Postado por Fany / Raffaella Spinazzi
(Tradução automática, sem revisão do texto)
Textos e Obras Daqui e Dali, mais ou menos conhecidos ------ Nada do que é humano me é estranho (Terêncio)
Postado por Fany / Raffaella Spinazzi
(Tradução automática, sem revisão do texto)
O desaparecimento de Claudia
Cardinale lembra-nos o muito que nos trouxe e ao cinema e damos graças pelo dom
da vida e pelo que de bom e de belo constantemente se cruza connosco e nos toca
neste mundo
27 set. 2025
Quando comecei a ver cinema (a
“ir ao cinema”, como se dizia), o cinema italiano era um grande cinema, para
não dizer o grande cinema. A começar pelos realizadores, os Visconti, os
Fellini, os Pasolini, os Antonioni, os Monicelli, os Risi, os Rossellini, os De
Sica, criadores admiráveis em todos os géneros, da comédia mais divertida à
tragédia mais shakespeariana.
Mas para nós, miúdos, muito mais
do que os realizadores, que até à adolescência nos passavam relativamente
despercebidos, impressionavam-nos os actores – um cómico admirável, como
Antonio de Curtis, Totó, um actor genial para papéis mais sérios,
como Marcelo Mastroianni, ou alguém preparado para todos os géneros, como
Vittorio Gassman. E mais ainda que os actores, fascinavam-nos as actrizes.
Estávamos no Portugal dos anos
1960, a sair da Igreja pré-conciliar de Pio XII, e as nossas “referências
artísticas” eram americanas (como a Marilyn Monroe, a Rita Hayworth ou a Ava
Gardner, que víamos nos filmes e nas páginas do Século Ilustrado),
francesas (como a Brigitte Bardot de Et Dieu créa la
femme ou a Catherine Deneuve de Belle de Jour) e
italianas (como a Silvana Mangano, a Sofia Loren, a Gina Lollobrigida, a
Monica Vitti… e a Claudia Cardinale).
Claudia Cardinale era uma
italiana nascida na Tunísia, então um domínio francês, onde, com 19 anos,
ganhara um concurso de beleza. O primeiro prémio dava direito a uma semana em
Veneza com acompanhante. Claudia levou a mãe e voltou para a Tunísia. Estávamos
em 1957. Não passou um ano até que saísse da Tunísia para o grande écran,
com I Soliti Ignoti, de Mario Monicelli.
Era o começo. Em 1960, estava
em Rocco e i Suoi Fratelli, de Visconti, com Alain Delon, em
61 era La Ragazza con la Valigia no filme de Valerio Zurlini,
e em 63 dava corpo à Ragazza di Bube, de Luigi Comencini. No
mesmo ano, Visconti voltava a escolhê-la, desta vez para desempenhar o papel de
Angelica em Il Gattopardo. Angelica era a bela filha do
burguês Dom Calogero Sedara, parte do exercício de transição política e social
que “o Leopardo”, o príncipe de Salina (Burt Lancaster), vai protagonizar para
que a estrutura social não sofra muitos abalos com a passagem da monarquia
tradicionalista dos Bourbon-Duas Sicílias para a monarquia liberal e
revolucionária dos Saboia.
São raros os grandes filmes de
grandes livros, ou da adaptação de grandes livros, vá-se lá a saber porquê…
Talvez porque os livros falem outra linguagem, mais intimista, centrada na
palavra e deixando a imaginação visual à solta, e o cinema encontre o seu
encanto sobretudo na imagem, no movimento, na acção, num apelo mais directo aos
sentidos. Por alguma razão nem as adaptações francesas de Le
Rouge et le Noir ou de La Chartreuse de Parme, de
Stendahl, resultaram em grandes filmes, nem os livros que serviram de guião aos
geniais tratados do poder e da condição humana que são Os Padrinhos de
Coppola eram obras-primas.
