sábado, 2 de maio de 2020

António M. Oliveira . Para que serve um velho



* António M. Oliveira

É esta a questão que me venho colocando desde a malfadada permanência da troika e dos seus ‘troikados’ adeptos (assumo este palavrão para não usar um dentro dos muitos que o vernáculo me permitiria usar) se assumiram com o mau comando deste pedaço da Terra.

E sempre me lembro também, ultimamente muito mais, de um aforismo do filósofo e ensaísta Santiago Alba Rico, ‘a qualidade da nossa vida está em proporção directa com a quantidade de mercadorias que nos atravessam a alma a toda a velocidade’.

Porque, o chamado ‘mercado laboral’ reflecte, na realidade, toda a filosofia liberal, ‘por se exigir uma adaptação plena de mentes e corpos às necessidades sempre volúveis do Mercado e da Finança’.

Característica também referida por Bauman ‘Numa sociedade assim, os caminhos são muitos e dispersos, mas todos levam às lojas. Qualquer busca existencial e principalmente a busca da dignidade, da auto-estima e da felicidade, exige a mediação do mercado’.

É o mundo dos consumidores, dos ‘falidos’, aqueles que conservam o imaginário quase onírico do comprador, enquanto vão perdendo salário, casa e direitos laborais e o dos ‘vencedores’, cujo triunfo é apenas o reflexo do fracasso do conceito de cidadania.

Um fracasso potenciado por estarmos a ‘entregar’ todos os nossos segredos, de perdas ou de conquistas, grandes ou pequenas, às redes sociais, permitindo que, ridentes, revelemos o fundo das nossas alcovas aos senhores mandadores daqueles caminhos para, na opacidade de um qualquer escritório, fazerem tráfico com ‘tudo’ aquilo que lhes mostramos.

É por isso que o liberalismo não pode permitir-se a existência dos mais velhos, a ‘moléstia’ que impede o fluxo normal das comunicações, estorvando-as com aquilo que ainda nos define como humanos, a grandeza da cidadania e, acrescenta Santiago Alba Rico, ‘Só os humanos estão a mais no capitalismo para ele ser perfeito’.

Uma moléstia referida há tempos pela ‘dona’ do FMI Christine Lagarde e já aqui citada, ‘Há que baixar as pensões, pelo risco de a gente poder viver mais do que o esperado’, por não se poder interromper o fluxo normal das comunicações que garantem o sistema.

E o sistema ‘oferece oportunidades para todos que as possam agarrar, menos os inúteis, os mansos, os diminuídos, os loucos ou os fracos, de que também fazem parte os idosos, por serem do grupo dos inúteis a manter, por terem diminuídas as habilidades físicas e mentais’, explica Pedro Angosto, cronista do ‘Nueva Tribuna’, em 22 de Abril.

E foram estes os principais castigados pelo ‘corona’, aparentemente apostado em equilibrar finanças e ‘troikados’, aqueles que esqueceram como ‘fazemos parte do ecossistema, há pragas, há vírus, não é nada extraordinário, o que é realmente extraordinário é sobreviver’.

Apanhei esta sentença num jornal qualquer, onde também apanhei este título, que não é conveniente esquecer ‘O ruído destes dias é a ofensiva conservadora de amanhã!

Ámen!

António M. Oliveira
Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor


Sem comentários: