terça-feira, 30 de junho de 2009

Fundação Saramago - 2º aniversário


A Fundação fez ontem dois anos. Como é costume dizer-se, parece que o tempo não passou. Se nos pusermos a traçar um balanço do que fizemos e do que sonhávamos, motivos não faltarão para afirmar que não tivemos um momento de descanso. Em primeiro lugar, a preocupação de decidir sobre o que melhor convinha à recém-nascida para que o passo seguinte que tivesse de dar fosse firme e futurível. Depois o trabalho de convencer os desconfiados de que não estávamos aqui para nos dedicarmos à contemplação do umbigo do patrono, mas para trabalhar em benefício da cultura portuguesa e da sociedade em geral. Não temos a pretensão de os haver feito mudar de ideias, nem então, nem agora, mas essa tarefa de esclarecimento público permitiu-nos levar as nossas ideias e as nossas propostas às pessoas de boa-fé, que felizmente não faltam neste país, por muito mal que dele se diga. A Fundação já pode apresentar uma folha de serviços, não só digna, mas prometedora. As obras da Casa dos Bicos, que visitámos há três dias, avançam com afinco, e é muito provável que em seis meses ou pouco mais tenhamos a chave na mão e possamos entrar livremente na casa que já é nossa, mas que o será muito mais quando estivermos em actividade plena. Queremos que o Campo das Cebolas faça parte dos itinerários habituais das pessoas para quem a cultura não é somente uma decoração superficial do espírito. Recordámos recentemente a obra e a vida de José Rodrigues Miguéis. O próximo, talvez em Janeiro do ano que vem, será Vitorino Nemésio. E depois Raul Brandão. As leis, tantas vezes injustas, da oferta e da procura no mercado das letras, demasiadas vezes têm feito com que grandes escritores do passado recente deixem de andar nas bocas do mundo. Tudo faremos para contrariar essa maléfica tendência. Temos muito trabalho por diante. Dois anos não são nada, mas a menina está de boa saúde e recomenda-se.

.

Publicado em O Caderno de Saramago
.
.
Foto de Saramago -

instituto-camões.pt/revista



.
.

Desejo primeiro - Victor Hugo

Assunto: UM GIRASSOL NA MÃO...
Data: 30/Jun 14:49

EU QUERIA QUE ENTRASSES PELA MINHA VIDA, FEITO UM VENTO QUE ESCANCARA UMA JANELA DE TÃO FORTE QUE É E SÓ PARASSES NO MEU CORAÇÃO. E QUE QUANDO LÁ CHEGASSES VISSES QUE ELE ERA A CASA QUE PROCURAVAS HÁ MUITO TEMPO E TE INSTALASSES, ESPERANDO POR MIM. TODOS OS DIAS LÁ VOU, MAS O TEU LUGAR ESTÁ SEMPRE VAZIO....EU ESTOU AQUI....COMO PODES NÃO ME VER SE VIVO OS DIAS TE PROCURANDO!ESTOU SENTADA NUM JARDIM DE ROSAS VERMELHAS, COM UM GIRASSOL AMARELO NA MÃO....NÃO TENS COMO ME PERDER... EM ANEXO, UM BEIJO!

.

Distribuído por Moranguinho Pereira (hi5)

.

.

DESEJO PRIMEIRO

Desejo primeiro que você ame,
E que amando, também seja amado.
E que se não for, seja breve em esquecer.
E que esquecendo, não guarde mágoa.
Desejo, pois, que não seja assim,
Mas se for, saiba ser sem desesperar.
Desejo também que tenha amigos,
Que mesmo maus e inconseqüentes,
Sejam corajosos e fiéis,
E que pelo menos num deles
Você possa confiar sem duvidar.
E porque a vida é assim,
Desejo ainda que você tenha inimigos.
Nem muitos, nem poucos,
Mas na medida exata para que, algumas vezes,
Você se interpele a respeito
De suas próprias certezas.
E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo,
Para que você não se sinta demasiado seguro.
Desejo depois que você seja útil,
Mas não insubstituível.
E que nos maus momentos,
Quando não restar mais nada,
Essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.
Desejo ainda que você seja tolerante,
Não com os que erram pouco, porque isso é fácil,
Mas com os que erram muito e irremediavelmente,
E que fazendo bom uso dessa tolerância,
Você sirva de exemplo aos outros.
Desejo que você, sendo jovem,
Não amadureça depressa demais,
E que sendo maduro, não insista em rejuvenescer
E que sendo velho, não se dedique ao desespero.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e
É preciso deixar que eles escorram por entre nós.
Desejo por sinal que você seja triste,
Não o ano todo, mas apenas um dia.
Mas que nesse dia descubra
Que o riso diário é bom,
O riso habitual é insosso e o riso constante é insano.
Desejo que você descubra ,
Com o máximo de urgência,
Acima e a respeito de tudo, que existem oprimidos,
Injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta.
Desejo ainda que você afague um gato,
Alimente um cuco e ouça o joão-de-barro
Erguer triunfante o seu canto matinal
Porque, assim, você sesentirá bem por nada.
Desejo também que você plante uma semente,
Por mais minúscula que seja,
E acompanhe o seu crescimento,
Para que você saiba de quantas
Muitas vidas é feita uma árvore.
Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro,
Porque é preciso ser prático.
E que pelo menos uma vez por ano
Coloque um pouco dele
Na sua frente e diga `Isso é meu`,
Só para que fique bem claro quem é o dono dequem.
Desejo também que nenhum de seus afetos morra,
Por ele e por você,
Mas que se morrer, você possa chorar
Sem se lamentar esofrer sem se culpar.
Desejo por fim que você sendo homem,
Tenha uma boa mulher,
E que sendo mulher,
Tenha um bom homem
Eque se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes,
E quando estiverem exaustos e sorridentes,
Ainda haja amor para recomeçar.
E se tudo isso acontecer,
Não tenho mais nada a te desejar.
.
VITOR HUGO

.

.

