UMA das minhas
ocupações mais frequentes – e rendíveis! – é esta de procurar palavras caídas
em desuso ou que apenas continuam a brotar das bocas ainda arcaicas de algumas
tribos regionais lusitanas, gente que vai, sempre que pode, postar-se em frente
de um ecrã de televisão, para apenas ver telenovelas, mesmo que não sejam
brasileiras nem portuguesas.
Também as há
mexicanas e venezuelanas, como se sabe, só que grosseiramente legendadas num
português de segunda classe, escolarizado ou conventual.
Ainda se ouve
dizer a expressão “por franças e araganças”, sem se ter em conta a valiosíssima
herança cultural do escritor e crítico José Augusto França, nem o legado
generoso do idealista maçónico nascido em Sobral de Monte Agraço, o jornalista
e ensaísta França Borges, ou a pestilência largada pelo general França Borges,
que também tinha intercalados no nome de batismo um vulgaríssimo António e um
derrotado Vitorino e que, além de fascista incondicional e presidente
salazarista, primeiro da Câmara de Torres Vedras e depois da de Lisboa, tem o
seu nome nas placas toponímicas de uma rua próxima de Campo de Ourique.
É, portanto, um
nome fardado e “andar por franças” significa “andar por muitos lados”, assim
como “porra” começou por designar o duro cacete do infante medieval sem direito
a espada que, às vezes, ainda aparece por aí, mesmo onde menos se espera.
Trata-se de um
instrumento que até a PIDE usou nos seus primórdios no que pode ser uma
educação à cacetada como a que Salazar, na sua juventude coimbrã, assessorando
um futuro cardeal patriarca de Lisboa, largamente praticou em Coimbra, no
princípio do século passado, imitando a minhota de pêlo na venta que viria a
chamar-se Maria da Fonte os outros arruaceiros de que se serviu Camilo nas suas
“Novelas do Minho” e no lacrimejante “Amor de Perdição”, com aquela cena tão
portuguesa em que o furibundo Simão Botelho, um subfidalgote viseense,
contaminado por uma paixão plebeia não autorizada pelos seus progenitores,
protagonizou junto ao fontenário granítico de Castro Daire que eu nunca vi nas
várias tentativas que fiz para tal, mas que, ao que me dizem, ainda verte água
fresca no verão e quase morna no inverno.
Vem tudo isto a
propósito do canhenho de palavras sepultadas no exterior do nosso léxico ou
cruelmente abandonadas por imposição da ditadura daruinista que tudo apaga ou
perverte, se o cadáver etimológico não couber nas tabelas de atualização
civilizacional, vocabular ou até bairrista, mesmo que seja apenas dialetal,
como o barranquenho e o mirandum.
É o que
acontece, aliás, com "ficar ns encolhas", ou "a porca torce o
rabo"", ou "cagalhetas", ou "unhas de fome", ou
"berbicacho", ou "caga-sentenças" ou "salta-pociu
"mama no burra", ou "borra-botas", ou
"pilha-galinhas", ou "cuspir perdigotos", ou
"pata-choca”, ou "pichorra", ou "mata-borrão", ou
“escaravatanador”, a “esporra”, uma substância densa e fertilizadora, ou seja,
o vizinho lexical de “porra” que ainda é educadamente nomeado como “sémen”,
apesar de o latim, sem andar à porrada com idiomas próximos ou afins, assim o
catalogar há mais dois mil anos como porru, um substantivo feminino que os
godos e outros bárbaros transformaram posteriormente, cada um à sua maneira.
É certo que,
hoje em dia, porra é um termo quase obsceno maioritariamente proferido como
interjeição, seja para exprimir irritação, descontentamento e indignação, seja
para mostrar surpresa, alegria, felicidade e euforia pós-vínica.
No plural,
“essas porras” equivalem a coisas de pouca valia, como “ninharias, niquices,
banalidades, bagatelas, bugigangas, porcarias”, etc.
Segundo a
Wikipédia, estamos a usar um substantivo feminino que é o nome antigo da clava,
ou seja, da arma rudimentar que não era mai
É o que
acontece, aliás, com “esporra”, o vizinho lexical de “porra” que ainda é
educadamente nomeado como “sémen”, apesar de o latim, sem andar à porrada com
idiomas próximos ou afins, assim o catalogar há mais dois mil anos como porru,
um substantivo feminino que os godos e outros bárbaros transformaram
posteriormente, cada um à sua maneira.
É certo que,
hoje em dia, porra é um termo quase obsceno maioritariamente proferido como
interjeição, seja para exprimir irritação, descontentamento e indignação, seja
para mostrar surpresa, alegria, felicidade e euforia pós-vínica. No plural,
“essas porras” equivalem a coisas de pouca valia, como “ninharias, niquices,
banalidades, bagatelas, bugigangas, porcarias”, etc.
Segundo a
Wikipédia, estamos a usar um substantivo feminino que é o nome antigo da clava,
ou seja, da arma rudimentar que não era mais que um pau curto, periforme, muito
nodoso ou armado de puas de ferro. Também podia designar o pénis, o cacete, a
moca ou uma barra, enquanto esporra é o masculino esperma. Há também quem, para
significar o mesmo, diga langonha e meleca.
Entre os
galegos, pode ser também um rebento de cebola, se plantado na terra, assim como
cabeça do polvo. Já para os catalães, é um alho silvestre da espécie Allium
pyrenaicum, assim como o bastão de extremo grosso que é a maça simbólica de
autoridade, bem como uma moléstia duradoura. Expressa raiva, descontentamento,
insatisfação, frustração.
Voltando, no
entanto, às franças e às araganças, o que vemos é que “andar por franças e
araganças” é um recurso retórico que se reporta aos tempos em que eram
frequentes as guerras entre os dois países queria dar a noção de longas
distâncias e paragens. Findas as guerras, foi a expressão foi equivalendo a
"coisas e loisas, mundos e fundos, deste mundo e do outro”.
Julga-se também
que a expressão ocorre, por um lado, como escorrência do antigo reino de Aragão
(atualmente região autonómica espanhola) e, por outro, comodeturpação do
próprio nome Aragão, de modo a fazer rima com França, como registou Orlando
Neves no seu “Dicionário de Expressões Correntes”, observando:
“Se França se
entende como o país além-Pirenéus, já parece que Aragança está aqui como
deturpação, para efeitos de rima, de Aragão.
O uso no plural
supõe-se ser também um recurso rítmico. "Andar por Franças e
Araganças", em tempos em que eram frequentes as guerras entre os dois
países, correspondia ao sentido de longas distâncias e paragens.”
Mas Aquilino
Ribeiro, passando a expressão para o singular, ainda a escreveu com o sentido
primitivo em “Filhas da Babilónia”: “Pergunte-me, antes, o que fui fazer ao meu
país. Sabe o quê? Vender umas terras que herdei, espremer a teta da vaquinha,
como diz um irmão que lá tenho.
A expressão é
ridícula, mas traduz com felicidade o meu património, malbaratado por França e
Aragança, bem magro, bem português. Aí tem!”
Aqui temos…
2024 05 19
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