Il Gattopardo, de
Lampedusa, é uma excepção. É um romance admirável que, pela mão de Visconti,
inspira um filme admirável. Livro e filme são obras diferentes e assumem essa
diferença. Visconti, ao sabor do seu tempo, da sua arte e da sua condição de
aristocrata-comunista, faz uma leitura marxista do romance de Lampedusa, a
narrativa nostálgica da viagem à Sicília do aristocrata Giuseppe Tomasi de
Lampedusa à procura de um tempo perdido.
Claudia Cardinale veste bem a
pele de Angelica, a filha de Dom Calogero (Paolo Stoppa), o burguês em ascensão
social que, nas terras feudais dos Salina, ajuda a evitar a revolução que a
sucessão dos “homens novos” aos aristocratas e o fim do Ancien Régime podia
provocar. Visconti encerra o filme com Claudia Cardinale a rodopiar no salão
dos Salina nos braços do patriarca, um Burt Lancaster que nos tínhamos
habituado a ver nas fitas americanas como trapezista, pirata, cowboy ou
até índio (no Último Apache), mas que o realizador italiano se
atreve a transformar no aristocrata nostalgicamente maquiavélico que muda o que
for preciso (o acessório) para que o essencial (a propriedade dos meios de
produção – segundo Visconti, conde de Lonate Pozzolo, com casa em Milão, cheia
de criadagem e dois chefs de cozinha, segundo o amigo e rival
Fellini) continue na mesma. E sim, o filme é diferente do livro também no
essencial.
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A versatilidade de Claudia
Cardinale não será menor do que a do trapezista, pirata, cowboy, índio e
príncipe, Burt Lancaster. Em 1968, em Hollywood, vai protagonizar entre
vaqueiros, caminhos-de-ferro, maus muito maus (Henry Fonda) e um bom com cara
de mau (Charles Bronson) Aconteceu no Oeste, um filme de Sergio
Leone, que trabalhara com mestres como Vittorio de Sica e Luigi Comencini e se
lançara nos chamados Western Spaghetti com fitas como Por um Punhado
de Dólares e O Bom, o Mau e o Vilão.
Contrastando em quase tudo com a
Angélica de O Leopardo, Claudia é, em Once Upon a Time in
the West, Jill McBain, uma mulher de vida fácil (ou difícil) de Nova
Orleães que vem para a terra onde se passa a acção porque casa com o homem que
é assassinado, com a família, logo no princípio da história. E desce, linda e
feliz, do comboio, para enfrentar o que der e vier.
Vi este Aconteceu no
Oeste num dia que é sempre inesquecível: o dia seguinte ao do último
exame da época; o dia ou a noite em que, pela primeira vez depois de um tempo
de grande azáfama e sofrimento, em pleno Verão, estamos livres, soltos e
podemos jantar bem e ir ao cinema.
Pude, por isso, apreciar mais
ainda a beleza da Cardinale, ajudado pela música de Ennio Morricone e por
aqueles desfechos típicos dos Westerns, com os maus a serem
punidos e tudo a acabar bem.
E vi-a em muitas outras fitas –
como Claudia, no 8 ½ de Fellini, como dona de uma casa de
passe, no Fitzcarraldo de Werner Herzog, como chefe de
quadrilha em Les Petroleuses, de Christian-Jacques (que
juntava na mesma quadrilha Bardot e Cardinale, BB e CC). Vi-a sempre
bela, como princesa Dala na Pantera Cor de Rosa sempre bem,
ainda na tela ou já a sair de cena e a envelhecer.
Dizem que em 1967, na Basílica de
S. Pedro (Paulo VI quisera receber um grupo de actrizes italianas), o
Papa conversou alguns minutos a sós com ela e Claudia saiu a chorar.
Especula-se que teriam falado do que lhe acontecera aos 17 anos: a violação, a
hesitação em abortar e a decisão de ter o filho, o seu Patrick, que o futuro
marido, Franco Cristaldi, iria perfilhar.
O desaparecimento de Claudia
Cardinale lembra-nos o muito que nos trouxe e ao cinema, a sua forma única de
passar pelo tempo. E lembra-nos também aquilo de que muitas vezes nos
esquecemos: de dar graças pelo dom da vida e pelo que de bom e de belo constantemente
se cruza connosco e nos toca neste mundo. Que descanse em paz.
