Abril de Novo Magazine - 15/05/2020 Manifesto74
O primeiro de maio é um dia de esperança. Claro que vem de longa história marcada pelo sangue dos mártires anarquistas de Chicago, claro que a bandeira vermelha que depois se levantou nas mãos dos operários de todos o mundo representa também o sangue que estes têm sempre de derramar quando lutam, claro que não há história de vitória sem que milhares tenham tombado na soma de derrotas que, por vezes, a compõem.
O primeiro de maio é um dia de luta, não é um dia de protesto. Não é um dia de festa. Mas é de esperança e confiança no futuro. Não é uma celebração como quem assinala que passou mais um ano desde Haymarket, nem um desfile de memorabilia e nostalgia pelos gloriosos anos de avanço operário no sistema socialista mundial. É um dia em que os trabalhadores de todo o mundo assinalam o mundo que pretendem construir.
Haverá sempre os que, como a UGT, pretenderão fazer do primeiro de maio um dia inócuo de concertos e bifanas para a malta vir à capital na camioneta paga pelo “sindicato”. Haverá sempre os que, como os do BE, achem que o primeiro de maio só pode ser assinalado se for para fazer boa figura na comunicação social burguesa. Mas felizmente, por todo o mundo ainda há os que têm um inquebrável compromisso com a libertação daqueles que representam, com os trabalhadores.
O primeiro de maio, por ser o nosso dia de esperança, é o dia da agonia da burguesia. Agonizam as redacções dos seus jornais, das suas rádios e televisões, agonizam os seus dirigentes partidários da esquerda à direita, agonizam os comentadores, os colunistas, os reaccionários, os anticomunistas e os donos disto tudo, mesmo que cada um seja dono de um bocadinho disto tudo.
Em plena pandemia provocada pelo Sars-CoV-2, em que os trabalhadores de todo o mundo estão sujeitos a uma pressão sobre os seus postos de trabalho e mais elementares direitos, os mesmos que sempre gritaram que não havia solução nem alternativa, que tens de baixar a bolinha e que isso de primeiro de maio é demodée e coisa do passado, que o capitalismo é que é modernaço (apesar de o primeiro de maio ser mais novo que o capitalismo) juntamente com outros que sempre acharam que o primeiro de maio é só um desfile de festa para mostrar umas pinturas fixes na cara e umas fatiotas criativas com palavras de ordem tiradas da poesia de 68, vieram dizer-nos que não era o momento de ir para a rua.
O coro da classe dominante juntou-se finalmente e colocou de lado as aparentes divergências entre os partidos burgueses de esquerda e burgueses de direita. Veio tudo chamar aos dirigentes sindicais da Intersindical uns irresponsáveis. Os dirigentes da CGTP passaram a ser “portugueses de primeira” enquanto que os que não podem ir visitar a avó passaram a “portugueses de segunda”. Um coro de escandalizados pôs as mãos à cabeça e escreveu capas inteiras de jornais – porque a falta de espaço mediático é uma cena que não lhes assiste – falou nas tvs e acusou os comunistas de terem abusado. O secretário-geral do PCP passou de velhinho simpático (como ultimamente o vinham caracterizando) a vil e virulento privilegiado do estado comunista que deu livre-trânsito aos dirigentes sindicais para espalharem o caos e a desordem com um vírus chinês.
Inadmissível, dirão. Que numa altura em que nos dizem #ficaemcasa e que #vamosficartodosbem haja quem ouse mostrar que se pode animar o nosso espírito colectivo de forma combativa e igualmente responsável. Quão diferentes seriam as notícias, pelos vistos – essas sim – verdadeiras, se no dia primeiro de maio e seguintes os cabeçalhos fossem “notável organização da CGTP coloca milhares de trabalhadores na rua por um futuro melhor” ou “com os devidos cuidados, a luta da CGTP e dos trabalhadores não para”, ou ainda “obrigado CGTP, por nos mostrares que mesmo nos tempos mais escuros, podemos acender a luz da esperança”. Nenhum destes títulos seria mais propagandístico do que o permanente ataque à CGTP e à luta dos trabalhadores e seria, como agora se comprova, muito mais verdadeiro.
