* João Marques dos Santos, Advogado
Como Soares, Sócrates aprendeu rapidamente que governar à esquerda (seja lá isso o que for) não compensa.
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Mário Soares, usando uma linguagem que lhe é muito querida e que garante sempre manchetes, afirmou que gostava que o PS governasse um bocadinho mais à esquerda. Mistério dos mistérios. Governar à esquerda, neste país, já não se sabe o que possa ser. É um conceito vazio. E pedir que se governe só um “bocadinho” mais à esquerda é uma blague de muito mau gosto. Para Soares, para Sócrates, para o que resta da esquerda e para os que nela, ainda, acreditam. É, só, uma outra forma de populismo. Porque a grande massa dos mais desfavorecidos espera sempre pelo Messias. Alguém que possam levar a sério. O conceito de esquerda, hoje indeterminado, graças ao uso e abuso que dele se fez, e de que Soares é um dos principais responsáveis, só serve para colorir entrevistas e discursos. A direita faz contas. Não tem preocupações metafísicas .
Mais bocadinho, menos bocadinho de esquerda, Soares continuará a sonhar com o que julga ter sido a grandiosidade da sua passagem por este vale de lágrimas e a entreter-nos com os seus devaneios. Foi toda a sua vida um desenvolto cozinheiro de variadíssimas e indigestas mistelas políticas. Mas, graças aos seus magnânimos amigos, e até pela superficialidade com que aborda os problemas, acaba sempre perdoado. Delicia-se com os cozinhados de Sócrates mas sente que lhes falta um condimento que poderia dar-lhes um sabor especial se utilizado com moderação. E excelente para a saúde política do PS.
Uma pitada da cada vez mais rara especiaria que se chama “o encosto à esquerda”. Que, se usada com as devidas cautelas, nenhum cliente recusaria. Afinal, Soares, na sua pouco inocente exortação, aconselha Sócrates a seguir-lhe o exemplo. A fazer a política de que a direita mais gosta. A de não perturbar os grandes interesses da direita anunciando profundas preocupações de esquerda. Nunca falha. Acalma consciências inquietas. É bom para todos, menos as vítimas do costume. Pedir a Sócrates que governe “um bocadinho” mais à esquerda” torna-se ainda mais patético porque Soares sabe que o apelo chega tarde de mais.
Como Soares, Sócrates aprendeu rapidamente que governar à esquerda (seja lá isso o que for) não compensa. Nem em termos de “défice” (a suprema obsessão), nem do precioso apoio explícito que a direita lhe garante. Nem em termos de futuro político. Sócrates cedo escolheu o seu campo. E para o bem e para o mal, é mais fiável que Soares. Sabe que a direita não tem melhor timoneiro do que ele. O PSD, como força da oposição, está hoje reduzido a uns quantos pactos com o PS na área da governação. Aceita as migalhas que Sócrates lhe oferece, com alguns arrufos menores, para inglês ver, mas este amor desigual tende a eternizar-se. Porque a figura tutelar de Cavaco está atenta, quer consensos, e assusta mais “este” PSD do que Sócrates. O que importa é que Soares está enamorado por Sócrates. Novo filhote adoptivo. Os êxitos de José fazem-lhe esquecer os fracassos de João. Apoia todas as suas iniciativas. Chama-lhe patriota. Afirma que Sócrates está na vida pública para nos salvar a todos. E à Pátria. Sem se rir. Como não há desigualdades sociais que se atenuem com a política de Sócrates, governar um bocadinho à esquerda, para Soares, é reequilibrar o défice sem que acabemos todos a pedir esmola. Não é pedir muito.
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in Correio da Manhã 2007.11.30
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imagem - designer Ana Rego
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in Correio da Manhã 2007.11.30
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imagem - designer Ana Rego
3 comentários:
Gostei muito, especialmente deste "final";
Abraços
Maria Mamede
Meu amigo, pedindo desculpa pela ausência Aqui estou para te dizre que concordo contigo.
Boa semana.
Bato palmas.
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