Recetas a una vieja burguesa para que sea feliz del todo - Alvaro Menen Desleal

.
Sepulta cuidadosamente las páginas insólitas de
viejos cascarrabias como Marx, el gran culpable;
.
destruye hoja por hoja los versos de Rambaud,
joven durazno con vicios milenarios, y quiebra
ojo por ojo a todo Baudelaire, harapo brujo,
alcohol mistificado, viejo corozo de durazno
con vicios renovados;
.
escupe por las rejas de la cárcel en que moran,
empotrados en sus huesos, algunos jóvenes poetas.
vigila que el guardián ponga las llaves
y agrega siete que te sean de confianza;
.
espulga el Nuevo Testamento y abomina del Antiguo,
cargados de puercas porquerías para lapidar
perezosos; de pechos como paloma para reyes
lúbricos y junturas de muslos como goznes
labrados de mano maestra;
.
compra galas chillonas sedosas suntuosas para
halagar al gazmoño;
.
lávate cada hora, refriégate de alcohol, pues el
talento, con todo y no ser contagioso, podría
afectarte de ictericia;
.
castiga tu pensamiento sin pausa ni misericordia,
si es que puedes pensar y si te sobra alguna
misericordia.
.
clávate las uñas en la carne cuando veas el amor
adolescente;
.
(desde luego, te prevengo contra mi persona);
.
pero, sobre todo, enciende hogueras altas
relucientes pulidas pendencieras piras funerarias
para quemar, quemarnos;
.
verás entonces, varicosa, que todo es más tranquilo.
y más tuyo.
al fin y al cabo
Dios te hizo cortada a su medida.
.
.
in Poemas del Alma
.
.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Dorme meu amor - Maria do Rosário Pereira

Assunto: NOITE ENCANTADA...
Data: 29/Jun 13:31

FECHA OS OLHOS SEM RECEIO, SOU A TUA SENTINELA! PARA MIM A NOITE NÃO TEM SEGREDOS, JÁ TEVE TEMPO DE MOS CONTAR TODOS, NAS MINHAS NOITES DE VIGÍLIA, PORTANTO NADA DE MAL TE PODE ACONTECER. PESADELOS, CHÃOS A RANGER, PORTAS QUE BATEM...TUDO ISSO SE DÁ BEM COMIGO E HOJE FICA LONGE PARA QUE POSSAS TRANQUILAMENTE ADORMECER E DORMIR UM SONHO DE MENINO....DORME, MEU AMOR, EU TE GUARDO...SEMPRE...EM ANEXO, UM BEIJO!

.

Distribuído por Moranguinho Pereira (hi5)

.

DORME, MEU AMOR

Dorme, meu amor, que o mundo já viu morrer mais este dia e eu estou aqui, de guarda aos pesadelos.
.
Fecha os olhos agora e sossega — o pior já passou há muito tempo; e o vento amaciou; e a minha mão desvia os passos do medo. Dorme, meu amor — a morte está deitada sob o lençol da terra onde nasceste e pode levantar-se como um pássaro assim que adormeceres. Mas nada temas: as suas asas de sombra não hão-de derrubar-me — eu já morri muitas vezes e é ainda da vida que tenho mais medo. Fecha os olhos agora e sossega — a porta está trancada; e os fantasmas da casa que o jardim devorou andam perdidos nas brumas que lancei ao caminho. Por isso, dorme, meu amor, larga a tristeza à porta do meu corpo e nada temas: eu já ouvi o silêncio, já vi a escuridão, já olhei a morte debruçada nos espelhos e estou aqui, de guarda aos pesadelos — a noite é um poema que conheço de cor e vou cantar-to até adormeceres.

.
MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA

.

.

Marx, teorias das crises do capitalismo e a posição dos comunistas

* Sérgio Barroso
.

Marx, teorias das crises do capitalismo e a posição dos comunistas (1)

.

Marx, teorias das crises do capitalismo e a posição dos comunistas (2)

.

Marx, teorias das crises do capitalismo e a posição dos comunistas (3)

.

Marx, teorias das crises capitalistas e a posição dos comunistas (conclusão)

.
In Vermelho - 2009.Fevereiro / Maio
.
.

O “Esquerdismo” e o futuro do Brasil (1)


por Elias Jabbour*
.

O Brasil vai caminhando a um destino incerto, onde a fronteira entre o projeto nacional versus dominação imperialista vai ganhando contornos trágicos ao nosso destino. A discussão de alianças e formas de se auferir determinados objetivos ganha força. Naturalmente, uma série de questões surge neste tipo de discussão.

.

Porém, uma guarda caracteres especiais: levaremos - nesta tal discussão - em consideração a complexidade de uma formação onde o neto de “Maria, a louca” foi o artífice da internalização de nosso capitalismo comercial (independência), ou vamos utilizar o “supra-sumo do lixo” do marxismo produzido no século 20 como estrada sem vicinais, a argumentos baseados na ignorância, no discurso fácil e na desqualificação de tipo fascista do interlocutor como meio a um “nobre” fim?

.

A montanha do conhecimento é cheio de escarpas, dizia Marx. Ou se escala esta montanha com perseverança e humildade ou nos aferremos ao antimarxismo, ao dogma, ao conservadorismo que causou a morte de gente boa em tribunais onde um “deus” – concebido numa formação social onde o direito romano estava tão distante quanto a razão de um policial, preparado ao assassínio de pobres, do BOPE – dizia quem matava ou morria, ou mesmo onde o destino de um trabalhador digno e honesto estava nas mãos de um plutocrata-assassino-protegido de tipo Béria (afinal não é incomum ouvir assertivas, entre elas “o Estado de Direito é coisa de burguês!!!”); ou como nos dias de hoje, rotulemos, desqualifiquemos, absorvendo assim o que de mais fascista criou o método da interlocução inerente ao “pensamento único” neoliberal.

.