É que os que acusavam a CGTP de estar irresponsavelmente a espalhar o vírus devem olhar agora para os números da pandemia e reconhecer que afinal de contas, a CGTP não colocou em risco nenhum cidadão. Bem pelo contrário, a intersindical fez questão de cumprir os cuidados que nenhum patrão deste país cumpre ao amontoar trabalhadores nos transportes públicos, ao negar-lhes acesso a higiene e segurança no trabalho (não só em época de COVID) e demonstrar que não é o nosso destino acatar um “fica em casa” indiscriminado, um “vai ficar tudo bem” pateta e sorver lixo informativo dias inteiros pela TV.
Mesmo em situação de pandemia, somos seres humanos, seres eminentemente sociais e não estamos em condições de acatar um mundo em que os ricos se refugiam nos seus resorts com todos os luxos do mundo enquanto as máquinas lhes produzem tudo o que querem e nós trabalhamos em computadores através de casa para lhes garantir esses caprichos. Mesmo, ou até mais, nas situações de dificuldade é que a força dos trabalhadores não pode enconchar-se, nem recolher-se. A CGTP deu afinal de contas a prova contrário do que o coro de ofendidos queria mostrar. A CGTP não mostrou irresponsabilidade: mostrou que há outro caminho, um caminho de responsabilidade mas de esperança, de convívio, de sorrisos e de luta.
No momento em que deprimimos em casa diariamente, isolados, já quase nem um arquipélago somos, em que os de sempre e os que aparecem agora a fazer o papel dos de sempre, vêm colocar os que estão em casa contra os que vão à rua, vêm virar negros contra brancos, banhistas contra ciclistas, velhos contra novos, todos contra os ciganos e o mundo contra os chineses.
Ficar em casa mata o amor.
Enquanto perdemos tempo nesses ódios todos, escapa-se-nos quem está a instilar-nos o veneno, os que beneficiam com o nosso ódio entre irmãos: os que estão no iate, no condomínio fechado de luxo, no resort, no golf, nas mansões a puxar os cordelinhos de todos esses capatazes das redacções e dos dirigentes políticos dos partidos da burguesia.
O pânico e o ódio que lançaram, gratuitamente e sem sustentação científica, contra a CGTP, contra os dirigentes sindicais e contra os comunistas, foi baseado exclusivamente na ideia de que a central sindical estava a colocar em risco o controlo da pandemia e na ameaça de que iria causar um novo pico no surto que ainda decorre. Tendo falhado essa ameaça, tendo o terrorismo falhado porque não controlavam a bomba, resta-lhes dizer que foi tudo uma encenação terrorista e que a CGTP fez o que cabe a uma grande organização fazer: representar os seus membros e defender os seus direitos, no quadro social, político e, no caso, sanitário, existente.
Hoje, dia 15 de Maio, foram libertados os dados de novas infecções por COVID no dia 14 de Maio. Ficámos a saber que desde o dia 1 de Maio até hoje não houve qualquer pico e que está finalizado o período de incubação. Sair à rua não mata. O ódio sim.
Eles nunca vão reconhecer, mas o que a CGTP fez foi mostrar-nos que a luta é mais urgente do que nunca e que nenhum contexto, por mais duro que seja, pode impedi-la de continuar, mesmo que adaptada às exigências do momento. O que a CGTP fez foi abrir no horizonte de quem ficou em casa a certeza de que há quem lute pelos seus direitos e de que o futuro é de liberdade e de que o confinamento não pode ser pretexto para o assalto e para o fim dos direitos. O que a CGTP fez foi dizer a todos: “eis-nos dispostos a alterar todas as formas para garantir o conteúdo, para vos defender, para mostrar que o futuro a nós pertence”. A CGTP rasgou um sorriso num país triste num dia de luta.
Nós agradecemos-lhe.
*fotografia por João Porfírio
Via: Manifesto74 https://bit.ly/2X3hHSM
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