domingo, 13 de junho de 2010

A plenos pulmões - Maiakovski


À Lilia 
Brik
A PLENOS PULMÕES
Primeira Introdução ao Poema

Caros
..........camaradas
......................futuros!
Revolvendo
.......a merda fóssil
......................de agora,
.................................perscrutando
estes dias escuros,
....talvez
..............perguntareis
...............................por mim.

Ora,
......começará
...............vosso homem de ciência,
afagando os porquês
.............num banho de sabença,
conta-se
.......que outrora
...................um férvido cantor
a água sem fervura
..........................combateu com fervor(1).
Professor,
.........jogue fora
...............as lentes-bicicleta!
A mim cabe falar
.................de mim
...........................de minha era.
Eu – incinerador,
...............eu – sanitarista,
a revolução
.................me convoca e me alista.
Troco pelo front
.........a horticultura airosa
.............................da poesia –
.....................................fêmea caprichosa.
Ela ajardina o jardim virgem
...............vargem
......................sombra
.............................alfombra.
"É assim o jardim de jasmim,
...................o jardim de jasmim do alfenim."
Este verte versos feito regador,
......................aquele os baba,
boca em babador, –
...........bonifrates encapelados,
........................descabelados vates –
entendê-los,
..............ao diabo!,
.............................quem há-de...
Quarentena é inútil contra eles
..................– mandolinam por detrás das paredes:
"Ta-ran-tin, ta-ran-tin,
.........................ta-ran-ten-n-n..."
Triste honra,
...............se de tais rosas
..........................minha estátua se erigisse:
na praça
...........escarra a tuberculose;
putas e rufiões
...............numa ronda de sífilis.
Também a mim
.........a propaganda
........................cansa,
é tão fácil
.......alinhavar
.................romanças, –
Mas eu
.........me dominava
.....................entretanto
e pisava
...........a garganta do meu canto.
Escutai,
..............camaradas futuros,
....................................o agitador,
o cáustico caudilho,
....................o extintor
.........................dos melífluos enxurros:
por cima
........dos opúsculos líricos,
...............................eu vos falo
...........como um vivo aos vivos.
Chego a vós,
......à Comuna distante,
..............não como Iessiênin,
...............................guitarriarcaico.
Mas através
.......dos séculos em arco
.....................sobre os poetas
............................e sobre os governantes.
Meu verso chegará,
.................não como a seta
..................................lírico-amável,
..............que persegue a caça.
Nem como
........ao numismata
...............a moeda gasta,
.......................nem como a luz
...............................das estrelas decrépitas.
Meu verso
.........com labor
.............rompe a mole dos anos,
..................................e assoma
.....a olho nu,
...............palpável,
........................bruto,
.......................como a nossos dias
chega o aqueduto
................levantado
..........................por escravos romanos.
No túmulo dos livros,
.............versos como ossos,
......................se estas estrofes de aço
acaso descobrirdes,
.............vós as respeitareis,
........................como quem vê destroços
....de um arsenal antigo,
.................mas terrível.
Ao ouvido
..........não diz
................blandícias
............................minha voz;
lóbulos de donzelas
........de cachos e bandós
....................não faço enrubescer
...............................com lascivos rondós.
Desdobro minhas páginas
.......– tropas em parada,
................e passo em revista
...........................o front das palavras.
Estrofes estacam
...........chumbo-severas,
.....................prontas para o triunfo
........ou para a morte.
Poemas-canhões, rígida coorte,
..........................apontando
................................as maiúsculas
...........abertas.
Ei-la,
.....a cavalaria do sarcasmo,
................minha arma favorita,
.............................alerta para a luta.
Rimas em riste,
......sofreando o entusiasmo,
.............................eriça
................................suas lanças agudas.
E todo
......este exército aguerrido,
.......................vinte anos de combates,
não batido,
...........eu vos dôo,
..................proletários do planeta,
cada folha
.............até a última letra.
O inimigo
......da colossal
...............classe obreira,
..................................é também
meu inimigo
.................figadal.
Anos
........de servidão e de miséria
...............................comandavam
...............................nossa bandeira vermelha.
Nós abríamos Marx
........volume após volume,
.............................janelas
.....................................de nossa casa
abertas amplamente,
..............mas ainda sem ler
............................saberíamos o rumo!
onde combater,
................de que lado,
..........................em que frente.
Dialética,
.........não aprendemos com Hegel.
Invadiu-nos os versos
........ao fragor das batalhas,
.................................quando,
sob o nosso projétil,
..........debandava o burguês
..........................que antes nos debandara.
Que essa viúva desolada,
......................– glória –
..............................se arraste
após os gênios,
.................merencória.
Morre,
.........meu verso,
....................como um soldado
.......................................anônimo
na lufada do assalto.
Cuspo
......sobre o bronze pesadíssimo,

........cuspo
..................sobre o mármore viscoso.
Partilhemos a glória, –
....................entre nós todos, –
..................................o comum monumento:
o socialismo,
.............forjado
......................na refrega
....................................e no fogo.
Vindouros,
......varejai vossos léxicos:
............................do Letes
..............................brotam letras como lixo –
"tuberculose",
........"bloqueio",
.............."meretrício".
Por vós,
......geração de saudáveis, –
.......................um poeta,
......................com a língua dos cartazes,
lambeu
..........os escarros da tísis.
A cauda dos anos
...........faz-me agora
..................um monstro,
..........................fossilcoleante.
Camarada vida,
..........vamos,
.............para diante,
galopemos
.......pelo qüinqüênio afora(2).
Os versos
......para mim
.............não deram rublos,
............................nem mobílias
..................de madeiras caras.
Uma camisa
......lavada e clara,
.......................e basta, –
.........................para mim é tudo.
Ao Comitê Central
................do futuro
......................ofuscante,
..........................sobre a malta
...................dos vates
velhacos e falsários,
......................apresento
.................................em lugar
do registro partidário
......todos
............os cem tomos
........................dos meus livros militantes.
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dezembro, 1929/janeiro, 1930
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1. Maiakóvski escreveu versos de propaganda sanitária.
2. Alusão aos Planos Qüinqüenais soviéticos.
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(Tradução e notas de Haroldo de Campos)
Do livro "Maiakovski - Poemas"/Editora Perspectiva, 1982.
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