por Edson França*
Em poucas palavras diria que racismo é a crença na existência da hierarquia biológica das raças, baseados nessa crença, classificam e atribuem lugar social aos racialmente inferiores ou superiores. O racismo sempre serviu a interesses sociais, econômicos e políticos de Estados e classes sociais, por isso imbrica-se na luta de classes, na luta contra o colonialismo e contra o imperialismo.
Algumas correntes de opinião em suas interpretações sobre o racismo (invariavelmente capciosas), retiram o sentido político da dominação e da luta dos povos e populações que sofrem suas conseqüências. Superdimencionam o caráter moral, psicológico e individual dos racistas. Dizem que o racismo é fruto do medo e do ódio do desconhecido. Que o racismo é uma doença moral de indivíduos. Que o racismo é falta de Deus ou de religião.
Tratam-se de interpretações conservadoras e superficiais, pois as propostas de superação desdobram em ações conciliatórias entre indivíduos sem questionar as estruturas e os atores sociais mantenedores e beneficiários do racismo, assim direta ou indiretamente defendem a manutenção do sistema social que alimenta o racismo e nunca atuam na causa.
Diferente etnocentrismo pois nesse, um grupo étnico independente da raça julga sua cultura, espaço geográfico, símbolos, religião, valores morais mais adequados ou superiores. Por isso rejeitam ou se encantam com o outro, a questão é de alteridade, de como apreender o outro na plenitude da sua dignidade, dos seus direitos e, sobretudo, da sua diferença. O etnocentrismo existe historicamente com graus variados em todas sociedades, desde as mais simples escondidas num passado longínquo as mais complexas da atualidade. Não está intrínseco o desejo coletivo de dominação de um grupo sobre outro, tal qual vemos no racismo, por isso pode-se compreende-lo sob a ótica moral e psicológica.
A gênese do racismo - em consonância com a conceituação acima - data da Idade Moderna, quando no processo de busca de novos mercados, expansão marítima, descoberta de novos mundos e necessidade de mão-de-obra barata grandes empreendedores europeus, especialmente mercadores e os que se dedicavam a empresa colonial, apoiados pela Igreja e pelos Estados então constituídos, optam pela escravização do africano nas Américas. Em razão disso necessitaram elaborar argumentos que legitimassem moral e juridicamente a escravização de um homem pelo outro.
O papa Nicolau V em 1454 autorizou o mercado escravo de africanos, dizia que o negro não era gente, não tinha alma, como tal, era legítima sua escravização. Mais ainda, desde que o batizasse, escravizar o africano era um ato de benevolência, pois o batismo tiraria os negros da escuridão e das trevas do inferno. Esse argumento foi possível em razão do poder político da Igreja e da relevância de seu posicionamento no destino da humanidade. De modo que a primeira formulação sistematizada do racismo envolveu interesses econômicos vivos e os principais atores sociais e políticos que compunham a elite mundial.
A compreensão da não humanidade do negro se estabeleceu como consenso na sociedade européia durante décadas, posteriormente, com a catequização e evangelização dos negros escravizados fragilizou a crença da inexistência da alma, pois não se batiza quem não tem alma. Mantiveram o fundamento religioso, porém a explicação sofrera metamorfose com a teoria da mancha maldita. Essa teoria pregava que os negros eram descendentes de Cam, filho de Noé que fora amaldiçoado pelo pai e condenado com seus descendentes a servidão perpétua. Em outras palavras, a escravização do negro correspondia ao cumprimento de uma profecia bíblica. Até início do século 18 não havia pensamentos estruturados que questionassem moral e politicamente a escravidão de africanos e negros.
Com a crise da Igreja e o advento do Iluminismo nos anos finais do século 18 surgem novos pensamentos. Não era possível explicar todos fenômenos físicos e sociológicos, através da fé religiosa. Chegara a era da ciência, da razão, da inteligência, fim da era das trevas e início de uma nova civilização onde o homem passa a ser o centro de todas as coisas. Tempo dos grandes enciclopedistas (Voltaire, Mostequieu, Rousseau), dos ilustrados. Início do pensamento que sustentou a Revolução Francesa e a queda definitiva do Antigo Regime.
Assim tudo foi questionado, se impõe a necessidade formular novas explicações para as práticas sociais que ainda interessavam a classe dominante. Os grandes mercadores de escravos e os grandes escravocratas precisavam justificar a escravidão através de argumentos que se adequassem a nova lógica que se impunha.
Em meados do século 19 várias correntes teóricas racistas se desenvolvem influenciadas pelo ritmo das mudanças, pelo pensamento evolucionista e pela idéia de progresso. Conde Gobineu publica Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas, tornando-se um dos pioneiros teóricos racistas. Advoga a existência da superioridade inata da raça branca sobre as outras, no pico da pirâmide racial estaria os arianos. O pensamento de Gobineu é a base constituinte do racismo científico, a partir da certeza da hierarquia derivam novas correntes e campos do racismo.
Friedrich Ratzel, considerado pai da geografia, propõe uso prático do racismo em benefício da gana colonialista. Divide a humanidade em dois grupos: naturais e civilizados, os que eram dominado pela natureza e os que a dominavam, respectivamente. Os povos naturais deviam se conformar com a diminuição de seu espaço vital em benefício dos civilizados, era a lei de seleção natural – nunca o colonialismo e o imperialismo foi tão bem contemplado. Em 1884 e 1885, sob a liderança do Chanceler alemão Oto Von Bismarck, na Conferência de Berlim, quinze países europeus repartem entre si o continente africano – estavam convencidos que tinham direito natural ao domínio da África.
Outro eminente pensador do racismo científico foi o italiano Cesare Lombroso, fundador de um novo ramo da “ciência racista”: a antropologia criminal. Em suas obras O Homem delinqüente (1876) e O crime, causas e remédios (1899), descreve as características físicas das pessoas propensas a criminalidade, essa conclusão é fruto de longos anos de estudo de biotipos e fotos de condenados. Sua “descoberta” influencia o trabalho de aparelhos de repressão de Estados, além de influentes romancistas como Émile Zola e Anatole France. È o racismo a serviço da repressão legitimizada.
O racismo científico teve ressonância até finais do século 20, embora a extinção da escravidão estava consolidada, havia necessidade de justificar a razão das desigualdades sociais, econômicas, políticas entre brancos e não brancos. Essa fase fica para o próximo texto.
*Edson França, É Coordenador Geral da Unegro, membro do Conselho Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR) e da coordenação da Conen-Coordenação Nacional de Entidades Negra
* Opiniões aqui expressas não refletem, necessariamente, a opinião do site.
in Vermelho - 6 DE DEZEMBRO DE 2007 -
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