É isso, a provocação que faço é justamente no sentido de separar o chamado “joio do trigo” que na perspectiva que busco levantar pode se expressar num método tipicamente marxista-leninista (análise das “múltiplas determinações” que formam o concreto) ou num “esquerdismo” cuja superficialidade acaba degenerando – no debate de idéias – numa inconseqüente desonestidade intelectual.

.

Eis o desafio de se militar e escrever nos moldes de um soro feito à base de uma mistura de água com açúcar ou se enfrentando os problemas de mente aberta e capacidade para o bom combate.


***

Além de uma necessária busca das raízes históricas desta tendência política, minha idéia inicial é abordar o fenômeno do “esquerdismo” partindo da análise de alguns temas que nos interessam na contemporaneidade. Todos eles relacionados ao Brasil, entre eles a formação social brasileira, as características de nosso processo de desenvolvimento, a relação entre industrialização e reforma agrária, o desmonte do complexo rural brasileiro, a política e a economia na subjetividade do empresário nacional, entre outros.

.

O pano de fundo, a essência é a discussão acerca do caráter estratégico da questão nacional à nossa transição ao socialismo. Do ponto de vista epistemológico – na falta de instrumentos de experimentação somente dispostos ao trabalho de químicos, físicos e adjacências – somente nos resta utilizar a ciência histórica como campo privilegiado de experimentação das ciências ditas como “da sociedade”. Continuando, além da busca da “raiz das coisas” (história = categoria de formação econômico-social), é mister a dotação de uma visão de conjunto do problema; logo, agrego ainda a necessidade nodal à este tipo de investigação materialista e histórica: o salto de qualidade inerente à fusão da ciência histórica com a ciência econômica, redundando no poderoso instrumento da história econômica, assim como das ciências políticas com a já citada economia inerente à Economia Política.

.

É na análise de processos históricos que podemos chegar a alguma síntese justa dos problemas que nos afligem. Afinal, uma verdade somente é passível de lastro se a mesma for lastreada historicamente.


.

Expressão sócio-temporal da transição feudalismo-capitalismo

.

Conforme salientei na introdução do texto, sendo a história o campo de experimentação, por excelência, das ciências humanas, é na análise de distintos processos históricos que reside a viabilização da compreensão determinados fenômenos. Logo, o “esquerdismo” como fenômeno político e social somente deve ser amplamente baseada como expressão de determinados processos históricos caracterizados por uma crescente ruptura entre determinados níveis de desenvolvimento das forças produtivas com cada vez mais obsoletas relações de produção. Assim sendo, e adiantando minha opinião, acredito ser possível afirmar que o “esquerdismo” é produto histórico de sociedades cuja transição feudalismo – capitalismo ocorreu de forma mais lenta que em sociedades onde a expropriação camponesa deu-se de forma mais radical e acelerada (Inglaterra, p. ex.).

.

Trocando em miúdos, o processo de desmonte das “terras comunais” (local do feudo destinado ao plantio, pelos servos, de gêneros para subsistência e – eventualmente – ao mercado) em prol da concentração dos meios de produção nas mãos da classe dominante que transformou sua hegemonia econômica em hegemonia política

.

Substanciando, interessante notar que uma das características mais marcantes do discurso “esquerdista” é a relação direta entre o socialismo com o modelo de sociedade baseada em princípios igualitaristas, quando na verdade em Marx e Engels observa-se uma distância muito grande entre igualitarismo e igualdade. Afora esta distorção teórica e política dos fundamentos do socialismo científico, é de difícil garimpo encontrar, nos escritos dos fundadores do socialismo científico, a emersão de uma sociedade igualitária como uma das tarefas históricas do socialismo.

.

Abrindo parêntese, importante não negarmos que o marxismo surge, no sentido filosófico, como uma corrente hegeliana de esquerda, o que significa a absorção – em suas raízes – tanto das idéias igualitaristas de pensadores franceses (Saint-Simon e Charles Fourier), quanto do cosmopolitanismo inerente aos intelectuais críticos da transformação das ciências humanas e naturais em instrumentos a serviço do projeto nacional bismarckiano na Alemanha.

.

Infelizmente não é socializada a informação para quem – em Marx e Engels – a principal tarefa histórica da transição do socialismo ao comunismo reside na proscrição da divisão social do trabalho. Esta constatação muda –radicalmente – a forma de se enxergar o problema da transição...

.

Retornando, o elo da solução da equação em torno da gênese do “esquerdismo”, está na mesma tentativa de resposta dos socialistas utópicos às dores do parto da transição feudalismo – capitalista numa Europa Ocidental onde o apoio camponês foi de grande relevância ao êxito, por exemplo, da Revolução Francesa: a conflituoso e traumático desmantelamento das terras comunais à pequena produção mercantil e posteriormente ao capitalismo industrial concentrado em centros urbanos. Importante notar que nas ditas “terras comunais” o igualitarismo era o principal elemento norteador da subjetividade das famílias assentadas em tais espaços. Assim fica mais claro compreender o caráter anticapitalista (não trabalham com o socialismo como superação do capitalismo) do discurso “esquerdista”, pois assim como Nitszche - produziu uma visão anticapitalista a partir da constatação das contradições inerentes daquele processo histórico de substituição de marcos éticos igualitaristas a outra onde a concorrência permearia, inclusive, as relações pessoais.

.

Além de Nitszhe, Saint-Simon moldaria seu pensamento e ação ao retorno às antigas formas de relações da gleba comunal. Ressaltando a relação de causa e efeito entre os valores igualitaristas rurais e o “esquerdismo”, é interessante perceber – por exemplo – que os desvios de esquerda de líderes nascidos em comunidades agrárias (como Mao Tsétung) sempre estão baseados em trágicas tentativas de imposição (de cima para baixo) de políticas igualitaristas sob o lastro de políticas econômicas subjetivistas e – conseqüentemente – sem nenhum nexo com as leis objetivas e subjetivas do desenvolvimento social.

.

