O Imenso Adeus
Presença 18€ |
Em The Simple Art of Murder, ensaio que escreveu em 1950, que ainda hoje é o contributo teórico mais sólido para situar o policial negro, Raymond Chandler defende que a ficção deve reproduzir a “realidade” que o autor conhece e que uma sociedade infiltrada pelo crime e pela corrupção precisa de homens capazes de caminharem nas “ruas sujas” com um sentido de honra e uma noção de justiça inegociáveis.
Chandler apontava os personagens de Hammett como o exemplo do tipo de homens referido, mas poucos anos depois, o “seu” Phillip Marlowe tornou-se o paradigma consolidado. Na novela que a Presença agora reedita, Marlowe tem o espaço e o tempo para protagonizar todos os objectivos do seu criador.
Aparentemente amoral, com uma carapaça de dureza e cinismo que lhe protege os movimentos e acções, e demasiado experiente para julgar, Marlowe é a construção do herói ideal americano, o solitário da pradaria que em nome da moral e do justo é capaz de se bater, sem ilusão de vitória, e sem protecção, contra as máquinas do poder e do interesse. O cenário do confronto é a terra do sonho e da ilusão, a Los Angeles californiana dos anos 50, e o gatilho da história é o pretenso homicídio de uma mulher pelo seu próprio marido, amigo de Marlowe. Sugado pelo crime até ao limite, acusado de cumplicidade pela polícia, Marlowe possui todas as razões para se afastar.
Mas a sua teimosia em defrontar os que mandam, e o seu prazer melancólico em tirar das sombras os segredos, levam o detective a escavar um círculo de cumplicidades que se estende até ao alto da cadeia de decisão. A novela de Chandler é o protótipo do que alguma da mais importante ficção viria a transformar-se, onde os diálogos ganham um peso fundamental, e a narrativa parece o delírio de um músico de jazz tomado pela heroína, mas é afinal o produto de um mestre que recusa a facilidade do linear.
José Vegar
terça-feira, 19 de Agosto de 2008
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