* Cory Doctorow,
Medium. Trad. OLima.
É preciso
dizer-te algo desagradável: as tuas escolhas pessoais de consumo não farão uma
diferença significativa na quantidade de merda que enfrentas na tua vida.
Claro, podes
fazer pequenas alterações, e deves fazê-lo! Comprar um portátil reparável, como
o Framework, que é o melhor computador que já tive, e instalar o Linux nele (eu
uso o Ubuntu, que é fácil de instalar). Passarás duas semanas a procurar na
interface do utilizador o que precisa clicar e, depois, deixarás de notar isso
para sempre.
Acede à
Internet através de RSS e evita toda a manipulação algorítmica e vigilância que
te obriga a ti e os seus às depredações das piores pessoas do mundo e dos seus
algoritmos selvagens.
Prefira
ferramentas de mensagens privadas e abertas de alta segurança, como o Signal.
Abre uma conta num serviço de rede social federado, como o Mastodon, e torna-a
o principal local para a sua vida social online.
Faz tudo isso!
Faz mais! Tornarás a tua vida um pouco melhor e, em alguns casos, muito melhor.
Mas não vais combater a merda dessa forma. A merda não é o resultado de pessoas
a fazerem más escolhas: é o resultado de más políticas que produzem maus sistemas.
A merda é uma
descrição clara, que fala sobre como as plataformas se tornam ruins. Eis como
as plataformas morrem: primeiro, são boas para os seus utilizadores; depois,
abusam dos seus utilizadores para melhorar as coisas para os seus clientes
empresariais; finalmente, abusam desses clientes empresariais para recuperar
todo o valor para si próprias.
Mas a parte
mais importante da merda é a sua hipótese causal: a resposta que propõe para
explicar por que razão esta degradação está a acontecer em todo o lado, neste
momento.
Eis porque
estás a ser prejudicado: decidimos deliberadamente deixar de aplicar as leis da
concorrência. Como resultado, as empresas formaram monopólios e cartéis. Isto
significa que não precisam de se preocupar em perder os seus negócios ou mão de
obra para um concorrente, porque não competem. Isso também significa que elas
podem facilmente controlar os seus reguladores, porque podem facilmente chegar
a um acordo sobre um conjunto de prioridades políticas e usar os biliões que
acumularam ao não competir para controlar os seus reguladores. Elas podem
controlar os seus antigos e poderosos trabalhadores de tecnologia,
despedindo-os em massa e aterrorizando-os para que abandonem qualquer pretensão
inspirada em Tron de «lutar pelo utilizador». Por fim, podem usar a lei de
propriedade intelectual para silenciar qualquer pessoa que crie tecnologia que
desvalorize as suas ofertas.
Podes tomar
cuidado para evitar a merda, podes até mesmo fazer disso um fetiche, mas sem
resolver essas falhas sistémicas, as tuas ações individuais não te levarão
muito longe. Claro, usa ferramentas que aumentam a privacidade, como o Signal,
para comunicar com outras pessoas, mas se a única maneira de levar o teu filho
ao jogo da liga infantil é entrar no grupo de boleias no Facebook, vais
partilhar dados sobre tudo o que fazes para a Meta.
Da mesma forma,
podes usar bloqueadores de anúncios que preservam a privacidade no teu
navegador, mas no momento em que tiveres que fazer negócios com um monopólio
que exige que uses a aplicação deles, ficarás totalmente indefeso diante deles,
porque a lei antievasão criminaliza a modificação de uma aplicação para
preservar a sua privacidade. Uma aplicação é apenas uma página da web revestida
com o tipo certo de lei de propriedade intelectual para tornar a instalação de
um bloqueador de anúncios um crime passível de prisão.
Quando todos os
teus amigos vão a um festival, vais mesmo desistir de ir porque o evento exige
que uses a aplicação Ticketmaster (porque a Ticketmaster tem o monopólio da
venda de ingressos para eventos)? Se sim, não vais ter muitos amigos, o que é
uma péssima maneira de viver
Se
transformares a tua campanha pessoal para viver uma vida livre de merda num
conjunto de práticas rígidas que te isolam da tua comunidade, ficarás infeliz —
e prejudicarás a tua capacidade de lidar com as raízes sistémicas da merda.