Por fim, é mister demonstrar que a influência dos utópicos em Marx apenas serviu como referência de um determinado processo histórico. Marx e Engels superaram seus antecessores, por exemplo, ao demonstrar que o desenvolvimento de novas e superiores formas de produção é diretamente determinado pela relação entre homem e natureza, e sendo a natureza guiada por um conjunto de leis e que tais leis não são passíveis de mudança pela “vontade humana”. O máximo que o ser humano pode alcançar é a utilização destas leis em seu proveito. Mais, em consonância com a natureza, a próprio desenvolvimento da sociedade estão sujeitas à ação de determinadas leis que em plágio com as que regem a natureza, também não estão a mercê da vontade dos homens. Daí os fundadores do socialismo científico relacionarem a edificação do socialismo sob o pressuposto da deciframento, por parte do homem, das formas de ação das leis naturais e sociais. É a fase da história (futura) marcada pela “construção consciente da sociedade”.


.

O Brasil, uma formação social complexa

.

Minha idéia agora é trazer a discussão para o campo da formação social brasileira. Por quê? Pelo fato de que não podermos fazer uma análise justa de determinadas posições políticas longe do escopo da análise da visão, de determinados grupos, acerca do desenvolvimento histórico das formações sociais em que atuam. Uma tática acertada e justa deve ter como condição sine qua non uma leitura correta da história do local de atuação. Neste caso tento apontar que o subjetivismo e a inconseqüência da tática “esquerdista” no Brasil está diretamente relacionada com dois limites de ordem conceitual e teórica:

.

1) Não trabalharem com o princípio para quem o contato dos colonizadores europeus com a periferia do sistema redundou na formação de sociedades onde diferentes formas de produção conviveram (e convivem) dando um caráter complexo ao modo de produção e, conseqüentemente, à formação social como um todo. A percepção do caráter complexo de nossa formação social é a principal condição objetiva à percepção de que numa dada sociedade onde o velho e o novo estão em processo de conflito e convivência, as classes dominantes assumem discursos ora conservadores, ora progressistas. Tal comportamento dúbio por parte das classes dominantes que emergiram na periferia do capitalismo pode ser de perfeita compreensão a partir do exame e domínio das formas como a lei do desenvolvimento desigual e combinado agem sobre determinada formação (no Brasil em nosso caso). Coloco ainda que a lei do desenvolvimento desigual e combinado foi, sob o ponto de vista teórico, a antesala que possibilitou a Lênin alçar a tática política do proletariado à condição de ciência;

.

2) O subjetivismo, o espontaneísmo e a conseqüente falta de coerência intrínsecas às “táticas” do esquerdismo são produtos, dentre outros fatores, da falta (e incapacidade) de se analisar (tanto no imediato quanto na história econômica do Brasil em si) o processo de produção como fundamento de primeira ordem à atuação e capacidade de intervenção em processos de acirramento da luta de classes. Assim nasce a principal condição objetiva à negação duma das grandes distorções e aberrações do marxismo no século: a substituição da análise do processo de produção em detrimento da investigação do processo de circulação de mercadorias. Trocando em miúdos, ao não apreenderem de forma séria o marxismo, as análises de cunho esquerdista deixam-se levar por uma definição de capitalismo muito genérica sintetizada na idéia de produção para a venda no mercado, em que o objetivo é o lucro máximo. Assim o extremismo de esquerda aproxima-se muito mais da Economia Política produzida por Adam Smith do que da crítica produzida a ela por Marx. Somente um deslocamento do marxismo – em sua forma radical – em detrimento de uma caduca Economia Política pode servir de base a uma falsa totalidade hegeliana (afinal pode-se vislumbrar o todo mesmo na parte) e da esquematização e estratificação (logo, não observando historicamente o processo de formação e desenvolvimento das nações) do mundo em centro, semi-periferia e periferia, creditando (como nossos teóricos da dependência, esquerdistas e superficiais como Rui Mauro Marini e Gunder Frank) que processos autônomos de desenvolvimento só podem existir com “autorização” (ou “convite”) e a serviço dos interesses do centro. Aliás, algo muito conhecido (o “circulacionismo) entre nós no Brasil acostumados com as “hegemonias” cepalina, da teoria da dependência, das idéias de Caio Prado e Jacob Gorender, das teorias do subdesenvolvimento e daqueles que não trabalham com a hipótese da existência histórica do feudalismo no Brasil (estou a procura de alguém que me aponte as leis da Economia Política que nortearam uma “transição direta” do escravismo ao capitalismo no Brasil). O que existe em comum em todas elas é a não explicação do dinamismo de países como o Brasil (que chegou a ser a 8° economia do mundo no início da década de 1980) e sim na busca cega por explicações de nosso atraso. O Brasil, para os esquerdistas, é um grande fracasso histórico...


.

***


.

Certa vez Stálin afirmou que se pode falar em cinco modos de produção fundamentais, a saber: o comunismo primitivo, o escravista, o feudal, o capitalista e o socialista. Ignácio Rangel nos advertira que Stálin escrevera e falava este tipo de elaboração em russo, o que quer dizer que ao se tratar de uma língua estranha, não-latina, poderia servir de interpretações mil e vis. Claro, que talvez o então líder soviético não tratara a questão com a radicalidade necessária ao não incluir os chamados modos de produção complexos, entre eles o modo de produção asiático, onde o camponês poderia servir a formas variadas de acumulação a outrem ao mesmo tempo em que acumulava a si próprio, sem falar na essencial serventia ao imperador, senhor do destino, ao mesmo tempo, potencialmente servil a uma ampla massa de milhões de famílias camponesas. A análise desse modo de produção asiático e complexo pode ser importante à percepção das múltiplas formas que se pode tomar o socialismo, dependendo da formação em que ele se desenvolve. Afinal, se a Economia Política não é a mesma para todos os países (Engels), o socialismo não deve ser regido por um “modelão” projetado em algum gabinete lotado por um “senhor do mundo”.

.

