Existe mais do
que uma! Certamente!
.
Está à rasca a
geração dos pais que educaram os seus meninos numa abastança caprichosa,
protegendo-os de dificuldades e escondendo-lhes as agruras da
vida.
.
Está à rasca a
geração dos filhos que nunca foram ensinados a lidar com
frustrações.
.
A ironia de tudo
isto é que os jovens que agora se dizem (e também estão) à rasca são os
que mais tiveram tudo. Nunca nenhuma geração foi, como esta, tão
privilegiada na sua infância e na sua adolescência. E nunca a sociedade
exigiu tão pouco aos seus jovens como lhes tem sido exigido nos últimos
anos.
.
Deslumbradas com
a melhoria significativa das condições de vida, a minha geração e as
seguintes (actualmente entre os 30 e os 50 anos) vingaram-se das
dificuldades em que foram criadas, no antes ou no pós 1974, e quiseram
dar aos seus filhos o melhor.
.
Ansiosos por
sublimar as suas próprias frustrações, os pais investiram nos seus
descendentes: proporcionaram-lhes os estudos que fazem deles a geração
mais qualificada de sempre (já lá vamos...), mas também lhes deram uma
vida desafogada, mimos e mordomias, entradas nos locais de diversão,
cartas de condução e 1.º automóvel, depósitos de combustível cheios,
dinheiro no bolso para que nada lhes faltasse. Mesmo quando as
expectativas de primeiro emprego saíram goradas, a família continuou
presente, a garantir aos filhos cama, mesa e roupa lavada.
.
Durante anos,
acreditaram estes pais e estas mães estar a fazer o melhor; o dinheiro
ia chegando para comprar (quase) tudo, quantas vezes em substituição de
princípios e de uma educação para a qual não havia tempo, já que ele era
todo para o trabalho, garante do ordenado com que se compra (quase)
tudo. E éramos (quase) todos felizes.
.
Depois, veio a
crise, o aumento do custo de vida, o desemprego, ... A vaquinha
emagreceu, feneceu, secou.
.
Foi então que os
pais ficaram à rasca.
.
Os pais à rasca
não vão a um concerto, mas os seus rebentos enchem Pavilhões Atlânticos
e festivais de música e bares e discotecas onde não se entra à borla nem
se consome fiado.
.
Os pais à rasca
deixaram de ir ao restaurante, para poderem continuar a pagar
restaurante aos filhos, num país onde uma festa de aniversário de
adolescente que se preza é no restaurante e vedada a pais.
.
São pais que
contam os cêntimos para pagar à rasca as contas da água e da luz e do
resto, e que abdicam dos seus pequenos prazeres para que os filhos não
prescindam da internet de banda larga a alta velocidade, nem dos
qualquercoisaphones ou pads, sempre de última geração.
.
São estes pais
mesmo à rasca, que já não aguentam, que começam a ter de dizer "não". É
um "não" que nunca ensinaram os filhos a ouvir, e que por isso eles não
suportam, nem compreendem, porque eles têm direitos, porque eles têm
necessidades, porque eles têm expectativas, porque lhes disseram que
eles são muito bons e eles querem, e querem, querem o que já ninguém
lhes pode dar!
.
A sociedade colhe
assim hoje os frutos do que semeou durante pelo menos duas
décadas.
.
Eis agora uma
geração de pais impotentes e frustrados.
.
Eis agora uma
geração jovem altamente qualificada, que andou muito por escolas e
universidades mas que estudou pouco e que aprendeu e sabe na proporção
do que estudou. Uma geração que colecciona diplomas com que o país lhes
alimenta o ego insuflado, mas que são uma ilusão, pois correspondem a
pouco conhecimento teórico e a duvidosa capacidade operacional.
.
Eis uma geração
que vai a toda a parte, mas que não sabe estar em sítio nenhum. Uma
geração que tem acesso a informação sem que isso signifique que é
informada; uma geração dotada de trôpegas competências de leitura e
interpretação da realidade em que se insere.
.
Eis uma geração
habituada a comunicar por abreviaturas e frustrada por não poder
abreviar do mesmo modo o caminho para o sucesso. Uma geração que deseja
saltar as etapas da ascensão social à mesma velocidade que queimou
etapas de crescimento. Uma geração que distingue mal a diferença entre
emprego e trabalho, ambicionando mais aquele do que este, num tempo em
que nem um nem outro abundam.
.
Eis uma geração
que, de repente, se apercebeu que não manda no mundo como mandou nos
pais e que agora quer ditar regras à sociedade como as foi ditando à
escola, alarvemente e sem maneiras.
.
Eis uma geração
tão habituada ao muito e ao supérfluo que o pouco não lhe chega e o
acessório se lhe tornou indispensável.
.
Eis uma geração
consumista, insaciável e completamente desorientada.
.
Eis uma geração
preparadinha para ser arrastada, para servir de montada a quem é exímio
na arte de cavalgar demagogicamente sobre o desespero alheio.
.
Há talento e
cultura e capacidade e competência e solidariedade e inteligência nesta
geração?
.
Claro que há.
Conheço uns bons e valentes punhados de exemplos!
.
Os jovens que
detêm estas capacidades-características não encaixam no retrato
colectivo, pouco se identificam com os seus contemporâneos, e nem são
esses que se queixam assim (embora estejam à rasca, como todos
nós).
.
Chego a ter a
impressão de que, se alguns jovens mais inflamados pudessem, atirariam
ao tapete os seus contemporâneos que trabalham bem, os que são
empreendedores, os que conseguem bons resultados académicos, porque, que
inveja! que chatice!, são betinhos, cromos que só estorvam os outros
(como se viu no último Prós e Contras) e, oh, injustiça!, já estão a ser
capazes de abarbatar bons ordenados e a subir na vida.
.
E nós, os mais
velhos, estaremos em vias de ser caçados à entrada dos nossos locais de
trabalho, para deixarmos livres os invejados lugares a que alguns acham
ter direito e que pelos vistos - e a acreditar no que ultimamente
ouvimos de algumas almas - ocupamos injusta, imerecida e
indevidamente?!!!
.
Novos e velhos,
todos estamos à rasca.
.
Apesar do tom
desta minha prosa, o que eu tenho mesmo é pena destes jovens.
.
Tudo o que atrás
escrevi serve apenas para demonstrar a minha firme convicção de que a
culpa não é deles.
.
A culpa de tudo
isto é nossa, que não soubemos formar nem educar, nem fazer melhor, mas
é uma culpa que morre solteira, porque é de todos, e a sociedade não
consegue, não quer, não pode assumi-la. Curiosamente, não é desta culpa
maior que os jovens agora nos acusam.
.
Haverá mais
triste prova do nosso falhanço?
partilhado por Madalena Mendes
Sem comentários:
Enviar um comentário