Isso porque problemas sistémicos têm soluções sistémicas. Eles são abordados
por meio de movimentos de massa, litígios de impacto, ação política, revoltas
de rua, ajuda mútua e outras formas de solidariedade e comunidade.
Os monstros que
beneficiam do status quo não querem que saibas disso. Eles querem fazer uma
lavagem cerebral em ti com o mantra de Margaret Thatcher: «A sociedade não
existe». Eles querem que penses que és um indivíduo patético e atomizado. Eles
querem que morras numa onda de calor enquanto expressas o teu profundo
arrependimento por não reciclares mais diligentemente e não teres mais cuidado
com a tua «pegada de carbono». Querem que conduzas durante horas à procura de
um vendedor independente de cartão para fazeres o teu cartaz de protesto,
convencido de que é mais importante evitar fazer compras na Amazon do que
realmente aparecer no protesto em frente ao armazém da Amazon. Querem que te
amaldiçoes por não andares de bicicleta e apanhares o autocarro na tua cidade,
onde não há ciclovias e os autocarros passam a cada 45 minutos e param às 20h.
Se querias uma cidade habitável, deverias ter feito melhores escolhas de
consumo! Talvez pudesses cavar o teu próprio metro, já pensaste nisso, hmmm?
Tu, eu e todos
que conhecemos fomos submetidos a uma campanha de 40 anos de propaganda
antissolidária, com o objetivo de nos convencer de que só podemos lutar contra
o sistema como indivíduos. Não gostas do teu plano de saúde? Procura outro! Não
gostas do teu chefe? Despede-te! Nunca deves defender um sindicato ou um
sistema de saúde socializado. Tu és um indivíduo, a sociedade não existe. «Não
existe tal coisa como sociedade» é o que se diz quando se beneficia da
sociedade (que existe, sem dúvida) e não se quer que ela mude.
Para fazer
mudanças, é preciso existir na sociedade. Sim, o Partido Democrata é uma
gerontocracia fraca e patética, mas os Socialistas Democráticos, o Movimento
Sunrise e outros grupos políticos independentes dos democratas, mas que ainda
assim os levam a fazer algo de bom, às vezes, merecem o seu apoio. Sim, o
movimento sindical desperdiçou os anos de Biden, recusando-se a gastar as suas
reservas de dinheiro recordes na organização, apesar dos milhões de
trabalhadores implorarem para se filiarem nos sindicatos. Mas a democracia no
local de trabalho continua a ser a única maneira que temos — ou teremos — de
derrotar o capital, então filia-te num sindicato, forma um sindicato, apoia um
sindicato.
Sim, a
reciclagem do plástico é uma farsa criada pela indústria petroquímica e todo o
plástico que coloca no seu caixote azul vai para uma incineradora ou para um
aterro, mas se não apoiares (e se juntares a) verdadeiros ativistas ambientais,
vais ser queimado vivo.
Sim, Israel
está a cometer um genocídio e Brown, Columbia e outras universidades de elite
estão a capitular perante Trump, cuja base evangélica acredita que a guerra em
Israel acelerará a Segunda Vinda, quando todos os judeus serão condenados à
condenação eterna. Mas isso não te isenta da responsabilidade de agires para
defender os nossos irmãos e irmãs palestinianos da morte que lhes é infligida
com as armas que os nossos governos enviam a Israel. Isso vale em dobro para
nós, judeus, em cujo nome o massacre está a ser cometido. (…)
Claro, vive a
melhor vida que puderes, fazendo as melhores escolhas possíveis. Mas não te
iludas achandque isso é lutar contra a merda.
A razão pela
qual as empresas te espiam não é porque você é mesquinho demais para pagar
pelos media, então elas precisam recorrer à publicidade de vigilância.