Outra classe de modos de produção complexos foram originados com os contatos ibéricos com a América, onde pode-se conceber perfeitamente, um senhor de escravos regido por um estatuto jurídico para quem “toda a terra pertence ao rei” ou “nenhuma terra sem senhor”. Esse mesmo senhor de escravos era um grande vassalo do rei de Portugal, que por sua vez intermediava o capital comercial baseado no excedente provenientes das terras brasilis com a potência industrial do momento, a Inglaterra. Com o tempo passando, esse mesmo senhor de escravos, passou a liberar seus escravos ao casamento, ao direito de morar em suas terras e plantar seus gêneros em um jogo em que a metade ou a famosa meia fosse retida como renda em troca de favores expressos. O dito senhor de escravos estava “de olho” no aumento da produtividade capaz de abastecer os exigentes e crescentes mercados ingleses. Eis a demanda que permitiu esse relaxamento de relações de produção, dando cores a um feudalismo brasileiro muito semelhante ao praticado no sul de Portugal. Eis, em ralas palavras, a lógica de nosso modo de produção complexo, a “dualidade brasileira” produzida por quem, aqui no Brasil, melhor absorveu a concretude de Aristóteles, a dialética de Hegel, o método de Marx e a capacidade analítica e empírica de Lênin. Refiro-me a Ignácio Rangel.

.

Mas o processo não era igual em todo o território. Se girarmos nosso compasso analítico, veremos em regiões como a denominada hoje como Estado de Santa Catarina, as mesmas condições geográficas que permitiram a proliferação da pequena produção mercantil (um pequeno modo de produção, que para Marx reunia as condições objetivas ao processo de industrialização, por conta do acumulo de capital via produção já destinada ao mercado) no nordeste dos Estados Unidos, sendo a raiz do que hoje pode ser considerado um dos mais dinâmicos clusters industriais do mundo e tocada por empreendedores estrangeiros, no melhor estilo, nas palavras de Weber, self made man. Uma região capaz de abarcar o nascimento de empresas “de fundo de quintal” como a WEG, e que hoje é uma das empresa capaz de colocar uma Siemens alemã na defensiva, apesar de deliberada política antiindustrial iniciada com Collor e levada a cabo, ainda, por Lula (dada nossa política cambial e de juros). A revolução de 1930 fez transformar regiões inteiras ocupadas pela pequena produção mercantil em centros industriais como, a já citada Santa Catarina, mas também o Planalto Paulista, entre outras. Não somente isso, gestaram-se em nossa pátria empresários capazes, dinâmicos que colocaram o Brasil na década de 1970 em franca concorrência com o centro do sistema em, por exemplo, produção de cabos ópticos submarinos, ou mesmo, na vanguarda da ocupação da reserva de mercado encerrada na computadorização do sistema bancário, surgindo assim caixas-eletrônicos, antes no Brasil que no centro do sistema.

.

O Brasil transformou-se no pós-30 em uma “grande Prússia”, inclusive nos problemas de industrialização sem reforma agrária, colocando para nós (assim como para a Alemanha e o Japão) o problema de “crescer ou crescer”, como única forma de amainar os problemas sociais advindos deste tipo de industrialização. Agravante a isso foi o epílogo de nosso processo de industrialização com a implantação de uma nova indústria de base durante o competente, governo Geisel. Indústria de base poupadora de mão-de-obra, logo, transformando o problema agrário de superpopulação em problema urbano. Novas fontes de acumulação e investimentos são e seriam necessários. Fulcral condição objetiva à reprodução do capital, a fusão entre capital bancário e industrial, gerando um capitalismo financeiro brasileiro (que se constitui em nosso novo grito de independência, assim como o foi o início de nosso processo de industrialização na década de 1930), fora e está sendo abortado. Eis uma grande expressão da brutal força do imperialismo em nosso país.

.

Desde então não crescemos e os problemas sociais estão aí, inclusive com o banditismo urbano gerando novas formas de ocupação informal que vão desde os mototáxis do Rio de Janeiro à segurança privada e armada de São Paulo.


.

Paradoxos políticos inerentes a complexidade de nossa formação

.

Minha idéia não é passar em revista uma idéia adotada particularmente sobre nossa formação social. Apesar da forma rasteira, antidemocrática (pensamento único de “esquerda”, por exemplo, na proclamação de que no Brasil não houve feudalismo), superficial e longe da totalidade intrínseca ao materialismo histórico com que essa temática tem sido tratada (trata-se de uma abordagem longe do “marxismo cirúrgico” de um Lênin, Gramsci e I. Rangel), acredito que as coisas e o debate – impulsionado pelas “rasteiras” que a dialética nos impõe – estão caminhando.

.

Este tipo de análise incide diretamente sobre nossa tática. Afinal, o materialismo é histórico e toda nossa construção de uma atitude ante o concreto deve se lastrear historicamente. Além de grande parâmetro à consecução de uma tática justa, tenho certeza que a má interpretação da história é a grande condição objetiva ao amálgama entre esquerdismo e desonestidade intelectual. Por outro lado e sob o ponto de vista da disputa interna de idéias em nosso seio, a cotização histórica é o melhor método de persuasão intelectual e política ante a incompreensão e o discurso fácil.

.

Retornando à problemática histórica brasileira e sua relação com o presente, esta expressa “dualidade” que se expressa em todos os campos da vida nacional, tendo sua expressão mais clara o fato de a base econômica do país ter-se tornado amplamente capitalista, enquanto que a superestrutura de poder continua atreladas às maneiras clarificadas pelo pacto de poder de 1930 (destruição do pacto federativo por FHC e um executivo que também toma para si a arte de legislar). Do ponto de vista da análise mais histórica, a complexidade inerente à formação brasileira produziu um esquema de transições truncado; lento, gradual, seguro; com revoluções incompletas (meias rupturas...).

.

