sábado, 26 de dezembro de 2020

Ary dos Santos . Meu Camarada e Amigo

* Ary dos Santos 

Revejo tudo e redigo 
 meu camarada e amigo. 
 Meu irmão suando pão 
 sem casa mas com razão. 
 Revejo e redigo 
 meu camarada e amigo 
 As canções que trago prenhas 
 de ternura pelos outros 
 saem das minhas entranhas 
 como um rebanho de potros. 
 Tudo vai roendo a erva 
 daninha que me entrelaça: 
 canção não pode ser serva 
 homem não pode ser caça 
 e a poesia tem de ser 
 como um cavalo que passa. 
 É por dentro desta selva 
 desta raiva   deste grito 
 desta toada que vem 
 dos pulmões do infinito 
 que em todos vejo ninguém 
 revejo tudo e redigo: 
 Meu camarada e amigo. 
 Sei bem as mós que moendo 
 pouco a pouco trituraram 
 os ossos que estão doendo 
 àqueles que não falaram. 
 Calculo até os moinhos 
 puxados a ódio e sal 
 que a par dos monstros marinhos 
 vão movendo Portugal 
 — mas um poeta só fala 
 por sofrimento total! 
 Por isso calo e sobejo 
 eu que só tenho o que fiz 
 dando tudo mas à toa: 
 Amigos no Alentejo 
 alguns que estão em Paris 
 muitos que são de Lisboa. 
 Aonde me não revejo 
 é que eu sofro o meu país. 

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