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A Relíquia começa com a apresentação do narrador e protagonista da história, Teodorico Raposo, que busca explicar ao leitor o que o motivou a escrever suas memórias. Ele nos diz que a principal motivação está no fato de que tanto como seu cunhado, Crispim, acreditarem que aquelas memórias contém “uma lição lúcida e forte” da vida, sendo merecedoras da imortalidade que só “a literatura propicia”. A narração se concentra num viagem feita por Teodorico ao Egito e à Palestina, logo após uma decepção amorosa. Buscando fugir ao modelo de “guia de viagem”, Teodorico nos conta com suposta “sobriedade e sinceridade” os casos que provocaram mudanças significativas em sua vida, principalmente no que tange à herança que supunha merecer.
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Na verdade a narrativa de Teodorico possui um outro objetivo, a saber, promover uma correção no livro que seu amigo letrado, Topsius, que participara daquela viagem, escrevra sobre Jerusalém. Naquela obra, intitulada “Jerusalém Passeada e Comentada”, Topsius afirmava que Teodorico levava em dois embrulhos de papel os “restos de seus antepassados”. Tal afirmação preocupava Teodorico em relação à burguesia local, já que isso poderia acarretar problemas para o futuro e que só por meio da burguesia se tinha acesso às “coisas boas da vida”. Teodorico desejava então explicar a natureza e o verdadeiro conteúdo daqueles pacotes.
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Teodorico acaba por nos contar não somente o que sucedera na malfadada viagem mas também vários aspectos relativos a sua vida anteriores à viagem, como por exemplo a história do encontro de seus pais, ou ainda, o momento depois de toda a viagem em que se decidira pela escrita de suas experiências de vida.
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Teodorico começa por nos falar de seu avô paterno, Rufino da Conceição, padre, teólogo e autor duma obra chamada “Duma Devota Vida de Santa Filomena”. Depois apresenta-nos sua avó, Filomena Raposo, doceira, conhecida por “Repolhuda”, que vivia em Évora com o filho, Rufino da Assunção Raposo, afilhado de Nossa Senhora da Assunção, pai de Teodorico.
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Rufino trabalhava no correio e escrevia, de vez em quando, no periódico “Farol do Alentejo”. Em 1853, durante a vista de um importante bispo à Évora (Dom Gaspar de Lorena), Rufino escreveu um artigo laudatório à presença de “tão insigne prelado” e com isso ganho a simpatia do bispo. Simpatia que aumentou ainda mais quando o bispo soube que Rufino era “afilhado carnal” do Padre Rufino da Conceição, seu amigo de estudos quando estudavam ainda no seminário. O Bispo presentou o pai de Teodorico com um relógio de prata e o nomeou “escandalosamente, diretor da alfândega de Viana”.
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Trabalhando em Viana, o pai de Teodorico conheceu um rico cavalheiro de Lisboa, o comendador G.Godinho, que passava o verão em sua quinta, o Mosteiro, com duas sobrinhas: a devota D.Maria do Patrocínio e a gordinha e trigueira D. Rosa. Rufino da Conceição habituou-se a tocar sua viola para D.Rosa e amor entre os dois não demorou a acontecer. Assim, namoraram e se casaram.
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Teodorico então nos conta que ele nasceu numa tarde sexta-feira da paixão e que Dona Rosa, sua mãe, morreu na manhã seguinte, sábado de aleluia. Ficou sendo criado pleo pai, distante do avô materno, o influente comendador G.Godinho e de sua tia, Dona Maria do Patrocínio. O avô materno do menino morreu logo depois de alguns anos e pouco tempo depois, seu pai, de modo que ficou sendo órfão de pai e mãe. Aos sete anos, sua tia, Dona Maria do Patrocínio mandou um empregado, o Sr. Matias, buscar o pequeno Teodorico em Viana.
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http://www.jayrus.art.br/Apostilas/LiteraturaPortuguesa/Realismo/Eca_de_Queiros_A_Reliquia.htm
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A Relíquia
Eça de Queirós
Por Rogério Hafez*
Especial para a Folha
Especial para a Folha
"A Relíquia", publicada em 1887, é um dos livros mais irreverentes de Eça de Queirós (1845-1900), o grande mestre da prosa realista-naturalista em Portugal e um dos maiores estilistas de nossa língua.