Paradoxos políticos são conseqüência da complexidade que contorna nosso processo de desenvolvimento, causa e efeito da dualidade que nos é anexa: Dona Maria, a Louca vitimou um militante independentista, Tiradentes, porém foi a mãe de Dom João VI e avó de Pedro I, o príncipe regente que bradou nossa independência. Assim segue nos exemplos que vão desde os quilombolas e Miguelinho de um lado e Princesa Isabel do outro. José Bonifácio, nascido no Brasil, porém membro de uma família aristocrática portuguesa, foi nosso primeiro estadista, um “homem-luz” que em tempos em que ser liberal correspondia a uma atitude revolucionária perante a vida, foi o primeiro a colocar na pauta a necessidade da viabilização de um Estado-Nacional brasileiro sob bases industriais e modernas.

.

O sonho da modernização bonifaciana foi posto em prática por um Getúlio Vargas, estancieiro que se tornou o artífice de nossa nacionalidade. Assim, as transições bruscas são impedidas, o potencial revolucionário das classes subalternas nunca se realiza por inteiro; eis a conseqüência em matéria de prática política de uma formação que procede como uma criatura que cresce e se desenvolve casando estruturas preexistentes com o “moderno”, conservando cada qual suas particularidades fundamentais (Rangel, 1961, p. 210), evoluindo sem quebrar o núcleo da unidade dos contrários gerida por esta lógica. Enfim, o Brasil é uma formação social complexa, marcada pela dualidade jurídica, econômica, histórica e política e se não o estudarmos assim, há de parecer-nos uma construção caótica, sem nexos internos estabelecidos e, sobretudo, sem história (Rangel, 1978, p. 12). Acrescento: se não o entendermos nos marcos da complexidade que nos é intrínseca, podemos marchar para o abismo em matéria de prática política.

.

Relevo à ação política com amplitude

.

Duas considerações ainda. A primeira: essa dubiedade expressa em na historia política do país não pode ser encarada como algo negativo e sim uma determinação da qual podemos nos aproveitar, tendo em vista o grande relevo de ação política que se gera como resultado da variedade de interesses em jogo tendo em vista as múltiplas facetas que cada classe ou setor da sociedade pode assumir de acordo com a época histórica.

.

Segundo consideração: equivocam-se os que afirmam pelos cotovelos que a história se repete. Ao analisar os golpes de Estado, primeiro de Napoleão Bonaparte seguida pela executada por Louis Bonaparte Marx, em ''O Dezoito Brumário de Louis Bonaparte'', crava a genial lógica para quem a história pode se repetir somente sob forma de tragédia ou de farsa. Logo, o que acontece é o soerguimento à tona de características às leis objetivas que se manifestam no curso de nossos ciclos históricos/econômicos. Assim sendo, não é improvável que nossa transição ao socialismo obedeça, quase que piamente, a esta ordem de fatores. Eis porque a transição socialista pela via do capitalismo de Estado está na nossa ordem das coisas, quase que como uma lei objetiva de nosso processo de desenvolvimento. Mas esta é uma outra história, imbricada num mesmo processo...

.



*Elias Jabbour, é Doutorando e Mestre em Geografia Humana pela FFLCH-USP, membro do Conselho Editorial da Revista Princípios e autor de ''China: infra-estruturas e crescimento econômico'' 256 pág. (Anita Garibaldi).



* Opiniões aqui expressas não refletem, necessariamente, a opinião do site.
.
in Vermelho - 24 DE JUNHO DE 2009 - 19h45
.
.

domingo, 28 de junho de 2009

Vai-te, Poesia! - José Gomes Ferreira

Assunto: poesia...minha âncora na vida!
Data: 28/Jun 14:15

NÃO ME TIREM A POESIA...NEM O MAR...SÃO AMBOS A MESMA COISA....EU JÁ VEJO E OUÇO TANTAS COISAS QUE NÃO QUERO....JÁ DERRAMEI TANTAS LÁGRIMAS DE SONHOS QUE NÃO FORAM...DE OBJECTIVOS QUE PERDI PELO CAMINHO...DE CERTEZAS QUE EM POEIRA SE DESFIZERAM... DONOS DO DESTINO, DEIXEM-ME O MAR COM QUEM DESABAFO E A POESIA ONDE ENCONTRO PEDAÇOS DA MINHA VIDA.... É COM ELES QUE VIVO E NÃO VEGETO...PRECISO DA POESIA PELOS SEUS CÂNTICOS E DO MAR, PELAS ONDAS QUE ME LAVAM A ALMA...EM ANEXO UM BEIJO!

VAI-TE POESIA!
.

Distribuído por Moranguinko Pereira (hi5).

.

Vai-te, Poesia!
.
Deixa-me ver a vida
exacta e intolerável
neste planeta feito de carne humana a chorar
onde um anjo me arrasta todas as noites para casa pelos cabelos
com bandeiras de lume nos olhos,
para fabricar sonhos
carregados de dinamite de lágrimas.
.
Vai-te, Poesia!
.
Não quero cantar.
Quero gritar!
.
JOSÉ GOMES FERREIRA

.


O trabalho teórico e a luta revolucionária - João Aguiar


Marx, Engls e LéninA teoria revolucionária é a consequência do estudo da realidade política e social nada tendo a ver com a repetição empolgada de chavões ou a aplicação mecânica de princípios gerais a uma situação em específico, sem olhar a novas configurações do capitalismo, do Estado e da correlação de forças, por isso, não se confunde com o verbalismo vazio dos esquerdistas, nem com a chamada renovação que caracteriza o reformismo. “a teoria revolucionária não abdica nem dos princípios fundamentais do marxismo-leninismo (…), nem da necessidade de compreender novos fenómenos; a teoria revolucionária aplica criativamente os conceitos nucleares do marxismo ao contexto em que os revolucionários actuam numa determinada época e sociedade”.
João Aguiar* - 22.06.09

.

