domingo, 19 de maio de 2024

Carlos Coutinho - UMA das minhas ocupações mais frequentes


* Carlos Coutinho

UMA das minhas ocupações mais frequentes – e rendíveis! – é esta de procurar palavras caídas em desuso ou que apenas continuam a brotar das bocas ainda arcaicas de algumas tribos regionais lusitanas, gente que vai, sempre que pode, postar-se em frente de um ecrã de televisão, para apenas ver telenovelas, mesmo que não sejam brasileiras nem portuguesas.

Também as há mexicanas e venezuelanas, como se sabe, só que grosseiramente legendadas num português de segunda classe, escolarizado ou conventual.

Ainda se ouve dizer a expressão “por franças e araganças”, sem se ter em conta a valiosíssima herança cultural do escritor e crítico José Augusto França, nem o legado generoso do idealista maçónico nascido em Sobral de Monte Agraço, o jornalista e ensaísta França Borges, ou a pestilência largada pelo general França Borges, que também tinha intercalados no nome de batismo um vulgaríssimo António e um derrotado Vitorino e que, além de fascista incondicional e presidente salazarista, primeiro da Câmara de Torres Vedras e depois da de Lisboa, tem o seu nome nas placas toponímicas de uma rua próxima de Campo de Ourique.

É, portanto, um nome fardado e “andar por franças” significa “andar por muitos lados”, assim como “porra” começou por designar o duro cacete do infante medieval sem direito a espada que, às vezes, ainda aparece por aí, mesmo onde menos se espera.

Trata-se de um instrumento que até a PIDE usou nos seus primórdios no que pode ser uma educação à cacetada como a que Salazar, na sua juventude coimbrã, assessorando um futuro cardeal patriarca de Lisboa, largamente praticou em Coimbra, no princípio do século passado, imitando a minhota de pêlo na venta que viria a chamar-se Maria da Fonte os outros arruaceiros de que se serviu Camilo nas suas “Novelas do Minho” e no lacrimejante “Amor de Perdição”, com aquela cena tão portuguesa em que o furibundo Simão Botelho, um subfidalgote viseense, contaminado por uma paixão plebeia não autorizada pelos seus progenitores, protagonizou junto ao fontenário granítico de Castro Daire que eu nunca vi nas várias tentativas que fiz para tal, mas que, ao que me dizem, ainda verte água fresca no verão e quase morna no inverno.

Vem tudo isto a propósito do canhenho de palavras sepultadas no exterior do nosso léxico ou cruelmente abandonadas por imposição da ditadura daruinista que tudo apaga ou perverte, se o cadáver etimológico não couber nas tabelas de atualização civilizacional, vocabular ou até bairrista, mesmo que seja apenas dialetal, como o barranquenho e o mirandum.

É o que acontece, aliás, com "ficar ns encolhas", ou "a porca torce o rabo"", ou "cagalhetas", ou "unhas de fome", ou "berbicacho", ou "caga-sentenças" ou "salta-pociu "mama no burra", ou "borra-botas", ou "pilha-galinhas", ou "cuspir perdigotos", ou "pata-choca”, ou "pichorra", ou "mata-borrão", ou “escaravatanador”, a “esporra”, uma substância densa e fertilizadora, ou seja, o vizinho lexical de “porra” que ainda é educadamente nomeado como “sémen”, apesar de o latim, sem andar à porrada com idiomas próximos ou afins, assim o catalogar há mais dois mil anos como porru, um substantivo feminino que os godos e outros bárbaros transformaram posteriormente, cada um à sua maneira.

É certo que, hoje em dia, porra é um termo quase obsceno maioritariamente proferido como interjeição, seja para exprimir irritação, descontentamento e indignação, seja para mostrar surpresa, alegria, felicidade e euforia pós-vínica.

No plural, “essas porras” equivalem a coisas de pouca valia, como “ninharias, niquices, banalidades, bagatelas, bugigangas, porcarias”, etc.

Segundo a Wikipédia, estamos a usar um substantivo feminino que é o nome antigo da clava, ou seja, da arma rudimentar que não era mai

É o que acontece, aliás, com “esporra”, o vizinho lexical de “porra” que ainda é educadamente nomeado como “sémen”, apesar de o latim, sem andar à porrada com idiomas próximos ou afins, assim o catalogar há mais dois mil anos como porru, um substantivo feminino que os godos e outros bárbaros transformaram posteriormente, cada um à sua maneira.

É certo que, hoje em dia, porra é um termo quase obsceno maioritariamente proferido como interjeição, seja para exprimir irritação, descontentamento e indignação, seja para mostrar surpresa, alegria, felicidade e euforia pós-vínica. No plural, “essas porras” equivalem a coisas de pouca valia, como “ninharias, niquices, banalidades, bagatelas, bugigangas, porcarias”, etc.

Segundo a Wikipédia, estamos a usar um substantivo feminino que é o nome antigo da clava, ou seja, da arma rudimentar que não era mais que um pau curto, periforme, muito nodoso ou armado de puas de ferro. Também podia designar o pénis, o cacete, a moca ou uma barra, enquanto esporra é o masculino esperma. Há também quem, para significar o mesmo, diga langonha e meleca.

Entre os galegos, pode ser também um rebento de cebola, se plantado na terra, assim como cabeça do polvo. Já para os catalães, é um alho silvestre da espécie Allium pyrenaicum, assim como o bastão de extremo grosso que é a maça simbólica de autoridade, bem como uma moléstia duradoura. Expressa raiva, descontentamento, insatisfação, frustração.

Voltando, no entanto, às franças e às araganças, o que vemos é que “andar por franças e araganças” é um recurso retórico que se reporta aos tempos em que eram frequentes as guerras entre os dois países queria dar a noção de longas distâncias e paragens. Findas as guerras, foi a expressão foi equivalendo a "coisas e loisas, mundos e fundos, deste mundo e do outro”.

Julga-se também que a expressão ocorre, por um lado, como escorrência do antigo reino de Aragão (atualmente região autonómica espanhola) e, por outro, comodeturpação do próprio nome Aragão, de modo a fazer rima com França, como registou Orlando Neves no seu “Dicionário de Expressões Correntes”, observando:

“Se França se entende como o país além-Pirenéus, já parece que Aragança está aqui como deturpação, para efeitos de rima, de Aragão.

O uso no plural supõe-se ser também um recurso rítmico. "Andar por Franças e Araganças", em tempos em que eram frequentes as guerras entre os dois países, correspondia ao sentido de longas distâncias e paragens.”

Mas Aquilino Ribeiro, passando a expressão para o singular, ainda a escreveu com o sentido primitivo em “Filhas da Babilónia”: “Pergunte-me, antes, o que fui fazer ao meu país. Sabe o quê? Vender umas terras que herdei, espremer a teta da vaquinha, como diz um irmão que lá tenho.

A expressão é ridícula, mas traduz com felicidade o meu património, malbaratado por França e Aragança, bem magro, bem português. Aí tem!”

Aqui temos…


2024 05 19

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