Sem nenhum favor, Eça é hoje reconhecido e apreciado, mesmo fora do âmbito de nossa literatura, como o principal responsável pela definição do moderno idioma português e como um dos grandes precursores do romance do século 20.
O realismo de Eça, porém, precisa ser bem caracterizado, pois é mais complexo do que sugerem as definições habituais desse estilo.
Eça sabe ver o mundo de modo rigoroso, com um olhar frio e de desencanto. Mas, a exemplo de seu mestre, Flaubert, também sabe usar e abusar do humor, da ironia e da fantasia, não como atitudes opostas à de um espírito objetivo, mas como outras formas de apreensão da realidade.
O realismo de Eça não exclui o quimérico e o sarcástico, como bem notou o escritor argentino Jorge Luis Borges, grande admirador de Eça e, ele mesmo, um dos principais autores do que, em nossos dias, se vulgarizou sob o rótulo de "realismo mágico".
Essa observação vale especialmente para "A Relíquia". O livro, por um lado, se inclui entre os grandes romances da segunda fase do escritor, a que vai de "O Crime do Padre Amaro" (1875) a "Os Maias" (1888).
Nesse período, Eça procurou fazer um "inquérito à vida portuguesa", uma séria crítica das instituições que julgava responsáveis pela decadência e estagnação de Portugal: a Monarquia, a Igreja e a Burguesia.
Por outro lado, "A Relíquia" pode ser considerada, junto à fábula "O Mandarim", a obra mais fantasista de Eça.
Sua leveza antecipa o abandono do esquema naturalista e a identifica com as obras da terceira e última fase do autor, a dos romances como "A Ilustre Casa de Ramires" e "A Cidade e as Serras", em que o realismo se une ao lirismo.
"A Relíquia" faz uma grande crítica e uma sátira hilariante do catolicismo em Portugal, por meio das memórias do narrador Teodorico Raposo, o "Raposão" (como as mulheres o chamam).
Raposo é um jovem bacharel que, órfão, vive sob as ordens de Maria do Patrocínio, sua tia terrível e avara, casta e beatíssima, que controla a fortuna que o sobrinho espera herdar, em breve, com a morte da "Titi".
Raposo, sabendo que "há razões de família como há razões de Estado", finge grande devoção e cumpre o desejo da tia carola, que, preocupada com a saúde incerta, o envia como seu representante na missão religiosa de percorrer a Terra Santa.
Na companhia de Topsius, um caricaturesco arqueólogo alemão que vem a conhecer, Raposo vive grandes peripécias no Egito e na Palestina.
A maior delas é uma enigmática viagem ao passado, à antiga Jerusalém, que ocupa o centro do livro. Nessa viagem-sonho, Raposo assiste aos bastidores do martírio de Cristo e descobre "a lenda inicial do cristianismo": a ressurreição não ocorreu.
O livro se encerra com outro desmascaramento, o do próprio Raposo pela "Titi". Enganando-se no momento de entregar à tia a preciosa relíquia que trouxera (a coroa de espinhos de Cristo, que forjara com Topsius), Raposo lhe entrega outra "relíquia", um embrulho com a camisola de Miss Mary, uma prostituta que conhecera em Alexandria.
Ao final do livro, Raposo conclui que perdera a herança da tia por não ter tido a coragem de afirmar: "Eis aí a relíquia! É a camisa de Maria Madalena!" (aludindo às iniciais "M.M." que, num bilhete, a acompanhavam).
Como é comum em Eça, há no romance cenas simbólicas, cuja função é a de explicitar as teses do autor. Eça não aceitava o cristianismo como afirmação do sobrenatural, isto é, "a ideia de um deus transcendente que criou o universo" (Antônio José Saraiva).
Em "A Relíquia", é o próprio Cristo quem afirma a Raposo, ao final do livro: "Eu não sou Jesus de Nazaré, nem outro Deus criado pelos homens (...). Sou anterior aos deuses transitórios: eles dentro em mim nascem, dentro em mim duram; dentro em mim se transformam (...). Chamo-me a Consciência".
Sem nenhum favor, Eça é hoje reconhecido e apreciado, mesmo fora do âmbito de nossa literatura, como o principal responsável pela definição do moderno idioma português e como um dos grandes precursores do romance do século 20.