Na ciência burguesa é relativamente difundida a ideia que a célebre XI Tese sobre Feuerbach – «todos os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo, trata-se agora de transformá-lo» – seria uma afirmação em que Marx acharia desnecessária toda e qualquer teorização do real. Na realidade, tais noções não fazem sentido. Basta lembrar toda a imensa obra teórica de Marx (o actual projecto de publicação das obras completas de Marx e Engels em alemão será de 120 volumes, portanto, cerca de 72.000 páginas!) para se perceber o colosso intelectual do grande revolucionário alemão. Por outro lado, o marxismo nunca desqualificou o labor teórico. Mais uma vez, lembrem-se duas clarividentes lições de Lenine: «não há movimento revolucionário sem teoria revolucionária" e a importância para os Partidos Comunistas da "análise concreta da situação concreta». Por conseguinte, há em toda a história do marxismo-leninismo uma ligação indissolúvel entre trabalho teórico e prática revolucionária.
.
Qual a relação entre teoria revolucionária e luta prática?

.
Para responder a esta questão, importa considerar dois elementos principais:
.
1. a teoria revolucionária não existe fora da luta revolucionária.
.
Quer dizer, Marx não nasceu comunista e até atingir os seus 25-26 anos de idade nunca se considerou socialista ou comunista, apesar de já ter entrado em contacto com as correntes anti-capitalistas da época. Para além da ruptura com o hegelianismo e da leitura do artigo «Esboço para uma crítica da economia política» de Engels e publicado nos Anais Franco-Alemães em 1844, foi o contacto de Marx com emigrantes e refugiados políticos socialistas de origem alemã em Paris e, sobretudo, com o desenvolvimento da luta operária – por exemplo, os tecelões da Silésia em luta no ano de 1843 – que iriam estar na génese do marxismo como teoria revolucionária.
.
Um outro exemplo. A obra de teoria (científica e política) mais brilhante de Lenine é, não por acaso, "O Estado e a Revolução". Obra escrita em Julho e Agosto de 1917 em pleno fogo da luta revolucionária em ebulição. A percepção do poder de classe do Estado e a percepção das tarefas que cabiam (e cabem) ao proletariado num contexto de transição para o socialismo seriam aspectos de todo inacessíveis fora da luta revolucionária.
.
2. a teoria revolucionária permite perspectivar as condições gerais e específicas em que decorre a luta revolucionária.
.
Não se pense que o marxismo é um mero pragmatismo. De facto, a luta e a prática nas organizações marxistas necessitam sempre de um programa, de resoluções políticas, de debate político e ideológico. É quase como que «o pão para a boca» das organizações políticas e sociais da classe trabalhadora. Para recorrer a um outro exemplo, repare-se que, ao contrário do preconceito dos media dominantes de que o PCP seria um partido enquistado, sectário, sem debate político e condenado a desaparecer, a verdade é que o PCP não teria a força eleitoral e, fundamentalmente, social e sindical se não debatesse e aplicasse enunciados políticos e ideológicos que se ajustam à realidade concreta das massas populares.
.
Consequentemente, a teoria revolucionária enquadra a luta das organizações operárias em dois níveis. Por um lado, a teoria revolucionária enquadra a luta em termos das condições gerais em que ocorre. Isto é, a teoria revolucionária permite compatibilizar a luta quotidiana com o processo histórico global, portanto, entre luta reivindicativa de massas e a luta geral contra o capital. Por outro lado, a teoria revolucionária permite compatibilizar a luta quotidiana na conjuntura nacional, social e temporal em que se desenrola num determinado momento.
.
Assim, considere-se a relação entre teoria e luta revolucionária a partir das seguintes noções:
• a teoria revolucionária faz parte da luta de ideias, da batalha política e ideológica contra a ideologia dominante;
• a teoria revolucionária não é o repetir de chavões ou o aplicar mecânico de princípios gerais a uma situação em específico, sem olhar a novas configurações do capitalismo, do Estado e da correlação de forças – a teoria revolucionária não se confunde com o verbalismo oco do esquerdismo;
• a teoria revolucionária não é igual à revisão de princípios do marxismo em favor da busca de pretensas soluções novas para uma realidade social capitalista que, apesar de novos ajustamentos, continua a reproduzir os seus pilares fundamentais (exploração da força de trabalho; mercantilização de todas as actividades sociais, culturais e naturais; Estado de classe controlado pela burguesia; força e peso da ideologia dominante, etc.) – a teoria revolucionária não se confunde com a busca da “renovação" pela “renovação” típica do reformismo;
• a teoria revolucionária não abdica nem dos princípios fundamentais do marxismo-leninismo (primado da luta de classes, papel de vanguarda da organização revolucionária, natureza de classe das várias instituições da sociedade, etc.), nem da necessidade de compreender novos fenómenos;
• a teoria revolucionária aplica criativamente os conceitos nucleares do marxismo ao contexto em que os revolucionários actuam numa determinada época e sociedade.
.
Aplicações necessárias da teoria revolucionária à realidade actual: algumas questões que se colocam e que importa dar resposta
.
1ª necessidade:
aprofundar a compreensão da real dimensão da actual crise estrutural do capitalismo.
.
Aspectos a aprofundar:
.
a) relação do capital fictício em hipertrofia com as dificuldades de produção de mais-valia na esfera produtiva.
.
b) de que forma a bolha financeira despoletará uma crise ainda mais profunda ao nível das relações de produção capitalistas.
.
c) de que modo se relacionam crises cíclicas no seio da crise estrutural mais geral do capitalismo.
.
Importância prática desta questão:

