* Ferreira Fernandes
28 Dezembro 2017 — 00:00
O francês Paul Éluard, o maior dos poetas surrealistas, fez esta omolete de caranguejo: "É preciso tirar a César tudo o que não lhe pertence". Queria ele dizer ser essa uma das funções da sua cozinha, a poesia. Escreveu-a em 1936, o ano do Front Populaire a inventar as férias pagas. Uma dúzia de anos depois, outro poeta de esquerda, Bertold Brecht, disse o mesmo que Éluard, em Perguntas de Um Operário Letrado, o mais citado dos seus poemas. Aquele que lembra Babilónia destruída, para perguntar: quem a reconstruiu? E de Alexandre que conquistou as Índias: sozinho? E de César que venceu os gauleses: nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?... Reparem na beleza das perguntas de Brecht pondo em prática a proposta de Éluard, ambos certeiros sobre a necessidade de desnudar a injusta acumulação de fama e de proveito dos poderosos. Mas reparem também que tanto o francês como o alemão conservam nos Césares (Alexandres ou imperadores vários...) o papel pessoal de sujeito da História. Os poetas lembram também as massas, um passo em frente, mas só para as igualar aos grandes... Aquele cozinheiro citado por Brecht entra no Olimpo porque serviu Júlio César na Gália. E, de facto, sem os petiscos dele o patrício romano talvez tivesse definhado e perdido batalhas... Ora, há gente pequena que é grande sem estar em função do poderoso. A tia que fazia bolinhos de bolina, por exemplo. Notícia destes dias, Jay Fai, 72 anos, cozinheira de rua em Banguecoque (dois tachos, lume aceso e arte) ganhou uma estrela Michelin - vão dizer-me: é dela de que estou a falar? Não. Isso são os césares do guia Michelin a dizerem que leram Éluard e Brecht. Do que estou a falar é de Jay Fai que faz omeletes de caranguejo. E se não estão para ir até Banguecoque, falem com a vossa tia da aletria. Gente grande.
https://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/ferreira-fernandes/omelete-michelin-9011791.html
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