PELO menos para
mim, genocídio é hoje a palavra mais indesejável no vocabulário corrente. Mas
já cá está e não me parece que, nos tempos mais próximos, a possamos excluir do
nosso linguajar quotidiano, porque os factos, hoje em dia, quase sempre se
transformam em notícias e estas não distinguem entre ouvidos sensíveis, ouvidos
hipersensíveis – meus! – e os ouvidos de mercador.
Idiossincraticamente,
caibo nas três categorias, embora seja a segunda e a terceira sejam as que mais
se me podem aplicar.
É verdade que
nem sempre consigo discernir entre genocídio, morticínio, massacre, limpeza
étnica, pogromes e outras devastações demográficas, porque estas são mais que
muitas na História da Humanidade, variam de extensão e de metodologia,
continuam em diversos pontos do planeta e não me parece que vão acabar tão
depressa, mas genocídio, no meu entendimento, é outra coisa e, de momento, só
tenho indícios de um, o que os israelitas estão a perpetrar em Gaza.
Claro que entre
os sodomitas e gomorranos bíblicos – que tornaram o dilúvio em única solução
aceitável por Jeová – e os governadores britânicos da Austrália – que davam um
coelho ou uma galinha por cada cabeça de aborígene que lhe levassem –, as
diferenças são abissais, porque o primeiro caso é lendário e o segundo é
histórico, assim como entre os cruzados e os muçulmanos, ambos verdadeiros
documentados, mas, como não sou historiador, nem antropólogo, nem filósofo,
vejo com razoável justeza as definições triviais, tomando como categóricos
casos já muito estudados, como, por exemplo, o genocídio armênio. Ou, muito
antes, os pogromes russos e polacos.
Quanto ao
conceito de etnocídio, a tipificação é mais discutível e apenas me aparece com
nitidez naquilo que os alemães fizeram, entre 1904 e 1908, no que hoje é a
Namíbia. Mataram sem qualquer engulho ou hesitação ética, por simples
cumprimento do desígnio político germinado e maturado em Berlim, 65 mil hereros
e 10 mil namaques.
E, “se mais
houvera, mais matara”, como os colonos e os seus militares fizeram aos índios,
visto eles não eram gente. Eram bichos parecidos com pessoas – como acontecia a
qualquer etnia vista da varanda dos conquistadores britânicos, espanhóis,
portugueses, holandeses, franceses, etc.
Uma perceção
que me assalta de forma sufocante é a da evidência de que será tanto maior a
crueldade, frieza e racionalidade mortífera quanto maior for o desenvolvimento
espiritual, técnico, científico, artístico do povo em cena, como ressalta do
que gerou Hitler, Goebbels, Goering, Menghele e outros monstros absolutos,
depois de ter gerado génios como Goethe, Schiller, Irmãos Grimm, Tomas Mann,
Brecht, Anne Zeller, Mozart, Beethoven, Hegel, Kant, Marks, Enghels, Gunther
Grass, os grandes cientistas, os extraordinários construtores de catedrais como
a de Colónia, a de Aachen ou a de Frankfurt.
Nunca fiz as
contas, mas, para já, o que me parece é que o mundo que fala alemão é também o
fala melhor e com mais vozes diferentes ao resto do mundo, seja com Einstein a
relativizar a realidade seja com Freud a definir como realidade espessa a
ficção narrativa do vómito psíquico.
Detenho-me, por
exemplo, no termo genocídio, ao olhar para o mapa de Angola, com a sua Baixa do
Cassange, ou subo para a Palestina e soletro os nomes das cidades mártires da
Faixa de Gaza, lembro-me do arrasamento metódico da espanhola Guernica e dos
dois dias de bombardeamento ininterrupto anglo-americano da alemã Dresden, que
matou 22 mil civis, assim como da incineração de Hiroxima, com os seus 160 mil
mortos a que se juntaram os 80 mil de Nagasaki, três dias depois.
Não me violenta
a consideração de que genocídio é o “extermínio deliberado de um povo –
normalmente definido por diferenças étnicas, nacionais, raciais, religiosas e,
por vezes, sócio-políticas – a tal engenharia social –, no total ou em parte.
À nossa e
escala e saltando por cima de todo sangue que fizemos correr pelas razões
invocadas, há pelo menos três factos recentes que não devemos permitir que
continuem obnubilados na nossa história. A saber:
3.8.1959 – Os
marinheiros e os estivadores do porto de Bissau ao serviço da Casa Gouveia
entram em greve, exigindo melhores salários e melhores condições de vida. “A
PIDE, o cabo de mar e outras forças” encarregaram-se de resolver o problema,
deixando no chão cerca de 100 cadáveres.
1953 – Em
fevereiro, o mesmo tipo de assassinos com as mesmas obediências, mas
acrescentando o envenenamento e o afogamento a sua sanha, procedem a uma
limpeza que pode ter causado 132 mortos e ficou registado co mo o Massacre de
Batapá.
1973 – Pelo
menos 385 pessoas foram assassinadas na aldeia de Wiriyamu pela 6.ª Companhia
de Comandos de Moçambique, além das que morreram na “limpeza” da zona, do
local, que ocorreu nos três dias seguintes ou devido aos interrogatórios que
seguiram o episódio. O massacre
As tropas
portuguesas dizimaram um terço dos 1350 habitantes de cinco povoações
(Wiriyamu, Djemusse, Riachu, Juawu e Chaworha) integradas numa área designada
como “triângulo de Wiriyamu”, afetando um total 216 famílias em 40 povoações.
A chamada
Operação Marosca foi instigada pela PIDE e “guiada” pelo agente Chico Kachavi,
que foi assassinado mais tarde, enquanto o massacre era investigado. Os
soldados foram instruídos por Kachavi de que “a ordem é para matar todos”,
incluindo mulheres e crianças.
Mandava quem
podia e obedecia quem devia.
Como Salazar
gostava.
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