domingo, 25 de outubro de 2015

Guizos, a narrativa poética sobre o homem e sua loucura

23 de outubro de 2015 - 12h23 


Um jovem médico encontra uma criança cega num parque qualquer e a leva para casa, afinal, o pequeno precisa de alguns cuidados e ninguém melhor que um profissional de saúde para atendê-lo. O plano de fundo da história de Tom e o garoto que deixou seu olhos num lago, como se fossem guizos, são a dependência de uma relação de amor “um tanto incompreensível, mas singular”, explica o autor da peça Guizos, Luiz Henrique Dias. 

Por Mariana Serafini


João Aira


Cena da peça Guizos

O personagem Tom é a fusão do homem e sua loucura apresentado por meio de uma narrativa que beira a poesia, sem deixar de lado a prosa. “Guizos narra, mas narra musicalmente, ao menos foi a minha vontade ao escrever o texto”, revela o dramaturgo. 


A peça obscura e minimalista traz à tona um relacionamento que à primeira vista pode ser encarado como “um texto sobre a pedofilia”. Mas não, a história choca ao desarmar o espectador e fazê-lo perceber que a fragilidade e a dependência tem o mesmo grau em ambos os personagens, o que leva a crer que o pequeno não é necessariamente a criança que Tom descreve. “A pedofilia, na verdade, é um simbolismo. Tom, meu personagem, tem um relacionamento de dependência mútua com a outra parte aparentemente mais frágil, que é representada por uma criança sem olhos”, explica Luiz. 


Guizos é fruto da escola contemporânea de teatro experimentada no Brasil a partir do Núcleo de Dramaturgia do Sesi, de Curitiba, onde Luiz Henirque desenvolveu o texto sob a supervisão do diretor Roberto Alvin. Esta vertente do teatro valoriza a palavra, a sonoridade, o poder do silêncio. Cada palavra está exatamente onde deveria e o ator longe de ser a atração principal no palco.


Segundo Luiz, o teatro contemporâneo ainda é pouco difundido no Brasil e vive do “fomento ou de boa vontade: fomento do público e boa vontade privada”. Ele conta que apesar de haver um público cativo, esta vertente ainda não é a preferência no país, então há dificuldades para manter as peças em cartaz. 


O estilo pode parecer pouco simpático aos olhos de quem está acostumado a atores expansivos, cenários extravagantes e comédias rasas com eventuais pontas de ironia. Pouco ou nenhum cenário, iluminação certeira e atores cuja principal função é empoderar a palavra são marcas desta vertente e, obviamente, características presentes em Guizos


“Não existe experimento sem mecenas. Isso vale para pra tudo que é experimental, do teatro até a busca para a cura de doenças. Então a gente (os poetas, os encenadores, os cientistas) pena para sobreviver”, conta.


Luiz Henrique é o autor de Guizos e nesta versão atual é também o ator. Mas a obra já foi montada outras vezes, com outros atores. Sua principal influência é o ator e dramaturgo britânico Harold Pinter, mas se inspira ainda no escritor francês Michel Vinaver, “mágico com as palavras”. No Brasil ele admira Roberto Alvim e Andrew Know. 


A peça está em cartaz no teatro da Livraria da Vila, no Shopping Higienópolis, na capital paulista, sábados às 20 horas e domingos às 18 horas. A censura é 16 anos, os ingressos custam R$40 e R$20. 


Leia um trecho de Guizos: 


"A convivência destrói a relação. Há alguns dias tivemos um desentendimento. Não havia motivo aparente, mas sua presença me incomodava, me tomava o espaço, me sufocava. Todos os dias atrás de iodo e sopas. Começamos a ter um convívio mais carnal, pelo menos de minha parte. Eu o procurava três ou quatro vezes por dia, o trabalho no consultório estava pesado e eu precisava descontar o sorriso que eu era obrigado a oferecer àquela gente. Saía pelos fundos e corria para seu quarto. Ele já não mais me queria, fazia sinal de dor, de desprazer. Eu estava infeliz com aquilo. Me dedicava dia e noite ao trabalho e à nossa casa. Cheguei a pensar nos mortos e nos espelhos falando, mas decidi então não voltar novamente naquela noite." 

http://www.vermelho.org.br/noticia/271859-11



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