O realismo de Eça, porém, precisa ser bem caracterizado, pois é mais complexo do que sugerem as definições habituais desse estilo.
Eça sabe ver o mundo de modo rigoroso, com um olhar frio e de desencanto. Mas, a exemplo de seu mestre, Flaubert, também sabe usar e abusar do humor, da ironia e da fantasia, não como atitudes opostas à de um espírito objetivo, mas como outras formas de apreensão da realidade.
O realismo de Eça não exclui o quimérico e o sarcástico, como bem notou o escritor argentino Jorge Luis Borges, grande admirador de Eça e, ele mesmo, um dos principais autores do que, em nossos dias, se vulgarizou sob o rótulo de "realismo mágico".
Essa observação vale especialmente para "A Relíquia". O livro, por um lado, se inclui entre os grandes romances da segunda fase do escritor, a que vai de "O Crime do Padre Amaro" (1875) a "Os Maias" (1888).
Nesse período, Eça procurou fazer um "inquérito à vida portuguesa", uma séria crítica das instituições que julgava responsáveis pela decadência e estagnação de Portugal: a Monarquia, a Igreja e a Burguesia.
Por outro lado, "A Relíquia" pode ser considerada, junto à fábula "O Mandarim", a obra mais fantasista de Eça.
Sua leveza antecipa o abandono do esquema naturalista e a identifica com as obras da terceira e última fase do autor, a dos romances como "A Ilustre Casa de Ramires" e "A Cidade e as Serras", em que o realismo se une ao lirismo.
"A Relíquia" faz uma grande crítica e uma sátira hilariante do catolicismo em Portugal, por meio das memórias do narrador Teodorico Raposo, o "Raposão" (como as mulheres o chamam).
Raposo é um jovem bacharel que, órfão, vive sob as ordens de Maria do Patrocínio, sua tia terrível e avara, casta e beatíssima, que controla a fortuna que o sobrinho espera herdar, em breve, com a morte da "Titi".
Raposo, sabendo que "há razões de família como há razões de Estado", finge grande devoção e cumpre o desejo da tia carola, que, preocupada com a saúde incerta, o envia como seu representante na missão religiosa de percorrer a Terra Santa.
Na companhia de Topsius, um caricaturesco arqueólogo alemão que vem a conhecer, Raposo vive grandes peripécias no Egito e na Palestina.
A maior delas é uma enigmática viagem ao passado, à antiga Jerusalém, que ocupa o centro do livro. Nessa viagem-sonho, Raposo assiste aos bastidores do martírio de Cristo e descobre "a lenda inicial do cristianismo": a ressurreição não ocorreu.
O livro se encerra com outro desmascaramento, o do próprio Raposo pela "Titi". Enganando-se no momento de entregar à tia a preciosa relíquia que trouxera (a coroa de espinhos de Cristo, que forjara com Topsius), Raposo lhe entrega outra "relíquia", um embrulho com a camisola de Miss Mary, uma prostituta que conhecera em Alexandria.
Ao final do livro, Raposo conclui que perdera a herança da tia por não ter tido a coragem de afirmar: "Eis aí a relíquia! É a camisa de Maria Madalena!" (aludindo às iniciais "M.M." que, num bilhete, a acompanhavam).
Como é comum em Eça, há no romance cenas simbólicas, cuja função é a de explicitar as teses do autor. Eça não aceitava o cristianismo como afirmação do sobrenatural, isto é, "a ideia de um deus transcendente que criou o universo" (Antônio José Saraiva).
Em "A Relíquia", é o próprio Cristo quem afirma a Raposo, ao final do livro: "Eu não sou Jesus de Nazaré, nem outro Deus criado pelos homens (...). Sou anterior aos deuses transitórios: eles dentro em mim nascem, dentro em mim duram; dentro em mim se transformam (...). Chamo-me a Consciência".
.*Rogério Hafez é tradutor e assistente editorial
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http://vestibular.uol.com.br/ultnot/livrosresumos/ult2755u55.jhtm
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Decidi compor, nos vagares deste verão, na minha quinta do Mosteiro (antigo solar dos condes de Lindoso), as memórias da minha vida - que neste século, tão consumindo pelas incertezas da inteligência e tão angustiado pelos tormentos do dinheiro, encerra, penso eu e pensa meu cunhado Crispim, uma lição lúcida e forte.
