sexta-feira, 2 de outubro de 2015

DEUS SEGUNDO ESPINOZA ( Deus monologando para você )



Espinosa expulso do templo

* Francisco Louçã

Einstein, um sábio de quem os aforismos não parecem postiços, respondeu quando lhe perguntaram se acreditava em deus:“Acredito no deus de Espinosa que se revela por simesmo na harmonia de tudo o que existe, e não nodeus que se interessa em premiar ou castigar os homens”.

Baruch (ou Bento, ou Benedito) Espinosa, filho de Miguel de Espinosa e de Ana Débora, judeus portugueses fugidos da Inquisição, o filósofo que tanto impressionou Einstein, foi, no séc. XVII, um dos precursores do Iluminismo e portanto da modernidade. Morto aos 44 anos, deixou uma obra notável, mas foi por ela banido pelos rabinos da Sinagoga Portuguesa de Amesterdão e mesmo expulso da cidade em 1656 (tinha 23 anos). Será “amaldiçoado cada dia e cada noite”, escreveram os que o julgaram (a foto ao lado é dessa sentença, tirei-a no Museu da Sinagoga Portuguesa de Amesterdão).

A sua heresia foi imensa. Defendia que alma não é imortal, que deus não é providencial e que a Bíblia não é a palavra literal de deus. Mas, sobretudo, recusava a religião e a interpretação de deus – em que acreditava – como a obediência a um destino e, por isso, definia uma ética, uma norma para “Não fazer ao outro o que não se quer para si”, ou seja, para respeitar os outros e como caminho para actuar sem delongas.



Deus falando consigoé um notável texto dessa teologia e ética (aqui em tradução brasileira da Visão):

“Pára de ficar rezando e batendo no peito. O que eu quero que faças éque saias pelo mundo e desfrutes da tua vida. Eu quero que gozes,cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que Eu fiz.Pára de ir a estes templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmoconstruíste e que acreditas ser a minha casa. A Minha casa está nasmontanhas, nos bosques, nos rios, nas praias. Aí é onde eu vivo eexpresso o meu amor por ti.Pára de me culpar pela tua vida miserável; eu nunca te disse que erasum pecador.Pára de ficar lendo supostas escrituras sagradas que nada têm a vercomigo. Se não podes  ler-me num amanhecer, numa paisagem, no olhardos teus  amigos, nos olhos do teu filhinho… não me encontrarás emnenhum livro…Pára de tanto ter medo de mim. Eu não te julgo, nem te critico, nem meirrito, nem me incomodo, nem te castigo. Eu sou puro amor.Pára de me pedir perdão. Não há nada a perdoar. Se Eu te fiz… Eu teenchi de paixões, de limitações, de prazeres, de sentimentos, denecessidades, de incoerências, de livre-arbítrio. Como possocastigar-te por seres como és, se fui Eu quem te fez?Crês que eu poderia criar um lugar onde queimar todos os meus filhos,que não se comportassem bem, pelo resto da eternidade? Que tipo deDeus pode fazer isso?Esquece qualquer tipo de mandamento  que em ti só geram culpa, sãoartimanhas para te manipular, para te controlar . Respeita o teupróximo e não faças aos outros o que não queiras para ti. A únicacoisa que te peço é que prestes atenção à tua vida; que o teu estadode alerta seja o teu guia. Tu és absolutamente livre para fazer da tuavida um céu ou um inferno.Pára de crer em mim… crer é supor, imaginar. Eu não quero queacredites em mim. Quero que me sintas em ti quando beijas tua amada,quando agasalhas a tua filhinha, quando acaricias o teu cão,quando tomas banho de mar.Pára de louvar-me! Que tipo de Deus ególatra acreditas que Eu seja? Tu sentes-te grato? Demonstra-o cuidando de ti, da tua saúde, das tuasrelações, do mundo. Expressa a tua alegria! Esse é o jeito de melouvar.Pára de complicar as coisas e de repetir como um papagaio o que teensinaram sobre mim. Não me procures fora! Não me acharás.Procura-me dentro de ti… aí é que estou.”


Se alguém encontrou este deus, é decerto feliz na sua religião. O deus castigador, pelo contrário, é a ideia da infelicidade e, porque o revelou, Espinosa teve de ser expulso da sua comunidade.

2 de Outubro de 2015



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