.
a) desmontar a mecânica interna do imperialismo, como forma de explicitar as raízes estruturais de um sistema explorador e opressor dos povos e dos trabalhadores.
.
b) compreendendo a essência do funcionamento do capitalismo, torna-se mais fácil rebater soluções políticas supostamente «de mudança» (como Obama e toda a campanha propagandística em seu torno) e, ao mesmo tempo, de rebater soluções pretensamente milagrosas para o sistema financeiro. A crise estrutural do capitalismo não pode ser regulada, como defendem certas concepções próximas ao keynesianismo, nem é superada por receitas que passem por introduzir «mais mercado» como apregoam as correntes mais abertamente neoliberais. De facto, a crise estrutural do capitalismo demonstra, por um lado, a vulnerabilidade do indivíduo perante toda a mecânica do sistema onde é apenas mais um recurso para extrair mais-valia e, por outro lado, que a sociedade alicerçada na exploração do trabalho humano tem limites estruturais profundos. Compreender a existência destes últimos não significa, evidentemente, que o capitalismo poderia desaparecer por si mesmo mas que, tendo em conta as dificuldades do sistema para incrementar a extracção de crescentes volumes de mais-valia, só a luta colectiva dos trabalhadores e dos povos pode ultrapassar uma sociedade ancorada na exploração do homem pelo homem.
.
2ª necessidade: aprofundar a compreensão do desenvolvimento da configuração interna dos Estados e correlativas vias de fascização de novo tipo.
.
Aspectos a aprofundar:
.
a) papel da securitização do Estado na prevenção (e criminalização) de futuras movimentações operárias e populares.
.
b) possibilidade de o capitalismo tentar controlar politicamente a grave crise económica e o crescente caos associado por via do recurso a vias de fascização da vida política.
.
c) compreender como estas tendências fascizantes convivem com instituições formalmente democráticas e, mais importante, com a assunção de que tais processos seriam democráticos e realizados no interesse de todos os cidadãos.
.
Importância prática desta questão:
.
a) reafirmar a natureza de classe no Estado e dos processos políticos. O Estado nunca foi, e hoje muito menos, um aparelho neutro e desligado de interesses de classe. A existência de naturais diferenças entre várias formas de Estado (liberal, ditadura militar, fascismo, etc.) não deve obscurecer a tendência imanente de em situações históricas de crise o capital abraçar empreendimentos militaristas, repressivos e fascizantes.
.
b) compreendendo a substância dos Estados – cada vez menos democráticos e cada vez mais autoritários na sua actuação quotidiana – mais facilmente se colocará perante as massas que a superação do sistema implica uma transformação do aparelho de Estado, num sentido da sua democratização e do seu controlo político pelo povo e pelos trabalhadores.
.
3ª necessidade: aprofundar a compreensão das transformações na esfera cultural e ideológica.
.
Aspectos a aprofundar:
.
a) compreender como ideologias de classe (pós-modernismo, teorias sobre a sociedade do conhecimento e correlativo fim do trabalho e das classes, teses sobre a superioridade numérica das chamadas classes médias e dos «colaboradores», etc.) se apresentam como pretensamente não-classistas e compreender o seu impacto nas dificuldades de identificação colectiva de camadas da classe trabalhadora.
.
b) perceber a relação entre crise estrutural do capitalismo/tendência fascizante de organização do poder político/estetização da política e da vida quotidiana. Por outro lado, a crise do capitalismo, do ponto de vista dos interesses do grande capital, implica que os trabalhadores adoptem comportamentos individualistas e refractários à luta reivindicativa. Neste capítulo, a difusão de ideologias consumistas junto de novas camadas de trabalhadores actua como um poderoso factor para fazer recuar a consciência operária e popular nas suas forças.
.
Importância prática desta questão:

.
a) compreender a ligação entre a produção cultural, a difusão ideológica, os mecanismos de condicionamento na formação da opinião e a legitimação do capitalismo.
.
b) desconstruir a noção de que o que os indivíduos pensam (e que lhes transmitem nos media e noutras instâncias culturais) é natural, lógico e inquestionável, mas que se encaixa perfeitamente nos processos de dominação ideológica do grande capital.
.
c) um mais apurado entendimento destes fenómenos permite um avanço na luta ideológica contra o capital e, portanto, na luta mais geral contra o capitalismo.
.
4ª necessidade: aprofundar a compreensão das causas fundamentais do findar da ex-URSS.
.
Aspectos a aprofundar:

.
a) decifrar como se operou a interacção causas internas e causas externas na derrota do socialismo. Quer dizer, a relação complexa e vasta entre: o colossal cerco imperialista; a relação triangular edificação do Estado socialista – transformação das relações de produção – desenvolvimento das forças produtivas; as modalidades específicas e a variável intensidade da luta de classes no processo de construção do socialismo; o sucesso ou insucesso na formação de quadros e no maior ou menor fomento da participação popular, etc.
.
Importância prática desta questão:

.
a) uma compreensão sólida do que se passou nas experiências de construção do socialismo assegurará que o ideal comunista se afirme como alternativa ao capitalismo. Ou seja, o socialismo só passará à ofensiva ideológica se for capaz de compreender mais cabalmente esta questão. Um dos eixos mais relevantes que o capital tem aproveitado na luta ideológica passa pela assunção de que não existiria alternativa ao actual sistema. A criminalização do socialismo soviético aparece aqui como central nesse desígnio ideológico do grande capital e do imperialismo. Nesse sentido, a reposição da verdade sobre as experiências de construção do socialismo consubstancia-se como um passo fundamental nesse processo.
.
Conclusão
.
Uma compreensão mais profunda dos fenómenos acima mencionados permitirá a desmontagem de enunciados da ideologia dominante. Evidentemente, os comunistas e revolucionários têm um largo património teórico sobre estas questões. Assim, trata-se aqui da necessidade de se aprofundar ainda mais esse património e não de o descartar ou ignorar.
.
Com efeito, a própria teoria revolucionária será tanto mais eficaz quanto mais se avançar na discussão colectiva dos problemas em causa. Discussão colectiva que tem de estar sempre inserida no quadro de fortalecimento da luta de massas e das organizações da classe trabalhadora. Só a luta dos trabalhadores e dos povos e das suas organizações de classe poderá transformar o mundo.
.
Animada por esse objectivo, a teoria poderá interpretar mais correctamente o mundo social e político, por conseguinte, melhorando as probabilidades de sucesso da luta popular pela transformação da sociedade. E porque o marxismo consagra essa unidade entre pensamento e acção, só a luta (teórico-ideológica e de massas) é o caminho!

.
*Sociólogo

.

in

o diario.info

.

.