* Miguel Sousa Tavares
(EXPRESSO 2024 05 18)
2 - Em 24 de Fevereiro de 2022 a Rússia invadiu a Ucrânia naquilo a que Vladimir Putin chamou uma “operação militar especial”. Para trás tinham ficado meses de infrutíferas negociações destinadas a evitar a guerra, envolvendo sobretudo a Alemanha e a França, enquanto Inglaterra se mantinha ao largo e a NATO e os Estados Unidos se limitavam a dizer que a invasão estava iminente e nada faziam para a evitar. Num muito mediatizado encontro com Putin no Kremlin, o Presidente francês, Emmanuel Macron, saiu dizendo que estabelecera com o Presidente russo as bases para um acordo, retomando os princípios do Acordo Minsk II. Interrogado sobre esta declaração, Putin disse, no dia seguinte, mais ou menos isto: “Sim, com ele estamos de acordo. O problema é que não é ele quem manda na NATO, mas sim os Estados Unidos.” Pouco depois da invasão, logo em 10 de Março, os ministros dos Negócios Estrangeiros da Rússia e da Ucrânia reuniram-se para conversações de paz em Antalya, na Turquia, com mediação turca e israelita. Aí ficou estabelecido um acordo em 15 pontos, prevendo desde logo um cessar-fogo e a retirada russa, mas, quando tudo parecia pronto para ser assinado, Zelensky recuou. Segundo contou depois o então PM israelita Naftali Bennett, o acordo falhou porque Boris Johnson e Joe Biden convenceram Zelensky a não assinar, garantindo-lhe todo o apoio militar necessário para uma vitória sobre os russos. E em Abril, quando a possibilidade de novo acordo estava em cima da mesa, Boris Johnson voou para Kiev para de novo dissuadir Zelensky de o assinar. De então para cá cessaram todas as tentativas de parar a guerra e os poucos que se atreveram a falar de paz, incluindo o Papa, foram tratados como “amigos de Putin”. Hoje, o ex-PM inglês ganha centenas de milhares de euros a fazer conferências pelo mundo fora pregando a necessidade de apoiar a Ucrânia indefinidamente. E o complexo militar industrial inglês e americano ganha milhares de milhões a vender armas para a guerra da Ucrânia, pagas pelos contribuintes desses países e dos países europeus.
Entretanto, no campo de batalha passou-se alternadamente do medo de uma rápida vitória russa para a euforia prematura de uma vitória ucraniana e daí para a situação actual: o avanço consistente e continuado dos russos e a iminência de uma derrota ucraniana. As linhas vermelhas no apoio militar fornecido foram sendo sucessivamente ultrapassadas — em tanques, aviões, sistemas de defesa anti-aérea e mísseis de longo alcance, incluindo até a presença de “conselheiros militares” —, tornando claro que esta não é apenas uma guerra da Ucrânia contra a Rússia, mas da Ucrânia e da NATO contra a Rússia. Porém, mesmo o fornecimento, em qualidade e em quantidades impensáveis, de armamento ocidental à Ucrânia está a tornar-se impotente face a um último e decisivo factor: o factor humano. A Ucrânia está a ficar sem homens para a defender: os que estão fora não querem voltar, os que estão dentro tudo fazem para não ir para a frente. Para evitar a derrota da Ucrânia falta então dar o último passo, aquele que Macron — outrora mediador da paz — agora propõe: o envio de tropas ocidentais para combater na Ucrânia contra a Rússia. A Terceira Guerra Mundial.
Sejamos claros: a derrota da Ucrânia será uma catástrofe. Uma catástrofe para a Ucrânia, primeiro que tudo, e para os ucranianos, que já sofreram mais do que lhes podem exigir. E seria também uma séria ameaça para a Europa. É fácil, ironicamente fácil, compreender a dimensão do que seria a ameaça de ver a Rússia de novo uns milhares de quilómetros adentro das fronteiras da Europa “livre”: basta imaginar a ameaça que os russos sentem ao verem a NATO avançar paulatinamente em direcção às suas fronteiras desde 1991. Viver em segurança ou em estado de ameaça latente não mudou hoje em relação ao que era no tempo da “Guerra Fria”: mede-se nos minutos que leva o míssil disparado pelo outro a atingir uma grande cidade nossa, dando-nos ou não tempo para ripostar de igual forma. Chama-se “equilíbrio do terror” e tudo passa, portanto, pela demarcação de fronteiras entre os dois lados. Quando Putin avisa que vai reposicionar mísseis nucleares junto à fronteira com a Finlândia e a imprensa ocidental logo noticia que “Putin volta a ameaçar com a guerra nuclear”, o que ele está a fazer é simplesmente a repor o equilíbrio alterado pela adesão da Finlândia à NATO e pelos mil quilómetros de fronteira com a Rússia assim acrescentados.
Porém — e isto é uma tese que vale o que vale —, eu acredito que Putin não tem nada a ganhar com a ocupação de uma Ucrânia derrotada e hostil, nem sequer para efeitos de propaganda interna. De volta a Macron, dizia ele — o Macron pró-paz e quando a guerra não corria tão bem a Putin — que era preciso ajudar a Rússia a sair da Ucrânia sem ser humilhada. A frase, embora ele já não a subscreva, continua actual, porque só há duas maneiras de acabar com uma guerra: ou pela derrota e humilhação de um dos lados ou por um acordo de paz. Ao contrário do que afirma o nosso actual ministro da Defesa, nem as eleições europeias nem a política europeia se resumem a escolher entre “os amigos da Ucrânia e os amigos de Putin”. Os verdadeiros amigos da Ucrânia querem que a Ucrânia deixe de ser massacrada e que Putin saia da Ucrânia, e isso consegue-se negociando um acordo de paz em que ambas as partes terão de ceder e os únicos que sairão a perder são os amigos da guerra.
MIGUEL SOUSA TAVARES ESCREVE DE ACORDO COM A ANTIGA ORTOGRAFIA
https://expresso.pt/opiniao/2024-05-16-quando-os-alarmes-soam-1dc1f354
Sem comentários:
Enviar um comentário