QUANDO, naquele infausto inverno
pós-africano, comecei a ver o serrilhado com que a Madeira cortava o azul
celeste, apercebi-me de que havia muita neve lá em cima.
Depois, com a teimosia mansa do
paquete “Moçambique”, dispensado de aportar na véspera em Las Palmas, comecei a
ver nitidamente, na crista da ilha, de cor indefinida, uns risquitos
esbranquiçados que se esgarçavam antes de atingirem o meio do lombo verde-negro
daquela coisa atlântica.
Já era a famosa pátria do famoso
grogue, mas ainda estava longe de ser de o ser também do cada vez mais famoso
Cristiano Ronaldo, que até consegue sair de um estádio a chorar mas não tem uma
estátua em Lisboa, assim como, ao que consta por aí, já havera um lugar cativo
para ele no Panteão Nacional, além de vários bólides. Só lhe faltam os costados
da ninha falecida e saudosa Carriça, a ilustre cabra que foi tantas vezes o
cavalo da minha meninice.
Lembro-me perfeitamente de que essa
era a segunda vez que eu aterrava na dureza de pedra do cais do Funchal e de
que devo ter ficado um pouco zonzo, porque não percebi logo o que me diziam uns
garotos descalços, que acotovelando-se e quase a caírem à água marítima, me
garantiam:
– A minha mãe é muito bonita e está à
tua espera. Anda comigo. Anda! Anda! Anda!
Um deles ainda acrescentou:
– Ela sabe fazer tudo. Vamos! Vamos!
Vamos!
Claro que não fui. Alguns dos
militares desmobilizados como eu, assim como dois ou três turistas que
desembarcaram comigo, foram. E eu, durante muitos minutos, tal como agora, ao
lembrar-me disto, sinto descer-me por dentro do peito aquele frio impuro da
neve das cristas madeirenses.
E sei que, durante não poucos anos,
ainda acorriam ao cais do Funchal meninos descalços a angariar clientes para as
respetivas mães
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