quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Patrícia Reis - O estado da Nação


* Patrícia Reis

 
Diário de Notícias 02 Set 2025 
 
Os Países Baixos têm as crianças mais felizes, dizem os estudos. Crianças que passam muito tempo na rua, com chuva ou sol, uma carga de atividades extra reduzida. E podem ficar entediadas, porque aprender a gerir a frustração faz parte da vida. Não têm satisfações imediatas, não usam as novas tecnologias como uma extensão do corpo, leem e são estimuladas a conversar, nada de jantares ao som das breaking news do mundo. Os pais estimulam a autonomia, são pouco vigilantes, menos controladores, vá.  

Por aqui a história é outra, porque as crianças acumulam quadros de ansiedade, não sabem lidar com a rejeição nem com a frustração, precisam de estar sempre em movimento (quem disse que a malta tem de estar sempre ocupada?) e se uma criança vai para a escola a pé, a um quarteirão de distância da sua casa, é um ai Jesus. Não, os pais não perderam a cabeça, talvez estejam apenas a promover autonomia, segurança.  

A história mais bizarra que ouvi, há umas semanas, prende-se com jovens adultos. Um professor universitário contou-me que é confrontado com os pais dos alunos regularmente. Interpelam-no, pedem esclarecimentos sobre notas, intervêm como fazem na escola primária. “Isto não ajuda nada. A cereja no topo do bolo é a mãe que vem falar comigo, porque chumbei o filho e eu precisei de lhe mostrar as folhas de presença e de dizer: ‘O seu filho nunca veio a uma aula que eu tivesse dado’”. Cara de urso da mãe, imagino.  

O que leva os pais a controlar tanto a vida dos filhos? Porque precisarão eles de os ter fixos no ninho, mal preparados para o mundo real? Que exemplo damos a um jovem, se não acreditamos que seja capaz de resolver as suas questões, assumir responsabilidades?  

A educação é um dos pilares da sociedade, defendemos a ideia fundadora de oportunidades e princípios, mas a nossa aposta na educação é fraca. As redes sociais aceleraram a vida. Os jovens abusam das ferramentas de IA nos seus trabalhos escolares, reduzindo o tempo de pesquisa e de leitura; abandonaram a possibilidade enriquecedora de correlacionar informações que permitem um desenvolvimento de raciocínio, outras perspetivas. Ora, se não estimularmos o cérebro, ele encolhe. 

O neurocientista francês Michel Desmurget, autor do livro A Fábrica de Cretinos Digitais (2021, Bertrand Editora), explica que o mundo digital está a prejudicar o desenvolvimento neural de crianças e jovens e que, pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, o Quociente de Inteligência desceu.  

O QI é medido por um teste-padrão e é afetado por variáveis distintas, entre elas os sistemas educativos e de saúde ou as questões alimentares. A diminuição do QI foi já testada e documentada em vários estudos na Noruega, Dinamarca, França, Estados Unidos, entre outros. Michel Desmurget explica: “Vários estudos têm mostrado que quando o uso de televisão ou videogame aumenta, o QI e o desenvolvimento cognitivo diminuem” e acrescenta: “Os principais alicerces da nossa inteligência são afetados: linguagem, concentração, memória, cultura (definida como corpo de conhecimento que nos ajuda a organizar e a compreender o mundo). Em última análise, esses impactos levam a uma queda significativa no desempenho académico.”  

A super estimulação provoca uma diminuição cognitiva – pode parecer paradoxal, mas é para isso que os estudos apontam. Menos interação social e menos atividades estimulantes criativamente (música, artes, leitura) levam a perturbações do sono e têm um impacto real na forma de o cérebro processar informação. Sem alimento, certas zonas tornam-se, digamos, menos ativas, como se metessem férias. Os mais jovens precisam de estímulos, e não de tantos ecrãs e de informação proveniente apenas do universo digital. Estes alertas têm vindo a ser feitos em diferentes plataformas, de académicos a cientistas, de especialistas de educação a psicólogos. Ouvimos e não fazemos nada, o que é pouco inteligente. Entretanto os pais, hiper vigilantes, optam por sobreproteger os filhos. Como se desenrascará esta geração? Como diz o povo, o futuro a Deus pertence. 

Escritora e jornalista

 https://www.dn.pt/opiniao/o-estado-da-na%C3%A7%C3%A3o

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