Espinosa expulso do templo
* Francisco Louçã
Einstein, um sábio de quem os aforismos não parecem
postiços, respondeu quando lhe perguntaram se acreditava em deus:
“Acredito no deus de Espinosa que se revela por si
mesmo
na harmonia de tudo o que existe, e não no
deus
que se interessa em premiar ou castigar os homens”.
Baruch (ou Bento, ou Benedito) Espinosa, filho de Miguel de
Espinosa e de Ana Débora, judeus portugueses fugidos da Inquisição, o filósofo
que tanto impressionou Einstein, foi, no séc. XVII, um dos precursores do
Iluminismo e portanto da modernidade. Morto aos 44 anos, deixou uma obra
notável, mas foi por ela banido pelos rabinos da Sinagoga Portuguesa de
Amesterdão e mesmo expulso da cidade em 1656 (tinha 23 anos). Será “amaldiçoado
cada dia e cada noite”, escreveram os que o julgaram (a foto ao lado é dessa
sentença, tirei-a no Museu da Sinagoga Portuguesa de Amesterdão).
A sua heresia foi imensa. Defendia que alma não é imortal,
que deus não é providencial e que a Bíblia não é a palavra literal de deus.
Mas, sobretudo, recusava a religião e a interpretação de deus – em que
acreditava – como a obediência a um destino e, por isso, definia uma ética, uma
norma para “Não fazer ao outro o que não se quer para si”, ou seja, para
respeitar os outros e como caminho para actuar sem delongas.
“Deus
falando consigo” é um notável texto dessa teologia e ética (aqui em
tradução brasileira da Visão):
“Pára de ficar rezando e batendo no peito. O que eu quero
que faças é
que saias pelo mundo e desfrutes da tua vida. Eu quero que
gozes,
cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que Eu fiz.
Pára de ir a estes templos lúgubres,
obscuros e frios que tu mesmo
construíste
e que acreditas ser a minha casa. A Minha casa está
nas
montanhas,
nos bosques, nos rios, nas praias. Aí é onde eu vivo e
expresso
o meu amor por ti.
Pára de me culpar pela tua vida
miserável; eu nunca te disse que eras
um
pecador.
Pára de ficar lendo supostas
escrituras sagradas que nada têm a ver
comigo.
Se não podes
ler-me num amanhecer, numa paisagem, no olhar
dos teus amigos, nos olhos do teu filhinho… não me encontrarás em
nenhum
livro…
Pára
de tanto ter medo de mim. Eu não te julgo,
nem te critico, nem me
irrito, nem me incomodo, nem te
castigo. Eu sou puro amor.
Pára de
me pedir perdão. Não há nada a perdoar. Se Eu te fiz… Eu te
enchi
de paixões, de limitações,
de prazeres, de sentimentos, de
necessidades, de incoerências, de livre-arbítrio. Como
posso
castigar-te
por seres como és, se fui Eu quem te fez?
Crês que eu poderia criar um lugar onde queimar todos os meus
filhos,
que não se
comportassem bem, pelo resto da eternidade? Que tipo de
Deus
pode fazer isso?
Esquece qualquer tipo de mandamento
que em ti só geram culpa, são
artimanhas para te manipular, para te controlar . Respeita
o teu
próximo e não faças
aos outros o que não queiras para ti. A única
coisa que te peço é que prestes atenção à tua vida; que o teu estado
de
alerta seja o teu guia. Tu és
absolutamente livre para fazer da tua
vida um céu
ou um inferno.
Pára de crer em mim… crer é supor, imaginar. Eu não quero
que
acredites
em mim. Quero que me sintas em ti quando beijas tua amada,
quando
agasalhas a tua filhinha, quando acaricias o teu cão,
quando
tomas banho de mar.
Pára de louvar-me! Que tipo de Deus
ególatra acreditas que Eu seja? Tu
sentes-te
grato? Demonstra-o cuidando de ti, da tua saúde,
das tuas
relações, do mundo. Expressa a tua
alegria! Esse é o jeito de me
louvar.
Pára de complicar as coisas e de repetir como um papagaio o que
te
ensinaram
sobre mim. Não me procures fora! Não me acharás.
Procura-me
dentro de ti… aí é que estou.”
Se alguém encontrou este deus, é decerto feliz na sua
religião. O deus castigador, pelo contrário, é a ideia da infelicidade e,
porque o revelou, Espinosa teve de ser expulso da sua comunidade.
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