Independentemente de você pagar ou não a uma empresa de tecnologia, elas vão
espiá-lo de qualquer maneira. A razão pela qual eles podem espiar você é que os
EUA não têm uma nova lei de privacidade do consumidor desde 1988, quando a Lei
de Proteção à Privacidade de Vídeos proibiu os funcionários das locadoras de
vídeos de divulgar que fitas VHS você levava para casa. Essa foi a última
ameaça tecnológica à nossa privacidade que o Congresso abordou. A razão pela
qual você é espiado é porque não há consequências sistémicas para essa
vigilância.
A razão pela
qual as empresas de trabalho temporário classificam erroneamente os seus
trabalhadores como prestadores de serviços, para abusar deles, roubar os seus
salários e negar-lhes proteções no local de trabalho, é porque podem fazê-lo —
não porque os trabalhadores não sejam suficientemente exigentes em relação aos
seus contratos de trabalho.
Para combater
problemas sistémicos, é preciso fazer parte de uma solução sistémica. (...)
Posted by OLima at sexta-feira, setembro 26, 2025
https://onda7.blogspot.com/2025/09/leituras-marginais_0387707902.html
Repressão digital suave - Como
a inteligência artificial garante a continuidade da hegemonia capitalista
Se a repressão digital suave
procura sufocar a resistência, a alternativa é redefinir a tecnologia como
ferramenta de libertação.
* Rezgar Akrawi
27 de setembro 2025
Durante a última ofensiva contra
Gaza, milhares de ativistas ficaram surpresos ao ver suas publicações apagadas
ou suas contas restritas simplesmente por documentarem os crimes da ocupação
israelita. Muitos sentiram impotência e revolta, como se suas vozes estivessem
sendo silenciadas de propósito. Não foi uma coincidência ou falha técnica, mas
sim um exemplo vivo do que hoje podemos chamar de “repressão digital
suave”. Trata-se de uma repressão que não aparece necessariamente sob a
forma de bloqueios diretos ou prisões visíveis, mas que se infiltra por meio de
algoritmos invisíveis, remodelando o espaço digital para servir à continuidade
da hegemonia capitalista. Surge então a pergunta: como funciona esse sistema e
como enfrentá-lo?
A repressão digital suave é um
conjunto de políticas e ferramentas tecnológicas usadas para restringir a
liberdade de expressão e controlar o espaço digital por parte das grandes
empresas e dos Estados dominantes, mas de formas que parecem neutras e não conflituosas.
Em vez da censura explícita, da proibição direta ou de medidas abertamente
repressivas, baseia-se em técnicas de ocultação gradual e na criação de um
ambiente em que as pessoas se submetem a uma vigilância invisível — e às vezes
até se autocensuram.
Como funciona a vigilância
invisível? Controlo digital e autocensura voluntária
Imagine que tudo o que você faz em
sua vida digital está a ser monitorizado: as suas deslocações pelo telemóvel,
suas reuniões privadas, até mesmo as suas mensagens pessoais. Não é ficção. As
grandes empresas digitais, em colaboração com Estados hegemónicos, recolhem
sistematicamente esses dados e os analisam para classificar utilizadoras e
utilizadores de acordo com os seus comportamentos e orientações políticas.
Assim, as plataformas tornam-se instrumentos centrais para detetar e conter
tendências críticas, seja através de campanhas de desinformação ou de
mecanismos que reduzem o alcance e a influência de determinados conteúdos.
E não pára por aí. Graças a
algoritmos cuidadosamente projetados, o conteúdo político de esquerda e
progressista é restringido sem precisar ser apagado. Parece que a baixa
interação é resultado do desinteresse do público, mas na realidade trata-se de
uma redução deliberada da visibilidade. Diversos estudos falaram da “bolha de
filtros” que isola pessoas de qualquer conteúdo divergente. Vazamentos internos
do Facebook, por exemplo, mostraram como a empresa reduzia intencionalmente o
alcance de movimentos políticos ou de direitos humanos, enquanto afirmava
publicamente ser neutra.
Com o tempo, muitas pessoas
começam a praticar a chamada “autocensura voluntária”: moderam ou
mudam seu discurso por medo de serem banidas, perderem alcance ou terem suas
contas fechadas. Esse medo altera a natureza do próprio discurso e transforma a
internet em um espaço pré-formatado para servir aos interesses das forças
capitalistas.
