, a herdade tinha o tamanho exato para perder dinheiro. A seguir ao 25 de abril, quando começámos a destruir o latifúndio, não percebemos que há um certo tipo de agricultura que só dá em latifúndio. Eu tenho alguns cavalos e cães, mais nada. Tinha porcos e também já acabei com isso, só serve para gastar dinheiro. O sítio é lindíssimo, a serra de Serpa, faz parte do vale do Guadiana, mas é uma terra árida, dura, terra de xisto. É um sítio para estar e perder dinheiro. Até os cães são caros, a ração é cara... Tenho um Rafeiro Alentejano, um cão fabuloso, que é o mesmo que um Serra da Estrela. Na transumância, eles vinham lá de cima com os cães de guarda até ao Alentejo, e quando passava a neve iam para cima e os cães iam ficando. A raça é a mesma. Tenho tudo, Rafeiro Alentejano, Mastins de Bordéus, um Grand Danois... e dois Buldogues Franceses, o "Sr. Pacheco" e a "Sra. D. Maria José", que só dá pelo nome de "Senhora Dona". "Maria José" não dá. Tenho uma fotografia do Grand Danois com o "Sr. Pacheco" dentro da boca. Dão-se todos muito bem. O Grand Danois, o "Jipe" - tem este nome porque é um monstro de 78 quilos -, passou muito tempo no Alentejo e tornou-se um predador, de vez em quando matava umas cabras e comia-as.


E o porco preto? Como é que se perde dinheiro com o porco preto?
Porque eu não sei ganhar dinheiro com nada. Na minha profissão, ganho porque me pagam um ordenado. O negócio comigo não funciona.

(...)

http://expresso.sapo.pt/cultura/2016-03-14-Antes-pobrezinho-em-Lisboa-do-que-rico-em-Estocolmo

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