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Em 1875, nas vésperas de Santo Antonio, uma desilusão de incomparável amargura abalou o meu ser; por esse tempo minha tia, D. Patrocínio das Neves, mandou-me do Campo de Santana onde morávamos, em romagem a Jerusalém; dentro dessas santas muralhas, num dia abrasado do mês de Nizam, sendo Poncio Pilatos procurador da Judéia, Élio Lama, Legado Imperial da Síria, e J. Cairás, Sumo Pontífice, testemunhei, miraculosamente, escandalosos sucessos; depois voltei, e uma grande mudança se fez nos meus bens e na minha moral.
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São estes casos, espaçados e altos numa existência de bacharel como, em campo de erva ceifada, fortes e ramalhosos sobreiros cheios de sol e murmúrio, que quero traçar, com sobriedade e com sinceridade, enquanto no meu telhado voam as andorinhas, e as moutas de cravos vermelhos perfumam o meu pomar.
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Esta jornada à terra do Egito e à Palestina permanecerá sempre como a glória superior da minha carreira; e bem desejaria que dela ficasse nas letras, para a posteridade, um monumento airoso e maciço. Mas hoje, escrevendo por motivos peculiarmente espirituais, pretendi que as páginas íntimas, em que a relembro, se não assemelhassem a um Guia Pitoresco do Oriente. Por isso (apesar das solicitações da vaidade), suprimi neste manuscrito suculentas, resplandecentes narrativas de ruínas e de costumes...
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De resto esse país do Evangelho, que tanto fascina a humanidade sensível, e bem menos interessante que o meu seco e paterno Alentejo; nem me parece que as terras, favorecidas por uma presença messiânica, ganhem jamais em graça ou esplendor. Nunca me foi dado percorrer os lugares santos da Índia em que o Buda viveu, arvoredos de Migadaia, outeiros de Veluvana, ou esse doce vale de Rajágria, por onde se alongavam os olhos adoráveis do Mestre perfeito, quando um fogo rebentou nos juncais, e Ele ensinou, em singela parábola, como a ignorância é uma fogueira que devora o homem, alimentada pelas enganosas sensações de vida, que os sentidos recebem das enganosas aparências do mundo. Também não visitei a caverna de Hira, nem os devotos arcais entre Meca e Medina, que tantas vezes trilhou Maomé, o profeta excelente, lento e pensativo sobre o seu dromedário. Mas, desde as figueiras de Betânia até as águas coladas de Galiléia, conheço bem os sítios onde habitou esse outro intermediário divino, cheio de enternecimento e de sonhos, a quem chamamos Jesus Nosso Senhor; e só neles achei bruteza, secura, sordidez, soledade e entulho.
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Jerusalém é uma vila turca, com vielas andrajosas, acaçapada entre muralhas cor de lodo, e fedendo ao sol sob o badalar de sinos tristes.
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O Jordão, fio de água barrento e peco que se arrasta entre arcais, nem pode ser comparado a esse claro e suave Lima que lá baixo, ao fundo do Mosteiro, banha as raízes dos meus amieiros; e todavia vede! Estas meigas águas portuguesas não correram jamais entre os joelhos de um Messias, nem jamais as roçaram as asas dos anjos, armados e rutilantes, trazendo do céu a terra as ameaças do Altíssimo!
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Entretanto, como há espíritos insaciáveis que, lendo de uma jornada pelas terras da Escritura, anelam conhecer desde o tamanho das pedras até ao preço da cerveja, eu recomendo a obra copiosa e luminosa do meu companheiro de romagem, o alemão Topsius, doutor pela Universidade de Bonn e membro do Instituto Imperial de Escavações Históricas. São sete volumes in quarto, atochados, impressos em Leipzig, com este titulo fino e profundo - JERUSALÉM PASSEADA E COMENTADA.
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Continua em
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A Relíquia - Eça de Queirós
Eça de Queirós. A RELÍQUIA. Decidi compor, nos vagares deste verão, na minha quinta do Mosteiro (antigo solar dos condes de Lindoso), as memórias da minha ...
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