A frustração digital
A repressão não se limita a
restringir conteúdo. Existe também uma arma menos visível e ainda mais eficaz:
a frustração digital. Através de um fluxo contínuo de conteúdos
calculados, os algoritmos criam uma sensação generalizada de impotência e
resignação, especialmente entre pessoas com posições de esquerda e
progressistas. De repente, você se vê rodeado por mensagens que insistem que as
experiências socialistas fracassaram e que resistir é inútil. Em contrapartida,
o capitalismo é apresentado como uma força eterna e invencível.
Ao mesmo tempo, promove-se o
individualismo e as soluções centradas no sucesso pessoal — como o consumo ou o
desenvolvimento individual — como alternativas “realistas” à ação política
coletiva. Assim, as pessoas são isoladas umas das outras e convertidas em
consumidoras em vez de militantes. Não se trata de uma escolha espontânea, mas
de uma estratégia de classe cuidadosamente elaborada para abortar qualquer
possibilidade de transformação socialista radical.
Prisão e assassinato digital
Quando nem a censura nem a
frustração bastam, o sistema recorre a um nível ainda mais grave: a prisão
digital. De repente, pessoas comuns encontram as suas contas suspensas por
longos períodos, bloqueadas totalmente ou encerradas sem aviso prévio.
Normalmente, isso é justificado com argumentos como “violação das normas
comunitárias” ou “promoção da violência”, embora o conteúdo censurado
frequentemente seja documentação de crimes capitalistas ou de violações de
direitos humanos.
Em muitos casos, a repressão chega
ao que podemos chamar de “assassinato digital”: a eliminação
completa da presença online de indivíduos ou organizações. Movimentos
operários, organizações de esquerda, meios de comunicação independentes e até
entidades de direitos humanos tiveram seus sites encerrados, arquivos apagados
ou contas desativadas. O exemplo mais evidente é o do conteúdo palestino, que
sofreu exclusões massivas de contas e publicações que denunciavam os crimes da
ocupação, enquanto continuava a ser permitido o discurso de ódio ou a
propaganda da direita israelita. Essas práticas transformam o espaço digital de
um campo de expressão livre em um território rigidamente monitorado, onde o
capital decide o que pode aparecer e o que deve ser enterrado.
Quais alternativas para as
forças de esquerda e progressistas?
Se a repressão digital suave
procura sufocar a resistência, a alternativa é redefinir a tecnologia como
ferramenta de libertação. Isso exige iniciativas de esquerda progressistas que
promovam transparência e controle democrático, além de legislações rigorosas
que criminalizem a vigilância política e proíbam o uso da inteligência
artificial para restringir liberdades.
Não se trata apenas de leis. É
necessário também construir redes de solidariedade transnacionais que
denunciem violações e pressionem as grandes empresas. Utilizadoras e
utilizadores comuns podem participar de boicotes contra empresas que vendem
tecnologias de vigilância a regimes autoritários, colocando-as em listas
negras. Em contrapartida, é essencial apoiar softwares e sistemas de código
aberto geridos por órgãos independentes, com representantes da sociedade civil
e sob controle coletivo, para que se tornem ferramentas de denúncia de abusos,
de monitoramento de governos e de análise de dados para expor práticas
repressivas.
Além disso, as organizações de
esquerda precisam desenvolver as suas próprias ferramentas: desde técnicas de
criptografia e proteção da privacidade até campanhas de consciencialização que
revelem os bastidores dos algoritmos. Afinal, esta luta não é apenas técnica,
mas eminentemente política. Enfrentar a inteligência artificial capitalista é
parte da luta de classes, uma extensão do conflito sobre fábricas e campos no
passado, mas agora no espaço digital.
O exemplo da repressão digital
contra o conteúdo palestino, e contra vozes de esquerda e emancipação em geral,
deixa clara a gravidade do problema. Mas também mostra a lição mais
importante: alternativas são possíveis. Transformar a inteligência
artificial em ferramenta de libertação e vinculá-la a um projeto político de
esquerda progressista pode abrir novos horizontes para a resistência. A
internet não nasceu para ser apenas um mercado de consumo, mas pode ser um campo
de luta comum e internacionalista. Isso, porém, só será possível se ligarmos a
batalha digital a uma luta mais ampla contra o capitalismo e sua hegemonia de
classe, recolocando o ser humano no centro da decisão digital.
Rezgar Akrawi é
um militante de esquerda independente, interessado na esquerda e na revolução
tecnológica, e atua como especialista em desenvolvimento de sistemas e
governança eletrónica.
Fontes consultadas:
O Capitalismo de Inteligência
Artificial: desafios para a esquerda e alternativas possíveis
https://leanpub.com/ai-socialism-pr
* António Santos
(Avante, 2025 09 25)
Já todos percebemos para que precipício se dirigem os EUA – paulatinamente, desde a última eleição de Trump, e por vezes de chofre, como foi esta semana, por conveniente ensejo do funeral de Charlie Kirk, um provocador da extrema-direita ultra-montana que uma bala canonizou. Perante a turba fanática em Glendale, no Arizona, Trump, transido de fervor apoteótico foi certeiro no epítome: «Eu odeio os meus oponentes», declarou o presidente em funções dos EUA, «eu não lhes quero bem».
E eis que milhares de corações graníticos, tão resistentes
ao impacto diário de imagens do esquartejamento de crianças palestinas, se
comoveram com esta morte individual, que veio para justificar tudo. Charlie
Kirk está para o MAGA como Horst Wessel esteve para o partido nazi. Trump
prometeu «trazer de volta a religião para a América» e logo ouvimos o
secretário de Estado da Guerra (nomenclatura muito mais honesta, reconheça-se),
Pete Hegseth, gritar «Deus é rei», ameaçar com «uma tempestade cuja força não compreendem»
e explicar que «os nossos oponentes não são nada, não têm nada. São a maldade».
A morte de Kirk, desinteressante em si mesma, insere-se na maior espiral de
violência política vivida nos EUA desde a guerra civil. É disso que estamos a
falar.
No dia seguinte, o Presidente assinava uma ordem executiva que designa o “movimento antifa” como uma organização terrorista, abrindo espaço à criminalização de todas as organizações de esquerda nos EUA. Não é mera retórica: Trump exigiu publicamente que a procuradora-geral, Pam Bondi, prenda todos os magistrados e adversários políticos que alguma vez se atreveram a enfrentá-lo e pondera ordenar, à semelhança de Washington DC e Los Angeles, a ocupação militar de Chicago, Baltimore, Nova Orleães, Nova Iorque, Oakland e outras cidades controladas pelo Partido Democrata.
Acto contínuo, todas as agências federais em cuja proverbial independência se alicerçavam as crença nos “pesos e contra-pesos” da democracia estado- -unidense, revelam-se joguetes na mão de Trump: Brendan Carr, chefe da agência federal para as comunicações, ameaçou retirar a licença audiovisual a qualquer canal que critique o presidente ou ofenda “a memória de Kirk”, despoletando uma vaga de despedimentos de famosos apresentadores de televisão e comediantes. «Querem fazer isto a bem ou a mal?», sintetizou. No mesmo sentido, também esta semana, o Supremo Tribunal confirmou que Trump pode demitir membros da Comissão Federal de Comércio, garantindo assim a gestão presidencial dos monopólios do império.
Em todos os acontecimentos moram partes diferentes de continuidade e de mudana. A tirânica subversão da democracia que Trump opera explica-se, em primeiríssimo lugar, com as características brutais, tirânicas, que essa “democracia” já possuía: um jogo nas mãos dos bilionários e refém da sua boa-vontade para escolher os comediantes certos ou distribuir os despojos do imperialismo com maior ou menor justiça. Kirk deu-nos, na vida como na morte, uma boa síntese da psicose colectiva de uma sociedade niilista, violenta, desumanizada, decadente, em que a vida humana é a mais barata das mercadorias.